Ironhack: dd tc*? Ou como aprender a programar

Fundada em 2013, escola de programação espanhola tem captado a atenção, tanto de alunos privados como de empresas que, cada vez mais, procuram cursos de programação para formar os seus trabalhadores.

É o novo must. Formar ou re-formar trabalhadores, ensinando-lhes código ou programação, é uma das tendências a nível mundial. Em Lisboa, um dos players tem sotaque espanhol e pegada no mundo inteiro: está já em Madrid, Barcelona, Miami, Paris, Amesterdão e São Paulo.

A ideia de fundar a Ironhack surgiu no final de 2013, quando ambos os fundadores procuravam um problema que os motivasse e que tinha de ter algo de paixão, “porque passas anos a tentar resolvê-lo”. “Começou porque li um artigo no TechCrunch que falava da comunidade europeia e de uma estatística referindo que havia vagas para 700 mil lugares em IT e que estes lugares cresciam numa escala de 100 mil a cada ano. Era uma falta muito concreta, havia centenas de milhares de vagas que não podiam preencher-se, ao mesmo tempo que havia, em 2013, havia uma enorme taxa de desemprego que, no sul da Europa, era quase estrutural”, conta Gonzalo Manrique, cofundador da Ironhack, em entrevista à Pessoas.

Gonzalo e Ariel Quinones começaram por procurar saber se o estudo tinha fundamento para depois pensarem como poderiam ajudar a resolver o problema. No mesmo ano, em Madrid, arrancaram com o curso de estreia. “Nos Estados Unidos estes temas eram um pouco mais comuns mas, no resto do mundo, não. E há cinco anos as startups também não eram tão cool. A cultura evoluiu muito”, explica Gonzalo.

Entre os primeiros passos, conta Ariel, cofundador, esteve também averiguar quais as necessidades das empresas para que a organização pudesse ajudar a resolver os seus maiores desafios. “O que fizemos primeiro não foi procurar as tendências ou os jovens. No fim do dia, formamos muitos estudantes mas desde o dia 1 que tivemos foco muito próximo das empresas”, conta Ariel.

"Agora as pessoas informam-se muito bem sobre o curso, todos os riscos e oportunidades, e de que retornos há.”

Gonzalo Manrique

Cofundador da Ironhack

Além dos cursos de programação, a Ironhack assumiu, por isso, o papel de evangelizadora. “Tivemos de educar, tanto as empresas como os estudantes, porque havia que explicar o que é uma startup, o que é ser programador, que tipo de tecnologia se usa, como é o dia-a-dia. As pessoas não sabiam que uma app como é, por exemplo, a da Cabify, exigia tanta manutenção e era algo vivo. Entender que havia centenas de pessoas em Madrid, em Barcelona ou em Lisboa, a fazer manutenção, era algo que as pessoas desconheciam. Assim como do ponto de vista das empresas, que deixaram de requerer o título oficial de engenheiro para contratar”, diz Gonzalo, exemplificando com casos como a Deloitte, Accenture ou Indra. A mudança é tal que algumas empresas, que antes asseguravam tarefas com serviços subcontratados, passam agora a assumir a tecnologia como core da inovação. E isso inclui contratar também a partir da escola de programação.

Por isso, o approach ao mercado foi começar com “clientes particulares, trabalhar marca, colocar alunos nessas empresas e, por meio dessas relações, entender e escutar necessidades que tenham”. O tempo tratou de fazer pivoting o modelo de negócio. “B2B tornou-se mais importante e antecipo uma altura de 50% do modelo, algo que complementa muito bem com o que fazemos agora”, sublinha Ariel.

Um desses casos foi uma retalhista alemã que, antecipando o encerramento de várias lojas físicas e o investimento numa plataforma online, apostou em formar colaboradores de outros departamentos para que pudessem converter-se em programadores. “Criaram uma iniciativa interna para 30 pessoas com a intenção de fazê-las desempenhar um novo papel dentro da empresa”, esclarece a Ariel.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades?

Se, no início, a maioria dos alunos da Ironhack eram pessoas que procuravam uma mudança de carreira, ao longo dos últimos anos o cenário mudou. “Passámos de gente menos risk adverse, e agora as pessoas informam-se muito bem sobre o curso, todos os riscos e oportunidades, e de que retornos há. Por isso cada vez nos exige mais, cada vez investimos mais em programa, currículo e professores”, assinala Gonzalo. A escala que a empresa tem ganho tem, por isso, ajudado a estrutura a adaptar-se a estas novas necessidades. “Ter mais alunos dá-nos maior capacidade de construir equipa, de investir em temas, professores, equipas. As cidades onde estamos são maiores também. Tem a ver com conseguir diferenciar-nos porque investimos tudo a melhorar. Temos de estar atentos, equilibrar a qualidade com o que é a escala”.

Outra das realidades é que os cursos de programação se tornaram uma espécie de “novos MBA”. Gonzalo acredita que, em breve, uma grande parte dos alunos da Ironhack serão pessoas que, não se identificando com as saídas de cursos de master, optam por aprender a programar, numa tentativa de mudarem de carreira.

“Vai ser cada vez mais tirar mercado aos MBA, masters tradicionais, de certeza. Há muita gente que faz o MBA porque não sabe o que há de fazer, e esse curso é fundamentalmente uma forma de mudar de carreira, é como um comprimido mágico que se toma. Dá contactos mas as empresas requerem cada vez mais habilidades muito concretas”, detalha.

