Jaisalmer e o Deserto

Estou em Jaisalmer, uma incrível metrópole cor de areia, a rodear uma pequena aldeia dentro de um forte medieval. Das cidades do Rajastão, é a mais espetacular. É Óbidos cá do sítio.

Ah. O deserto!

Haverá sítio mais impressionante neste planeta? Decerto que não! O deserto é paradoxo, um vazio cheio de si. O deserto é metáfora da monotonia árida. O deserto é um absoluto, redoma da imensidão, capricho da criação e carradas de areia.

Mas isto é a Costa da Caparica! Juro que há mais areia na Fonte da Telha que há nestas duas dunas onde ruminam os nossos desgraçados camelos. O guia desta épica expedição, um “nómada do deserto”, de calças de ganga e top de alças estende-nos um prato de inox com arroz, chapati e um refugado de vegetais com uma cor pornograficamente picante. Os meus intestinos cruzam os braços e amuam. Os meus dedos fazem de pauzinhos a contragosto, os meus lábios ardem, os camelos cospem. “Não, não quero mais obrigada, chega perfeitamente.” “Comida do deserto”, arrota o guia, arroz com batata flamejante, o que vale é que estas dunas têm arbustos WC bem adubados. E os toalhetes são “água para os meus ouvidos”.

Estou em Jaisalmer, a “Cidade Dourada”, uma incrível metrópole cor de areia, a rodear uma pequena aldeia dentro de um forte medieval. Das cidades do Rajastão é a mais espetacular. É Óbidos cá do sítio, com pores-do-sol difíceis de adjetivar. Mas não se imaginem toscas e sólidas construções para espantar este vento torrado: Jaisalmer é feita de bordados intrincados, mil janelinhas e picotados, uma tapeçaria perfeita de ambos os lados. As casas, templos e palácios, escondem pátios frescos, jardins secretos, fontes e baloiços pintados a buganvília. Oásis privados, as verdadeiras joias de família.

Aqui visita-se o forte, o palácio, os havelis, os templos jainistas e o lago Gadisar mas uma pessoa não é turista nem é nada, se não for fazer um safari a camelo. Como qualquer experiência turística, nem é preciso provar para se sentir um ligeiro travo a desilusão mas como só se vive uma vez, há que experimentar!

Bom, ele há caros e baratos, com tenda à Ali Baba ou a dormir ao relento com os quarenta ladrões, há com danças tradicionais à fogueira ou com conversas banais à luz da Lua, há buffet marajá ou há arroz “come já antes que fique duro”, há camelos Ferrari e há camelos para safar o safari. E, por 12 euros, não houve cá “Premium Deluxe”, foi mais “Prémio do Lixo”, que a nossa manjedoura no deserto, parecia um ecoponto num feriado.

O pacote foi o seguinte: um motorista de 20 anos ligado ao telemóvel, uma aldeia abandonada e aborrecida, uma aldeia nómada com duas palhotas sem ninguém, uma hora de estrada a comer poeira, um “oásis” que em português se chama lago, onde os pastores dão de beber às cabras (bastante bonito por sinal), dois camelos deprimidos, um cameleiro a precisar de um sindicato, uma hora “de camelo” e rabo dorido entre paisagem à la Guincho, dunas lindas de areia em pó, um jantar desgraçado que acabou a ser comido pelo cão de serviço e um céu semi-estrelado e bem iluminado por um crescente entusiasmado.

E quando achava que a experiência já tinha acabado, aconteceu uma coisa assustadoramente deslumbrante: fiquei absolutamente surda. O ar parou, o chão alcatifou-se e o céu virou véu: o Deserto aconteceu. E, pela primeira vez, na vida inteira, ouvi o Silêncio.

E isto foi o que ele me disse:
….

Crónicas indianas são impressões, detalhes e apontamentos de viagem da autora e viajante Mami Pereira. Durante quatro meses, o ECO publica as melhores histórias da viagem à Índia. Pode ir acompanhando todos os passos aqui e aqui.

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