Em maio de 2019, o burnout passou a integrar a lista de doenças aprovadas pela OMS. O setor da advocacia não está imune. Mas o que pensam as sociedades?
Irritabilidade, fadiga, isolamento social e tristeza. Sabe o que têm em comum? São alguns dos sintomas da síndrome de exaustão profissional, ou burnout, que em maio de 2019 passou a integrar a lista de doenças aprovadas pela Organização Mundial Saúde (OMS). Todos os setores possuem trabalhadores suscetíveis de contrair esta perturbação psicológica, incluindo a advocacia.
Descrita pela primeira vez em 1974 pelo psicólogo Herbert Freudenberger, o burnout é “vivenciado por pessoas que atingiram o seu limite, esgotando os recursos disponíveis”, explica Teresa Espassandim, psicóloga especialista e membra da direção nacional da Ordem dos Psicólogos Portugueses.
E as sociedades de advogados, acompanham esta doença? À Advocatus, a CMS Rui Pena & Arnaut e a Kennedys asseguram que sim. “Todas as doenças cuja causas possam estar diretamente relacionadas com o trabalho, merecem a nossa atenção e são regularmente objeto de ações de sensibilização”, refere Paulo Almeida, sócio responsável pelo escritório da Kennedys em Portugal.
Todas as doenças cuja causas possam estar diretamente relacionadas com o trabalho, merecem a nossa atenção e são regularmente objeto de ações de sensibilização.
O advogado referiu ainda que no dia mundial da saúde mental, no passado dia 10 de outubro, a Kennedys promoveu uma ação e sensibilizou os seus escritórios a afixarem cartazes alusivos ao dia e recomendou aos seus colaboradores usarem um pin de cor verde. “A adesão foi esmagadora”, afirma.
Susana Afonso, sócia da CMS Rui Pena & Arnaut, notou que a sociedade também está sensibilizada para a situação do work life balance. “É uma preocupação constante conseguirmos garantir um equilíbrio entre a vida profissional e a vida pessoal, garantir que os nossos profissionais reúnem todas as condições necessárias para poderem desempenhar as suas funções de forma plena, construtiva e positiva”, esclarece.
Se por um lado, a CMS nunca teve nenhuma situação de burnout, a Kennedys garante que ao longo dos anos foi confrontada pontualmente com um ou outro caso “mais delicado”, sendo que todos eles foram ultrapassados.
A nova doença considerada pela OMS é caracterizada por vários sintomas: afetivos, como a irritabilidade, tristeza, apatia, perda de controlo emocional e mágoa; cognitivos, como dificuldade de atenção, memória, tomada de decisão e produtividade, diminuição da autoconfiança e autoestima; físicos, como fadiga, alterações do apetite e do sono, fragilidade do sistema imunitário, dores de cabeça e músculo-esqueléticas; e comportamentais, como distanciamento ou isolamento social, consumo de substâncias, comportamento agressivo, menor empenho e eficácia profissional.
“A síndrome de burnout tem sido estudada ao longo dos anos, identificando-se vários fatores que contribuem para o seu desenvolvimento, que incluem características dos indivíduos, características dos empregadores, práticas de supervisão, estruturas organizacionais (sociais e físicas), programas de formação profissional, processos políticos e normas culturais”, explica Teresa Espassandim.
Segundo a psicóloga, os fatores mais comuns estão relacionados com as características das organizações, do trabalho e práticas de supervisão e as reações psicológicas e comportamentais dos colaboradores. “As expectativas não atendidas do trabalho, no geral, e aspetos específicos das experiências profissionais dos trabalhadores/colaboradores estão associadas ao burnout”, assegura.
Tanto Susana Afonso como Paulo Almeida, garantem que todos os setores são suscetíveis de uma situação de burnout. “Qualquer setor de atividade cuja prática esteja sujeita a um nível de stress muito elevado, é propício a este tipo de situações”, refere o sócio da Kennedys.
Prevenir é o melhor remédio
A prevenção é meio caminho andado para evitar casos de burnout. “Investindo-se na construção de um local de trabalho saudável, ou seja, avaliando-se e gerindo os riscos psicossociais (ex: carga de trabalho, autonomia e controlo de tarefas, horário e pausas, definição de papéis e funções,…), implementando programas custo-eficazes de intervenção na saúde psicológica, de programas de gestão do stress e de técnicas de relaxamento, de desenvolvimento de lideranças e de competências de comunicação na organização”, explica Teresa Espassandim.
A saúde, bem-estar e qualidade de vida no trabalho são uma preocupação da CMS e da Kennedys. “São eles que fazem a sociedade. São os nossos profissionais que todos os dias nos representam e dão o melhor de si e isso não passa despercebido. É nosso dever zelar e garantir o seu bem-estar”, refere Susana Afonso.
São eles que fazem a sociedade. São os nossos profissionais que todos os dias nos representam e dão o melhor de si e isso não passa despercebido. É nosso dever zelar e garantir o seu bem-estar.
