Em entrevista ao ECO, a diretora-geral da Cisco Portugal faz o balanço do Web Summit e fala de tecnologia "com alma". Revela ainda como é ser líder num setor "predominantemente" masculino.
Sofia Tenreiro lidera a Cisco em Portugal, uma empresa multinacional que gerou 28,9 milhões de euros de receitas no ano fiscal terminado em julho de 2016, através da venda de sistemas informáticos, equipamento e software, segundo a Bloomberg. Tem sido uma das vozes mais ativas em Portugal no setor da tecnologia, no qual tem reiteradamente alertado para o risco que a criminalidade informática representa tanto para pessoas como para os negócios.
Em entrevista ao ECO, a diretora-geral da Cisco Portugal faz um balanço do Web Summit e deixa conselhos aos empreendedores para melhor prepararem a edição do ano que vem, porque “os portugueses não são muito bons a planear”. Além disso, revela como é ser uma líder “numa indústria predominantemente masculina”. No final, rejeita as quotas de género, uma medida que já foi proposta pelo Governo.
A Cisco foi parceira do Web Summit. Mas, este ano, vimos que surgiram algumas críticas à euforia associada ao evento. Que opinião tem em relação a isto?Eu falo muito da tecnologia com alma porque acredito que a tecnologia, claramente, tem de ter uma alma por trás — e essa alma é um humano.
Primeiro, vemos o Web Summit como Cisco multinacional, porque o evento tem tido uma dimensão muito internacional e chega a todo o mundo. Isso é muito importante para nós. Mas vemos em várias dimensões. Por um lado, como uma oportunidade de a Cisco mostrar todas as soluções que tem hoje em dia. É uma montra. Por outro, é também uma montra não apenas de soluções que disponibilizemos aos clientes mas uma montra de programas. Outra componente muito importante é a de apoiarmos as startups. A Cisco, em si, não vai ao Web Summit para investir diretamente em startups. Vai ao Web Summit para criar pontes que explora depois do evento.
Já lá vamos. A pergunta é: fazem sentido estas críticas a toda a euforia? Se o Web Summit nos eleva um bocadinho, ou se devemos ter os pés mais bem assentes na terra.O Web Summit, sem dúvida, tem muito mérito por ajudar a vender Portugal. Vejo isso mesmo internamente na Cisco. É mais um argumento que uso para vender Portugal, vender o ecossistema de Portugal e vender a inovação que acontece no país. Mas creio que, no Web Summit e em muitos outros eventos deste estilo, não chega só ir lá passear. As pessoas têm de preparar muito bem o evento para poderem tirar dele o máximo proveito. É, no fundo, um diamante em bruto. E é preciso pensar como é que vamos explorar esse diamante. É preciso fazer essa preparação para perceber o que tirar do Web Summit, que reuniões se devem marcar. Se calhar, ainda há muitas pessoas que não fazem essa preparação.
O Web Summit ainda é uma feira de tecnologia, ou já é mais uma feira de networking?É as duas coisas. Vemos que há oradores que não falam de tecnologia, não é? Já há speakers que falam de temas atuais do mundo, mas não relacionados com tecnologia. É uma feira de tecnologia, há muitos temas que são abordados. Este ano, o tópico foi inteligência artificial. Mas é também uma feira de networking assente na tecnologia. Essas pontes que se estabelecem são muito importantes e, de repente, o facto de termos ali todas as pessoas concentradas no mesmo espaço acaba por criar muitas oportunidades que temos de saber agarrar.
Algum conselho para as empresas quanto à próxima edição?"Planeamento: os portugueses não são muito bons a planear. O meu conselho [para ir ao Web Summit] é planeamento.”
O conselho é: pensarem o que é que querem retirar nas várias componentes, quer seja de aprendizagem, de networking, ou de encontrarem potenciais parceiros ou potenciais investimentos. Cada empresa deve pensar no Web Summit especificando quais os outcomes que quer tirar do evento e programar muito bem os dias… e noites, porque muita coisa acontece à noite no Web Summit. Ou seja, planeamento: os portugueses não são muito bons a planear. O meu conselho é planeamento.
Como disse, uma das tendências deste ano foi a inteligência artificial. O que achou da sua homónima, a Sophia?[O Web Summit] é mais um argumento que uso para vender Portugal, vender o ecossistema de Portugal e vender a inovação que acontece no país.
Eu adoro a Sophia.
