Saltar de projeto em projeto, viajar enquanto trabalha e conseguir uma fonte de rendimento adicional enquanto se desenvolve uma paixão. Estas são algumas vantagens dos modelos menos convencionais.
“O que faço é ir resolver problemas web e vir embora”. De projeto em projeto, Diogo Cunha, programador em regime de contracting, está sempre de passagem nas empresas. Mas, é precisamente o facto de não estar particularmente vinculado a nenhuma delas que lhe oferece uma liberdade da qual já não abdica.
Também Inês Garoupa, assistente virtual freelancer, vê no seu regime laboral atual uma enorme vantagem: uma maior flexibilidade daquela que, provavelmente, teria, se estivesse vinculada a uma empresa através de um contrato laboral sem termo e com regime de exclusividade. Pelo contrário, a assistente virtual freelancer pode trabalhar com várias empresas ao mesmo tempo e nos horários que ela própria estabelece.
O freelancing e o contracting fazem já parte das novas formas de trabalho e têm cada vez mais adeptos. Nos últimos anos, a gig economy, conceito atribuído ao segmento dos profissionais liberais, tem vindo a crescer a um ritmo acelerado. Nos Estados Unidos, estima-se que, já em 2023, os profissionais liberais sejam mais de metade do total de trabalhadores no mercado. De acordo com a Forbes, em 2020, os trabalhadores na gig economy representavam cerca de 35% da força de trabalho, valor que contrasta com os entre 14% a 20%, em 2014.
A tendência no mercado de trabalho significa que horários fixos das 9 às 6, idas ao escritório de segunda a sexta-feira, regimes de exclusividade e contratos sem termo começam a ser pouco atrativos, sobretudo quando comparados com outros exemplos de flexibilidade, trabalho remoto, possibilidade de trabalhar para várias empresas ou integrar distintos projetos, rendimentos (em muitos casos) mais elevados e maior número de experiências no currículo.
E, mesmo para quem tem um trabalho nos termos mais convencionais, começar um side hustle, ou uma ocupação paralela, pode revelar-se bastante vantajoso, não só em termos económicos como também no que toca a desenvolver novas competências que poderão, no futuro, abrir outras portas.
Diogo Cunha, programador, contractor
Primeiro emprego: uma bolsa numa instituição de desenvolvimento ligada ao Técnico, onde estudou. Terminado o curso de engenharia, Diogo Cunha, 33 anos, começou a trabalhar em projetos de IT para a Administração Pública. “Estive lá pouco tempo”, conta à Pessoas, porque, meses depois, tomou a decisão de começar a trabalhar como freelancer. “Procurava alguma independência e autonomia em relação ao trabalho, lidar com os clientes. Sentia que a recompensa para o trabalho que se fazia não era suficiente”.
Os primeiros tempos não foram fáceis, confessa, e só graças à rede de contactos de gente ligada aos núcleos de empreendedorismo, onde já se movia, conseguiu arranjar os primeiros clientes que lhe garantiam o pagamento das contas mensais, mas pouco mais. Foi desse desafio que Diogo começou a desenhar a solução: meses depois recebeu uma proposta para se mudar para a Irlanda e trabalhar numa empresa como contractor. Foi das primeiras vezes que ouviu falar do termo.
“O projeto encaixava-se bem no que fazia e as rates… o pagamento era muito diferente do que se ganhava cá. Aquela empresa queria um contractor para estar ali a trabalhar uns meses e, se as coisas corressem bem, talvez para ficar”, recorda sobre aquilo a que se chama “contract for hire”.
Na Irlanda ficou alguns meses mas, apesar de o projeto ser interessante, Diogo quis voltar a casa. De Lisboa, trabalhou para a mesma empresa alguns meses; só que a pouco desenvolvida cultura remota da organização – Diogo era o único que trabalhava fora do escritório – fez com que o português procurasse outras alternativas. Meses mais tarde, mudou-se para Berlim depois de uma proposta de trabalho para trabalhar – outra vez – como contractor. “Estava à procura de estar sem vínculo com uma empresa”, conta o especialista em frontend. “O que faço é ir resolver problemas web e vir embora”, simplifica.
Outras oportunidades surgiram – trabalhar na digitalização dos projetos do grupo editorial internacional Condé Nast – foi a cereja no topo do bolo. Ou melhor, a segunda cereja porque a primeira foi essa experiência de cinco anos ter-lhe permitido fazer o que gosta sem sair de Portugal, e continuar perto da família e dos amigos.