De forma a promover um ambiente de trabalho saudável e equilibrado, a CMS vai “colecionando” várias ferramentas e políticas. “Defendemos ao máximo a flexibilidade ao nível da gestão de trabalho. Quer isto dizer, conseguimos assim providenciar e promover uma gestão da vida pessoal muito mais verdadeira, quer seja na saída/dispensa para a realização de responsabilidades pessoais, quer seja para situações de um apoio mais profundo a familiares doentes”, enuncia a sócia.
A sociedade pugna ainda por administrar formações aos trabalhadores, apostam em planos de carreira estruturados e adaptados, ajustam e aliviam a carga horária e ainda implementam várias regras de encontro com a sustentabilidade. De forma a apostar num ambiente saudável, a CMS realiza sessões de teambuilding, festejam pequenas e grandes conquistas e celebram épocas festivas. A atividade física é outra das preocupações da sociedade, incentivando “encontros desportivos”.
“À semelhança de outras organizações também disponibilizamos um conjunto de benefícios, como o seguro de saúde, estacionamento, telemóvel, portátil, copas equipadas para refeições, cartão refeição, fruta, café e chá”, acrescenta Susana Afonso.
Já na Kennedys, a saúde física e mental dos colaboradores detém bastante atenção pela sociedade. “Sempre que nos é solicitado, e de acordo com cada caso específico, disponibilizamos todo o apoio necessário. No entanto, compete a cada colaborador pedir ajuda”, refere Paulo Almeida.
O work life balance é também uma preocupação da sociedade, que ao longo dos anos tem vindo a “implementar um conjunto de medidas que têm como objetivo proporcionar um ambiente de trabalho saudável e equilibrado”.
Apesar da prevenção, os especialistas garantem à Advocatus que a recuperação de uma síndrome de burnout é “complexa” e pode levar meses.
“[A recuperação] envolve diferentes dimensões: melhoria das condições e ambiente de trabalho, sendo que em circunstâncias mais graves pode implicar um eventual afastamento do trabalho por baixa médica até ao restabelecimento do equilíbrio emocional e físico do trabalhador/colaborador; intervenção psicológica que pode ser através de psicoterapia, ajudando os indivíduos a desenvolverem estratégias de coping, a melhor identificarem fatores agressores no trabalho e também a re-significarem as suas experiências e a perceberem melhor e respeitarem os seus limites”, explica Teresa Espassandim.
Team 24: uma linha de apoio
A Team 24, linha de apoio telefónico para colaboradores, é um serviço contratado por uma empresa, durante um ano, renovável, e tem um custo médio anual de 20 euros por pessoa.
Quem recorrer a este serviço, possui um número de telefone, com atendimento disponível entre as 9 horas e as 20 horas, em dias úteis. Por parte da Team 24 está um terapeuta ou psicólogo que auxiliam o colaborador.
“A saúde mental continua a ser um estigma, continua a ser pouco valorizada pelos CEO’s e diretores de RH, continuando a preferirem outro tipo de medidas e estímulos para motivar os colaboradores e proporcionar um clima de felicidade organizacional”, diz Ana Ruivo, gestora da Team 24.
A saúde mental continua a ser um estigma, continua a ser pouco valorizada pelos CEO’s e diretores de RH.
Com apenas três anos, segundo Ana Ruivo, o projeto não correu como o expectável. “Os dados epidemiológicos nacionais, no que concerne à saúde mental e a minha experiência enquanto gestora na Clínica da Mente, dizia que iria haver um grande número de solicitações, quer por parte da entidade patronal quer por parte dos colaboradores. Tal facto não se constatou”, afirma.
A pouco afluência ao serviço é justificado pela gestora devido à má forma como a mensagem é transmitida para os colaboradores. “Talvez porque têm medo das represálias da entidade patronal ou mesmo do julgamento dos colegas, apesar do serviço ser confidencial e anónimo”, nota Ana Ruivo.
A gestora explicou à Advocatus que até ao momento não receberam nenhuma solicitação de serviço por parte de empresas jurídicas.
A sociedade Kennedys possui apoio técnico especializado inerentes ao mau estar psicológico. “No âmbito do nosso “EMPLOYEE ASSISTANCE PROGRAMME (EAP)” prestamos todo o apoio (quer a nível prático, quer a nível emocional), sempre que nos é solicitado, nas mais diversas situações”, explica Paulo Almeida. Este programa de aconselhamento telefónico e presencial é gratuito, está disponível 24 horas por dia, 365 dias por ano e engloba todos os colaboradores e o seu agregado familiar mais próximo.
“É importante que estejamos cientes que o número de colaboradores que sofrem de doenças causadas pelo trabalho tende a aumentar e que Programas como este podem fazer a diferença, não só para o colaborador, como para a sua família”, nota o sócio.
Por outro lado, a CMS defende uma “política de porta aberta”, ou seja, todos os trabalhadores podem sugerir novas medidas, para expor “necessidades, desafios, insatisfações e inquietações”.
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Burnout: estarão os advogados sob pressão?
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