E tudo o tempo leva

  • Pedro Barosa
  • 24 Maio 2021

Certo é que o direito não é uma ciência exata, e a prescrição, ao contrário do que julgam muitas vozes opinativas, é do conhecimento oficioso.

Temos assistido a uma feroz indignação da opinião pública quanto à inadmissibilidade de prosseguimento de alguns processos criminais em virtude daquilo a que simplificadamente se pode chamar de «decurso do tempo» desde o momento da prática de crimes, em especial os de corrupção.

Para complicar a coisa, não é unânime – nem na doutrina, nem na jurisprudência – o momento em que se deve considerar como iniciado o prazo de prescrição do crime de corrupção.

Caberá primeiramente assinalar que a contagem dos prazos prescricionais não se encontra ao serviço do interesse punitivo do Estado, pelo que o critério para adoção de uma determinada metodologia de contagem desses prazos nunca poderá ser aquele que permitir estender, artificialmente, esta pretensão.

Isto dito, para a determinação do início da contagem do prazo de prescrição do crime de corrupção, seja ela ativa ou passiva, é necessário ter em conta o momento da consumação do crime.

Os crimes de corrupção são crimes de perigo abstrato e de natureza instantânea, cuja realização do tipo objetivo compreende duas modalidades alternativas: do lado ativo (i) a promessa ou (ii) a entrega da peita ao funcionário público; do lado passivo (i) a aceitação do suborno ou (ii) a sua solicitação. Tomando então como referência a corrupção ativa, tanto pratica este comportamento o agente que prometa subornar o sujeito a corromper, como aquele que entrega efetivamente a peita. Atendendo a esta categorização, um respeitável setor doutrinário e jurisprudencial considera que, ainda que o agente entregue efetivamente a peita, se antes disso a tiver prometido, será a partir deste primeiro momento que se terá por verificada a consumação do crime de corrupção ativa, sendo também a partir dessa ocasião que terá início a contagem do prazo de prescrição.

Já o entendimento contrário considera que, ainda que se tenha por verificada a consumação formal no momento da promessa da peita, será apenas aquando da sua entrega que se verifica o maior atentado ao bem jurídico, sendo por isso a partir desse instante que deverá ter início a contagem do prazo prescricional.

Pese embora se reconheça razão a esta segunda corrente no tocante à maior exigibilidade de punição da entrega da peita por comparação à sua promessa, não nos parece que essa entrega seja fator decisivo para se considerar como ato relevante em termos de consumação para efeitos de contagem do prazo de prescrição.

Desde logo, a segunda conceção exposta encara um crime instantâneo como se de um crime permanente se tratasse, considerando que a consumação apenas teria lugar no momento da entrega do suborno (ou, caso este se dividisse em prestações, aquando da entrega da última tranche). Ora, se o critério determinante para a consumação corresponde ao nível mais agudo do “mercadejar” do cargo, como parece defender esta posição, porque não considerar que a consumação se teria por verificada aquando da entrega da tranche maior, independentemente de a esta se seguirem outras?

Por outro lado, a defesa da primeira posição não conduzirá necessariamente à desconsideração de atos, mais ofensivos do bem jurídico, praticados pelo agente, para efeitos, nomeadamente, de determinação da moldura penal ou para a consideração das vantagens provenientes da corrupção para efeitos de imputação do crime de branqueamento.

Certo é que o direito não é uma ciência exata, e a prescrição, ao contrário do que julgam muitas vozes opinativas, é do conhecimento oficioso.

  • Pedro Barosa
  • Sócio contratado da Abreu Advogados

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