"Gosto da ideia de poder saltar de projeto em projeto sem estar particularmente vinculado: resolver e ir embora, acaba por ser a forma como me vendo ou vendo o meu trabalho.”
“Gosto da ideia de poder saltar de projeto em projeto sem estar particularmente vinculado: resolver e ir embora, acaba por ser a forma como me vendo ou vendo o meu trabalho”, explica Diogo. Sobre as vantagens deste regime laboral, o programador sublinha a “liberdade”, ainda que sem proteção social. “Regra geral, as empresas pagam mais porque acabam por gastar menos com trabalhadores sem vínculo, o que significa que o trabalhador tem a liberdade de gerir o seu dinheiro”, assinala, em conversa com a Pessoas, acrescentando: “Percebo que é importante haver rede de proteção social, mas também acho que é importante as pessoas saberem onde guardar as suas poupanças. Ser contractor dá-me a liberdade financeira de trabalhar com quem quero, como quero e de gerir o meu dinheiro”.
Inês Garoupa, assistente virtual, freelancer
Inês Garoupa trabalha como freelancer desde 2017. Foi nesse ano, altura em que estava nos Estados Unidos da América a trabalhar como au pair, que começou a aperceber-se que este regime de trabalho era o que lhe permitiria conciliar com as suas responsabilidades na família americana que a acolheu através do programa de mobilidade internacional.
“Nos Estados Unidos, ser freelancer já era algo muito natural na altura, não era novidade nenhuma”, conta. “Comecei a pesquisar mais, a ver que possibilidades tinha e encontrei a plataforma de freelancers Upwork, onde é possível encontrar freelancers para qualquer tipo de trabalho. Daí até registar o meu perfil na plataforma e começarem a surgir-me propostas foi um instante”, continua.
Trabalhando a partir de casa, em projetos de curta duração, Inês Garoupa conseguia continuar a preparar as refeições das crianças, levá-las à escola e ajudá-las com os trabalhos de casa (que são algumas das responsabilidades de uma au pair) e, ao mesmo tempo, trabalhar como assistente virtual para empresas de todo o mundo. “Normalmente, aproveitava o tempo em que as crianças estavam na escola, em atividades extracurriculares ou à noite, depois de irem dormir, para abrir o computador e começar a trabalhar”, recorda.
Um ano depois, o programa de mobilidade internacional terminou e Inês Garoupa decidiu regressar a Portugal, onde continuou a trabalhar no mesmo regime, embora com uma carteira de clientes cada vez maior. Dar apoio a um CEO ou empreendedor, gerir redes sociais ou enviar emails são algumas das tarefas que desempenha como assistente virtual. E considera estar no “sítio certo”.
“Como virtual assistant, é talvez 90% mais fácil conseguir trabalhos no regime de freelancing. O cliente está à procura de uma pessoa que o ajude durante um determinado número de horas semanais e, na maioria das vezes, não justifica fazer um contrato a full time. E esta relação acaba por ser vantajosa para ambas as partes. A empresa, precisando de um profissional para projetos mais curtos, acaba por reduzir os custos da contratação e eu, enquanto profissional, consigo estar em mais projetos ao mesmo tempo e adquirir diversas experiências”, diz.
“Há empresas que precisam de mim por apenas um dia, para projetos muito curtos e com funções muito específicas que se cumprem em apenas algumas horas, outras que precisam de alguém que lhes dê apoio num projeto que pode durar alguns meses”
Em apenas quatro anos, Inês Garoupa já acumula no seu currículo quase 40 empresas com as quais colaborou em regime de freelancing. “Neste momento estou a trabalhar para cinco empresas e os negócios são muito diferentes. Uma delas é uma empresa de wedding planner e outra trabalha no setor de IT”, afirma. Já a duração dos projetos varia consoante a empresa e as funções a desempenhar. “Há empresas que precisam de mim por apenas um dia, para projetos muito curtos e com funções muito específicas que se cumprem em apenas algumas horas, outras que precisam de alguém que lhes dê apoio num projeto que pode durar alguns meses”, explica.
