Eles pensam em voltar para Portugal mas são precisos melhores salários, mais oportunidades. Estes seis jovens lá fora não voltariam apenas pelo desconto de 50% nos impostos, mas ajuda.
“Temos meia dúzia de planos ainda hipotéticos sobre como vamos voltar a Portugal”, explica António, engenheiro, que vive em Copenhaga com a mulher, Paula, responsável de regulação de dispositivos médicos. “Só que ainda não apareceram as condições para executar qualquer um desses planos. Neste momento, também, não temos pressa”.
António Filipe de Sousa e Paula Antunes são o tipo de emigrante de que o primeiro-ministro fala quando se refere à fuga de cérebros que ocorreu durante o pico da crise — ambos altamente qualificados e a trabalhar em campos especializados, que procuraram oportunidades em Copenhaga, Dinamarca, quando a situação em Portugal se tornou menos favorável.
Em 2016, a Comissão Europeia referia no seu relatório Monitor da Educação e Formação (a hiperligação abre em PDF) que entre 2001 e 2011 a proporção de portugueses com pelo menos o Ensino Superior a sair do país aumentou 87,5%, e mais 40 mil saíram do país entre 2012 e 2014. “As principais razões para emigrar são a baixa taxa de emprego em Portugal durante a crise económica, os baixos salários no país, poucas oportunidades para usar as suas capacidades no mercado de trabalho nacional e poucas perspetivas de avanço na carreira”, lê-se nesse relatório, que refere ainda: “Quase 20% dos emigrantes altamente qualificados portugueses estimam que o seu tempo no estrangeiro vai durar entre seis e dez anos, e 43% assumem que durará mais de dez anos”.
Emigração atingiu um pico nos anos da crise
António Costa quer agora dar “incentivos fortes” para que estes emigrantes — e também outros que não entrem necessariamente no quadro dos jovens altamente qualificados — queiram regressar a Portugal. Entre esses incentivos estará o desconto de 50% no IRS durante os primeiros anos do regresso, assim como a possibilidade de descontar nos impostos o custo do regresso e instalação em Portugal.
Para Ana Freitas, designer em Barcelona, a iniciativa é positiva mas não lhe faria uma diferença significativa. A designer procurava oportunidades profissionais mas também “novas aventuras pessoais” e, embora reconheça que pensa frequentemente em voltar para Portugal, há problemas profundos que a desmotivam. “O principal problema é o valor que a sociedade dá aos artistas e a remuneração dos mesmos”, afirma Ana ao ECO. “Uma redução de 50% no IRS e uma e outra ajuda não iria mudar isso.”
Para esta profissional, a iniciativa em causa serve mais como uma demonstração de que o país a quer de volta. “É significativo que se comecem a preocupar com a geração de jovens que saíram do país e que tentem mudar alguma coisa”, explica. “O que não é apelativo em Portugal é o custo de vida e o valor médio dos salários. Quando penso em voltar não penso nos 50% do IRS, penso na outra parte da balança que não são os impostos. Porque impostos todos pagamos”.
Ana Freitas não está sozinha. Richard Brito, investigador em Berlim, também espera que algo mais mude em Portugal antes de pensar voltar. Richard é doutorado em Física, doutoramento que concluiu em Portugal, mas depois rumou a Berlim, para fazer investigação na área. “As posições em Portugal na minha área são escassas”, afirmou, reconhecendo ainda que um currículo internacional lhe dava mais possibilidades de avanço na carreira, seja em Portugal, seja no estrangeiro. “Gostaria de eventualmente voltar para Portugal”, afirma, mas o entrave é a carreira precária do investigador. “Neste momento da minha carreira a única possibilidade de fazer carreira em investigação académica em Portugal é candidatar-me a posições de pós-doutoramento, que são sempre com contratos a termo, sem possibilidade de renovar na maioria dos casos, por isso, sem nenhuma garantia de continuar no mesmo sítio depois do fim do contrato”.