Ela deixou alguns alertas que geraram buzz na comunicação social e algum alarmismo na sociedade, até. Isto é mesmo assim? Os robôs vão tirar-nos os empregos?A Sophia é uma provocadora nata e acho que deve sê-lo. Se não fosse provocadora, ninguém falava dela. É uma realidade.
Mas ela foi programada para isso.Ela foi programada para isso, sim. Gostei imenso de a ver. Vi-a no ano passado e este ano também. Gostei imenso da evolução. Não só de conteúdo, do que ela diz, mas também a evolução da forma — no fundo, as expressões que tem na cara e o facto de já ter mais membros. Para o ano, se calhar já vamos ver a Sophia de corpo inteiro a andar por aí.
Eu tenho uma perspetiva muito positiva das Sophias desta vida. Elas vão ajudar-nos a retirar toda a carga administrativa que temos, todas as tarefas que podem ser automatizadas, as tarefas onde não acrescentamos valor. Ao retirarmos tudo isso da nossa vida, vamos conseguir ter mais tempo para nos dedicarmos às tarefas onde realmente acrescentamos valor e às tarefas que nos dão prazer. Sem dúvida que os robôs sem os humanos também têm limitações. Têm limitações de emoções, de identificação do espaço envolvente, têm limitações éticas. Portanto, eu acredito que os robôs vão ter sempre de ser complementados por humanos.
Mesmo quando chegar aquilo a que chamamos de Singularity? Quando houver a chamada super-inteligência?Eu acredito que vão ser sempre precisos humanos. Hoje em dia, a própria tecnologia que já está disponível a todos nós precisa de humanos. Porque precisa de humanos para ser melhorada, para ser bem adaptada e implementada. No fundo, para se perceber o benefício para a qual vai ser utilizada e conseguir garantir que vamos atingir esse objetivo. Eu falo muito da tecnologia com alma porque acredito que a tecnologia, claramente, tem de ter uma alma por trás — e essa alma é um humano. É óbvio que, cada vez mais, o espaço que a tecnologia ocupa é maior. Mas acredito que vamos precisar sempre de humanos, mais não seja para limitar como os pais e os filhos.
E quando os robôs se souberem limitar a eles próprios?Eles nunca vão saber. São como as crianças.
Não alinha nos alertas de alguns especialistas, como Elon Musk, de que há perigos associados a esta vaga?"Tenho uma perspetiva muito positiva das Sophias desta vida. Elas vão ajudar-nos a retirar toda a carga administrativa que temos, todas as tarefas que podem ser automatizadas, as tarefas onde não acrescentamos valor.”
Eu acredito que, como tudo na vida, não há nada 100% seguro. Há sempre aspetos menos positivos em todas as realidades. Temos é de saber antecipá-los, encontrar soluções para eles e, depois, garantir que eles não acontecem. A melhor tecnologia pode ser usada para fins muito negativos. Aqui, o que temos de perceber é como é que conseguimos garantir que a tecnologia é usada para fins positivos e bem usada e bem-criada. E ter sempre esta alma por trás para garantir que continua positiva.
Falando agora da Cisco, viram no Web Summit alguma startup que vos tenha despertado interesse? Talvez até para investir?Nós temos um grupo internamente, a Cisco Investments. Esteve cá uma das pessoas responsáveis por ele, que é o Jon Koplin. É um bocadinho o olheiro das startups. Ele veio cá a Portugal, não só para ser speaker no Web Summit mas também para conhecer startups locais que possam ser interessantes dentro destas áreas nas quais a Cisco está cada vez mais a apostar — na parte da analítica, na parte da inteligência artificial, segurança… Todas estas são áreas onde estamos a investir mais e estamos a investir em startups que já tenham provado sucesso e que tenham sucesso para as incorporarmos na Cisco e mantermos este nosso espírito de startup de que gostamos. Tivemos essa equipa muito presente e atenta às várias startups.
Tem vindo a alertar para os riscos da cibersegurança. Quais são os principais?Hoje em dia os ataques que existem são cada vez mais frequentes e sofisticados. Temos tido vários exemplos, não só dos ataques tradicionais mas de ataques diferentes — e, muitas vezes, que não entram apenas pela infraestrutura tecnológica. Entram também sob a forma de telefonemas. Já é preciso estar atento a todos os pontos de contacto que podem existir numa empresa. Qualquer pessoa pode ser um potencial recetor.