Além da flexibilidade, das diferentes experiências profissionais e do desenvolvimento de novas competências, a possibilidade de ser nómada digital é, para Inês Garoupa, uma das grandes vantagens do freelancing. “Adoro viajar e confesso que esta foi uma das razões que me levaram a este regime de trabalho. O facto de poder trabalhar enquanto estou a viajar é incrível. No ano passado, mesmo antes do início da pandemia, fiz uma viagem de um mês pela Inglaterra, Dinamarca e Estocolmo e, sem qualquer adversidade, continuei a trabalhar normalmente, ainda que noutros horários porque estava, ao mesmo tempo, a visitar as cidades”, conta.
Ser dono do seu próprio tempo e estabelecer horários permite, por um lado, este tipo de experiências, mas também é um grande desafio. Aliás, para a virtual assistant é mesmo o maior desafio do freelancing, uma vez que, para garantir a produtividade, são precisas “muita disciplina e organização”. Por outro lado, a burocracia e a falta de proteção social são as maiores desvantagens que Inês Garoupa encontra ao longo do seu caminho profissional.
No futuro, apesar de não rejeitar de antemão a possibilidade de trabalhar a full time como trabalhadora dependente e com um vínculo com a empresa, a freelancer confessa também que, por enquanto, nenhuma das propostas que recebeu foi realmente vantajosa. “Não é que não existam oportunidades de ter um trabalho a full time, porque existem. No entanto, o que sinto é que essas oportunidades não são tão vantajosas quando comparadas com continuar a trabalhar como freelancer. Acaba por compensar o freelancing, quer em termos de flexibilidade, quer monetariamente”, remata.
Graça e Paula: Das 9h às 18h no escritório, às noites e aos fins de semana a montar uma loja de cosmética natural
Graça Fonseca e Paula Nabais são mãe e filha. Cada uma tem o seu emprego a tempo inteiro, de segunda a sexta-feira, como administrativa e cientista do património, respetivamente. Já as noites e os fins de semana são dedicados à cosmética, com as mãos na massa, de volta de óleos vegetais, ervas e até especiarias. A cosmética natural começou por ser um interesse pessoal, passou a um hóbi e, agora, é algo mais sério, um projeto paralelo capaz de gerar uma segunda fonte de rendimento para cada uma.
“Começámos a ler sobre os benefícios das plantas e o nosso interesse por este tema levou-nos a fazer um curso na Fundação Oriente de cosmética natural e plantas. Depois do curso, quisemos experimentar e a verdade é que as pessoas à nossa volta gostaram tanto dos primeiros sabonetes que decidimos expandir um pouco e criar uma marca”, conta Paula Nabais, cientista do património e cofundadora da Tailored, à Pessoas. Assim surgiu a Tailored e, quanto mais dedicação, mais crescia o leque de produtos e o número de clientes. Rapidamente surgiu a necessidade de criar uma página de Instagram, bem como um site para a marca.
"Começámos a ler sobre os benefícios das plantas e o nosso interesse por este tema levou-nos a fazer um curso na Fundação Oriente de cosmética natural e plantas. Depois do curso, quisemos experimentar e a verdade é que as pessoas à nossa volta gostaram tanto dos primeiros sabonetes que decidimos expandir um pouco e criar uma marca.”
De acordo com a Henley Business School, cada vez é mais evidente o espírito empreendedor, com a criação de side hustles a aumentar consideravelmente. No Reino Unido, uma em cada quatro pessoas está a desenvolver um projeto de negócio para além do seu trabalho. E nos Estados Unidos da América, já quase 40% dos trabalhadores têm um side hustle. De facto, ter uma atividade paralela à ocupação profissional principal acaba por ser vantajoso, não só por uma questão de rendimentos, mas também por uma questão de foco, organização e satisfação pessoal. “Temos gosto no que fazemos e é sem dúvida um escape do stress do dia-a-dia”, afirma Paula Nabais.
Ser mais resiliente à mudança, bem como adquirir novas competências, quer a nível profissional, quer pessoal, são, também, outras vantagens. De acordo com a publicação Fast Company, um trabalhador que tenha um projeto paralelo à sua ocupação principal, onde desenvolva as suas competências, ganha 44% mais em termos salariais na transição para um novo trabalhador, ou seja, cerca do dobro do que acontece com um trabalhador que tenha só um emprego.
Se algum dia houver necessidade, Graça e Paula sabem que podem sempre contar com este plano B. No entanto, para já, preferem mantê-lo como sidehustle e continuar os seus trabalhos a tempo inteiro no escritório e no laboratório.
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Freelancing, contracting e side hustles. O dicionário das novas formas de trabalho
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