"Neste momento da minha carreira a única possibilidade de fazer carreira em investigação académica em Portugal é candidatar-me a posições de pós-doutoramento, que são sempre com contratos a termo sem possibilidade de renovar na maioria dos casos, por isso sem nenhuma garantia de continuar no mesmo sítio depois do fim do contrato.”
E o desconto no IRS? “Em termos de trabalho em investigação o problema é a falta de oferta de emprego e garantia de trabalho a longo prazo e não os salários ou rendimentos”, afirmou, salários esses que, mesmo fora da investigação, não são tão atrativos: “Mesmo se decidir desistir da investigação académica e encontrar emprego no privado, em geral os salários em Portugal, mesmo com um desconto de 50% no IRS, não são competitivos quando comparados com a maioria dos países da Europa Central e dos países nórdicos. Por isso, de momento, não vejo esta proposta como muito apelativa”.
António e Paula, em Copenhaga, veem a proposta com bons olhos, mas têm outras preocupações. O desconto no IRS seria vantajoso, mas António pergunta-se sobre os detalhes que ainda não são conhecidos, incluindo o número de pessoas que poderão procurar aderir, e se o nível dos benefícios se manterá mesmo que haja mais pessoas a procurá-los do que o esperado. E ainda acrescenta: “A economia atual consegue suportar tal oferta?”
Há outras desvantagens do mercado de trabalho português, além das poucas oportunidades para António na área da engenharia de processo “aplicada à indústria alimentar ou farmacêutica”. Em Copenhaga, não é só o vencimento que é melhor. “Identificamo-nos com a maneira como a sociedade dinamarquesa está organizada: corrupção mínima, serviço de saúde super organizado e prestável, sistema de educação acessível a todos, cultura de trabalho mais horizontal”. António sublinha este último aspeto: “A cultura empresarial portuguesa é ainda pouco virada para a valorização do empregado e, regra geral, não permite que exista um equilíbrio entre a vida e o trabalho que seja capaz de me atrair”, afirma. E acrescenta: “Também já não estou habituado às cordialidades excessivas no local de trabalho”.
Carolina Fidalgo, professora de línguas, passou por vários países antes de ir parar à cidade chinesa de Harbin. “Emigrei pela experiência profissional e não tendo em vista estabelecer-me fora permanentemente”, afirma. “Desde o início que sabia que eventualmente regressaria a Portugal, embora com a flexibilidade de considerar voltar a emigrar se as coisas não corressem bem”.
O incentivo fiscal, afirma, pode ser benéfico, mas não acredita que seja um fator decisivo: pode antes ajudar aqueles que já estavam a pensar regressar. Voltar a Portugal tem outras desvantagens: “É mais assustador do que a partida pela falta de garantias de que as coisas venham a ser diferentes da segunda vez. No que me diz respeito, voltarei com ou sem estas medidas, porque estou disposta a aceitar o risco”.
André Costa partiu para a Polónia, instalando-se em Rzeszow, tendo principalmente em vista uma melhoria financeira. A trabalhar como support specialist em três línguas, encontrou uma vida mais confortável. “O meu salário aqui não é muito mais alto que o que teria em Portugal, a diferença reside no facto de que tudo é pelo menos a metade do preço” do que no país de origem. Além do custo de vida, também o preço da habitação é muito diferente. “Pelo preço pelo qual pagava o meu quarto em Lisboa arrendo um apartamento novo, equipado e com dois quartos”.
Descontos nos impostos, “sendo uma boa medida”, não serão suficientes sem um aumento do emprego e dos salários, acrescenta. Aliás, para André, o regresso não está iminente. “Para já apenas penso voltar a Portugal de férias”.
Entretanto, António e Paula continuam a planear o regresso, para um dia. Mas António afirma que não é a iniciativa dos impostos que o vai fazer dar este passo. “Estou mais focado em seguir o mercado e em manter-me alerta e visível para, assim que a oportunidade certa aparecer, não a desperdiçar”.
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Estes emigrantes querem mais do que borla no IRS para regressar
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