Em Portugal, além da Ironhack existem outras escolas de programação especializadas em formar os estudantes para, por um lado, mudarem de profissão ou, por outro, continuarem numa lógica de formação contínua. Fundada em 2015, a Academia de Código especializou-se na formação de desempregados. Nestes bootcamps, tanto entra um advogado como um calceteiro ou um professor. Os únicos requisitos são ter mais de 18 anos, saber inglês e ter disponibilidade total para aprender código em 14 semanas.

Desde o início do projeto, a startup de impactos social já organizou mais de 30 bootcamps e formou mais de 500 desempregados em programação, e regista uma taxa de empregabilidade e, em junho, a empresa anunciou a criação de uma pós-graduação em programação, em parceria com o ISCTE. “Queremos formar cada vez mais programadores e acreditamos estar a construir as soluções acertadas”, assegurava João Magalhães, CEO e cofundador da <Code for All_> (holding da <Academia de Código_> e ubbu), citado em comunicado.

“Esta pós-graduação é mais um exemplo da capacidade de inovação do ISCTE na resposta concreta aos desafios da sociedade. Na mesma linha, vamos ter, já no ano letivo de 2019/20, uma disciplina de Ciência de Dados, que será oferecida em todas as licenciaturas, para que os estudantes das diversas áreas tenham a oportunidade de aprender a manusear nos seus domínios disciplinares a nova competência fundamental que é Ciência de Dados”, acrescentava Maria de Lurdes Rodrigues, reitora do ISCTE.

Por outro lado, outra estrangeira – e uma das primeiras a chegar ao mercado português – é a francesa Le Wagon que, em Lisboa, conta com a liderança da norte-americana Shannon Graybill. Desenhado para empreendedores e criativos, o programa intensivo serve para pessoas que queiram passar do zero a estar aptas a desenvolver engenharia de software. Nascido em 2012, em Paris, quando um dos melhores amigos de Boris Paillard cofundador do Le Wagon, fez um programa semelhante em São Francisco, os sócios avançaram para a criação de uma estrutura de formação que pudesse ensinar código rapidamente. A norte-americana entusiasmou-se com a ideia e decidiu, dois anos depois de estar a viver em Lisboa, começou a tentar convencer os fundadores a deixarem-na desenvolver a ideia em Portugal. Na altura, a tarefa foi simples: Lisboa já estava nos radares da Le Wagon.

Como se retém o talento?

Um dos grandes desafios atuais das empresas é a retenção de talento. E isso não é diferente, mesmo quando se trata de uma companhia que ensina código e está em constante contacto com algumas das organizações mais inovadoras do mundo. “O que tentamos é alinhar interesses profissionais com os da equipa, a visão e as motivações de impacto dos membros da equipa com as da empresa. No final, algo muito comum é a vontade de causar impacto”, esclarece Gonzalo.

Por agora, a Ironhack conta com 100 trabalhadores a tempo completo, mais 200 em part-time. “Outro dos fatores de atração é tentar promover a colaboração entre as equipas locais e centrais, permitir mobilidade geográfica e promover as pessoas dentro da organização. Somos uma organização meritocrática e acredito que isso motiva, a gente boa cresce e as pessoas que não se enquadram podem procurar outro projeto. Trabalhando com claridade de objetivos trimestrais, isso permite-nos ter muita visibilidade do impacto de uma pessoa, as suas tarefas e os seus objetivos dentro de uma organização”, esclarece Gonzalo.

Mas nem só do impacto interno vive a organização: entre os alunos, 43% do total são mulheres e, em Lisboa, mais de 65% dos inscritos são portugueses. “Vejo como muito positiva a capacidade de atrair estrangeiros a Lisboa, e faz parte da nossa estratégia que venham e que fiquem. Temos a capacidade de trazer talento como experiência e ficamos muito entusiasmados em poder ajudar a criar ecossistema”.

De pequenino se começa a programar

Depois de a Academia de Código Júnior ter chegado a mais de 60 mil crianças em Portugal, a empresa de impacto social apresentou a Ubbu, a nova marca internacional que tem como missão de ensinar dar às crianças as bases para que possam prosseguir uma carreira na área da tecnologia e do desenvolvimento de software, no final de janeiro deste ano. A plataforma promete “ensinar programação a mais de um milhão de alunos em todo o mundo” e tem como mercados-alvo países como os Estados Unidos, África do Sul, Espanha, Holanda, Noruega, Cabo Verde, Colômbia e Brasil. “Queremos fazer chegar o ensino da programação a tantas crianças quanto possível, sempre com vista ao impacto social positivo”, afirma João Magalhães, cofundador da Academia de Código.

Profissionais em falta, salários acima da média

Por se tratarem de profissões cujo número de especialistas é escasso, as empresas procuram cada vez mais especialistas em tecnologia, premiando-os com salários que disparam a cada ano. De acordo com um estudo da Landing.jobs, os profissionais na área tecnológica podem chegar a receber, em alguns casos, um total de 95 mil euros por ano, em Portugal. As funções ligadas à gestão, como chief technology officer (CTO) ou head of engineering são algumas das mais procuradas e das mais bem pagas, estando o montante dependente da experiência de cada profissional. Já fora do campo da gestão, os cargos que são melhor remunerados são os de iOS developer (que alcançam os 62 mil euros anuais), android developer e devOps engineer (que podem chegar a ganhar, cada um deles, 60 mil euros).

*dd tc? era uma pergunta habitual nos primeiros chats de troca de mensagens, que significava “de onde teclas?”.

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