Stress, burnout e frustração podem ser efeitos negativos do trabalho remoto. Esta semana, o teletrabalho volta a ser obrigatório e quem gere pode ajudar a proteger a saúde mental dos trabalhadores.
Desde março, milhares de portugueses transferiram o escritório para as suas casas para evitar a propagação do novo coronavírus. Os estudos que se seguiram têm provado que o impacto do teletrabalho na saúde mental é real, e que obriga a uma atenção redobrada para quem está em situação de teletrabalho e a maiores responsabilidades por parte de quem gere.
Depois de ser decretado pela primeira vez a 22 de março, o teletrabalho voltou a ser obrigatório a partir de 4 de novembro, para todas as funções que assim o permitam.
O impacto do regresso ao regime de teletrabalho na saúde mental, mais de sete meses depois do início da pandemia, é real, e deve ser objeto de ação, defendem os especialistas.
Mais de metade dos portugueses com saúde mental em risco no trabalho
Apesar de a pandemia ameaçar empregos, 10% dos trabalhadores considera-a um fator de risco para a sua saúde mental. Mais de metade dos trabalhadores portugueses (54%) estão expostos a riscos para a saúde mental no local de trabalho, um aumento de 17,2 pontos percentuais desde o último estudo sobre o tema realizado em 2013, revelam os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados esta quarta-feira.
A forte pressão de prazos, a sobrecarga de trabalho e o contacto com pessoas problemáticas, como clientes, pacientes, alunos, cidadãos, são os problemas que afetam mais portugueses e constituem por si só um risco para a saúde mental.
Com menos expressão, destaca-se ainda a insegurança no emprego, a falta de comunicação ou de cooperação interna na organização, a violência ou ameaça de violência no trabalho e, ainda,a falta de autonomia. De acordo com o INE, as mulheres são ligeiramente mais expostas a estes riscos (54,8%) do que os homens (53,3%), com maior destaque para a faixa etária entre os 35 aos 54 anos.
Teletrabalho pode agravar sintomas já existentes
Stress ocupacional, burnout, ansiedade, angústia, e sensações de raiva, frustração são alguns dos efeitos mais comuns que podem ser agravados com o regresso ao teletrabalho. Dependendo dos recursos de cada trabalhador, o trabalho a partir de casa poderá revelar-se uma experiência positiva ou negativa.
“É como se fosse uma regressão. Ao estarmos em teletrabalho estamos a trazer outra vez o medo. Há um sentimento de alerta”, começa por destacar Hilami Bachu, psicóloga clínica, em conversa com a Pessoas. Voltar ao teletrabalho terá mais impacto agora do que antes, defende Himali, principalmente para quem já tem sintomas associados a angústia e tristeza.
A possibilidade de regressar ao teletrabalho de forma integral pode desencadear reações emocionais como zanga, frustração e apatia e menor motivação para o trabalho.
“O comprometimento do bem-estar e da saúde mental em tempos de confinamento não significa necessariamente que se venha a desenvolver uma doença mental, mas sem dúvida que aumenta o seu risco”, começa por referir Beatriz Lourenço, médica psiquiatra, que revela que as mulheres, os jovens e as pessoas com doença mental prévia são os grupos mais vulneráveis.
A “fadiga” da pandemia
De acordo com o Mental Health at Work Report, publicado em 2017, três em cada cinco colaboradores experienciaram problemas de saúde psicológica no ano anterior devido ao trabalho. Quase um terço, 31%, foi diagnosticado com um problema de saúde psicológica, sendo a depressão e a ansiedade os diagnósticos mais comuns.
“Só podemos antecipar, uma vez que ainda não estão disponíveis dados da investigação científica mais recente, que a situação de pandemia tenha exacerbado estes problemas”, começa por explicar à Pessoas Teresa Espassandim, psicóloga e membro da direção da Ordem dos Psicólogo Portugueses.
Não “ter fim à vista” pode provocar cansaço e um sentimento de sobrecarga já denominada “fadiga da pandemia”, destaca Teresa Espassandim.
“Para os trabalhadores, a possibilidade de regressar ao teletrabalho de forma integral após terem vivenciado o desconfinamento e, com ele, a retoma de alguma normalidade no quotidiano — ainda que nesta situação de pandemia —, pode desencadear reações emocionais como zanga, frustração e apatia e menor motivação para o trabalho“, alerta a especialista.
Criar rotinas, tal como se estivesse no escritório
Em teletrabalho há uma maior tendência de trabalhar mais horas, por isso as especialistas defendem que é fundamental manter as rotinas, tal como se nunca tivesse saído do escritório. Criar rotinas, hábitos saudáveis, praticar exercício físico regular, e fazer pausas e intervalos durante o dia são algumas das estratégias para manter a sanidade mental.
“Se aceitávamos quatro reuniões, vamos continuar com quatro reuniões. Se saímos do trabalho às seis da tarde, então fechamos o computador às seis da tarde. Não é por estarmos em casa que vamos estar sempre online”, destaca Himalu Bachu.
“A dificuldade em manter horários definidos (de trabalho e não-trabalho) ao longo do dia e a necessidade de recorrer ao multitasking, trabalhando e cuidando dos filhos ao mesmo tempo, por exemplo, podem, por si só, aumentar os níveis de cansaço, irritabilidade e ansiedade“, acrescenta a médica psiquiatra Beatriz Lourenço, vice-presidente da associação sem fins lucrativos ManifestaMente e coordenadora do kit básico de saúde mental, um curso online gratuito sobre saúde mental lançado a 10 de março. Em menos de um mês, o curso já contabilizou mais de 6.000 registos.
“Compreender a importância da saúde mental e torná-la uma prioridade é sem dúvida uma boa estratégia“, reitera a responsável.
Apoio das chefias pode ajudar a proteger a saúde mental
A saúde pode sofrer com o excesso de carga de trabalho, sobretudo se for agravado pelo teletrabalho e por uma cultura laboral always-on. Em resposta aos riscos reais de problemas de saúde mental dos trabalhadores, as chefias podem ter um papel fundamental, ao promover um ambiente de trabalho saudável, a comunicação, a confiança e sensibilizar para a importância da saúde mental.
“A possibilidade de tomar decisões, a aceitação da perspetiva do outro e um feedback não controlador ou manipulatório por parte dos líderes e gestores são essenciais para que exista motivação intrínseca por parte dos trabalhadores. Assim, promover a autonomia e ter comportamentos de liderança apoiante, disponibilizando os meios para que os trabalhadores se sintam competentes e estimulando as relações sociais e interpessoais no trabalho, através de comunicação próxima, contribui para o engagement e o bem-estar psicológico“, refere Teresa Espassandim.
A psicóloga Himali Bachu defende ainda que devem ser as próprias chefias a promover o cumprimento dos horários e, ainda, a criar a possibilidade de os trabalhadores terem à disposição apoio psicológico e sessões de sensibilização sobre o tema da saúde mental.
Em último caso, apostar na saúde mental vai permitir ter trabalhadores mais motivados, reduzindo diretamente o absentismo e aumentando a produtividade.
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De volta ao teletrabalho? Como manter a saúde mental e evitar a “fadiga de pandemia”
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