A publicidade é desconfortável
A publicidade tem mudado tanto nos últimos tempos que muitas são as vezes em que nos sentimos impotentes perante tanta transformação.
Quem investe tempo e dinheiro a assistir conferências lá fora, principalmente as que têm lugar nos Cannes Lions, quase não tem tempo para respirar face à quantidade de novidades que todos os anos nos aparecem pela frente.
Se há 5 anos a “trend” era o storytelling e o branded content, há dois anos o analytics e o programatic e o ano passado o design thinking e a inteligência artificial, este ano a grande tendência promete ser, pelo menos ao dia de hoje, o tão bem-afamado “costumer journey”. Todas estas tendências aparecem quase de repente, trazem à boleia os seus gurus e anunciam-nos sempre uma boa-nova que irá ser absolutamente revolucionária para o sector.
Este é o momento que aquele diretor criativo conservador, que nem costuma ir à bola com as minhas crónicas, se recosta na cadeira e diz: “olha, desta vez o puto tem razão”. Acontece que não podíamos estar mais em desacordo. Na verdade, todas estas tendências acabaram por se tornar inevitabilidades e todas elas pairam com uma arrebatadora clareza sobre o mundo das marcas, sendo o seu domínio absolutamente necessário para a sobrevivência de um bom profissional de criatividade publicitária.
Ser publicitário é hoje muito parecido com o que sempre foi, mas com uma pequena diferença. Se antes vivíamos absolutamente desconfortáveis, quanto ao impacto das nossas ideias, hoje vivemos também o novo desconforto de termos que estar sempre absolutamente prontos para saber interagir com o consumidor nas tecnologias que ele próprio utiliza, antes mesmo de nós as dominarmos na perfeição.
Se antes, o “early adopter” era aquele target quase residual do planeamento que nos chegava dos departamentos de marketing, hoje ele é quase o todo do target para com o qual desejamos começar uma conversa com a marca para a qual criamos as nossas campanhas.
O publicitário que está a ler esta crónica, deve neste preciso momento estar a pensar: “mas então qual a solução para todo este desassossego que nos consome?”. A resposta é simples e simultaneamente complexa: assumir o nosso habitual desconforto. Hoje, como ontem, a boa campanha ainda é aquela que nos deixa acordados durante a noite. Hoje, como ontem, a boa campanha ainda é aquela sobre a qual não temos a certeza que irá resultar.
Não há regras para ter impacto sobre a cada vez mais complexa mente do consumidor. Mas há riscos que todos podemos cometer, uns certamente que irão resultar num saco cheio de nada, mas outros de certeza que irão resultar em belas campanhas que se irão rapidamente espalhar de boca em boca, ou se preferirmos de feed em feed das redes sociais.
Assumir o desconforto que deve nortear a nossa profissão, é o primeiro passo para ser bom publicitário. Perceber que campanhas que não causam desconforto são inócuas e insignificantes, é o primeiro passo para ser um bom diretor de marketing. Quando esta dupla coragem se une, então, nascem as grandes campanhas.
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