A verdade é que há cada vez mais ataques. A Cisco tem um centro de inteligência que monitoriza os ataques que existem a nível mundial em toda a sua infraestrutura e bloqueamos por dia seis vezes o número de pesquisas no Google. São cerca de 20 mil milhões de ataques que bloqueamos por dia. Há muita inteligência artificial por detrás disto, para os identificar. Há países que fazem disto uma atividade económica. Sabemos que há ataques que vêm desses países e que acontecem entre as 9h e as 17h, que é a hora em que as pessoas trabalham. É um negócio cada vez mais rentável.
É líder no setor tecnológico, onde talvez não haja muitas líderes no feminino. Como é ser diretora-geral da Cisco?Há situações recentes em que temos lugares disponíveis, em que gostaríamos de contratar homens ou mulheres, e em que não surgem currículos de mulheres. Surgem apenas currículos de homens.
Tenho imensa sorte, porque a Cisco é uma empresa fantástica, com uma cultura de startup. Apesar de ser uma empresa muito grande, somos desafiados e temos espaço para arriscar todos os dias e para manter essa cultura nas nossas equipas. Isso por um lado. Por outro, é uma empresa com uma cultura muito humana.
Apesar de se inserir numa indústria predominantemente masculina, a Cisco defende muito a diversidade: de género mas também de background, de cultura, de nacionalidades. Por isso é que a Cisco Portugal tem cerca de 65% de mulheres, um resultado que já existia antes de eu ter entrado, o mérito não é meu. Também temos 36 nacionalidades no escritório, o que mostra que valorizamos muito a diversidade, porque acreditamos que é dela que vem o confronto positivo de ideias. Tirando isso, só posso dizer que tenho pena de que haja poucas mulheres em tecnologia…
... como é que se trazem mais? Qual é o problema?O principal bloqueador são as próprias mulheres. Começa a haver cada vez mais mulheres que querem ter uma carreira ativa, mas ainda há muitas que não querem ter uma carreira ativa. Por um lado, por acharem que não têm capacidades para o fazer, quando não é verdade. Têm muitas capacidades, mas as mulheres tendem a subestimar-se. Por outro lado, porque acho que têm a sensação de que não é possível conciliar a vida profissional e a vida pessoal, o que também é possível. Não é fácil mas, como é óbvio, nem tudo na vida é fácil.
É importante haver mais mulheres para servirem de exemplo para os seus próprios filhos e para as suas próprias filhas, quando crescerem, também quererem ter carreiras ativas. Como é que se faz? Dando o exemplo de que é possível, nós, mulheres, que temos carreiras ativas, falarmos com mais jovens, tentando desmistificar o mito que existe de que não é divertido trabalhar em tecnologia. Há uma diferença de perceção entre o uso da tecnologia e o contribuir para a tecnologia. E os jovens adoram usar tecnologia, são viciados em tecnologia, só que, depois, quando pensam contribuir para a tecnologia, em trabalhar na tecnologia, acham que não é divertido.
É a favor ou contra as quotas de género?"Ainda há muitas mulheres que não querem ter uma carreira ativa (…), por acharem que não têm capacidades para o fazer, quando não é verdade. Têm muitas capacidades, mas as mulheres tendem a subestimar-se.”
Eu não sou a favor de quotas. Percebo porque existem quotas e percebo que as quotas sejam uma tentativa de acelerar, mas acredito que — e tenho visto isso — quando as empresas acreditam, desde o topo, que a diversidade — a todos os níveis –, é benéfica para o seu negócio, estão abertas a contratar mulheres. Há situações recentes em que temos lugares disponíveis e em que gostaríamos de contratar homens ou mulheres, mas para os quais não surgem currículos de mulheres. Surgem apenas currículos de homens.
É um bocadinho como a lei da oferta e da procura. Temos de trabalhar na oferta e temos de trabalhar na procura. Do lado da oferta, ao conseguir entusiasmar mais raparigas, jovens, mas também as mulheres que estão no mercado de trabalho, a terem essa ambição de terem uma carreira mais ativa e de estarem disponíveis para lugares de tecnologia. Na procura, é conseguir que todas as empresas tenham uma cultura de diversidade e que percebam que é benéfico para o negócio. Não só é um direito humano de podermos dar igualdade de oportunidades a homens e mulheres, mas também é benéfico para o negócio.
Ao longo da sua carreira enfrentou alguma situação de assédio?Não, nunca. Nem nenhuma situação de assédio na minha vida profissional, nem nenhuma descriminação na minha vida profissional por ser mulher.
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