Marcelo, o amuleto de Costa
António Costa fez um favor à direita. Deu-lhe os pretextos necessários para encontrar alternativas a Marcelo, o candidato socialista. Ventura não pode ficar isolado numa direita adormecida.
Marcelo Rebelo de Sousa já tomou a sua decisão: será o candidato socialista ao segundo mandato como Presidente da República. O apoio do PS não será tão explícito como o Primeiro-Ministro demonstrou na visita à Autoeuropa, será provavelmente envergonhado, quiçá em surdina. Mas ele existe, porque Marcelo é o melhor candidato para António Costa.
Há pouco mais de 14 anos, Cavaco Silva era eleito Presidente da República. Apesar dos bons resultados eleitorais de Cavaco e de Marcelo, ambos deixam-nos um sabor amargo, sobretudo à própria direita que os elegeu. Durante 10 anos, Cavaco Silva não compreendeu a importância da palavra – escassa e tantas vezes alheia da realidade. Marcelo, por outro lado, não entende a relevância do recato e do silêncio. Apesar de opostos na postura, ambos pecaram por excesso. Marcelo Rebelo de Sousa deixou de marcar a agenda política. É um preâmbulo do dia-a-dia jornalístico que já não se leva muito a sério. Pela simples razão de que o Presidente da República tenta fazer agenda do relevante, do irrelevante, do importante, do acessório, do essencial, do fútil. É o eterno comentador, que agora beneficia de mais palco. O desejo de busca constante de popularidade e de proximidade com os portugueses – que tanto faltou a Cavaco –, afastou-o politicamente de decisões críticas. No meio de tantos beijos e abraços, algures existirão intervenções de maior destaque, mas perdem-se no meio da fumaça. Em vez de uma figura política – que todos querem ouvir – transformou-se numa figura mediática – que todos querem ver. Costa aproveitou e tirou-lhe o palco – político, leia-se – sempre que necessário (durante a pandemia foi frequente, tendo o Primeiro-Ministro assumido o protagonismo, ficando com os louros dos bons resultados de Portugal). Noutras ocasiões, ofereceu-lhe o desejado espaço mediático para camuflar as suas fragilidades governativas (por vezes, levando Marcelo a precipitar-se como porta-voz do governo).
O balanço deste mandato revela que Marcelo serviu muito bem a António Costa. Perante esta harmonia triangular, por vezes confrangedora, entre o Presidente da República, o PS e a extrema-esquerda, a direita tem de apresentar alternativas. Curiosamente, o principal derrotado das eleições presidenciais será o partido do candidato vencedor, o PSD. O maior partido da oposição depara-se com um dilema: apoiar ou não Marcelo Rebelo de Sousa. Qualquer das opções representará politicamente uma derrota. Se não apoiar, observará a vitória do ex-presidente do partido com o apoio de uma larga franja do eleitorado socialista, além de que seria uma decisão difícil de explicar ao eleitorado. Se apoiar, compactuará com esta harmonia e abstém-se uma vez mais de fazer oposição, algo que, infelizmente, tem sido tão característico de Rui Rio. A existência de outras opções neste quadrante político poderá ser o pretexto para o PSD não apoiar formalmente nenhum candidato, dando espaço ao apoio informal dos seus militantes às alternativas ao atual Presidente da República. Mais à direita, “Chicão” deve aproveitar esta oportunidade para o CDS se apresentar com um candidato forte – provavelmente independente – naquele que é um dos desafios à sua liderança, que tarda em convencer. Pela Iniciativa Liberal, espera-se o apoio a uma voz liberal em total oposição ao socialismo vigente (Adolfo Mesquita Nunes seria o grande trunfo).
A democracia faz-se também de derrotas, pelo que a assunção prévia de clara vitória de Marcelo – o candidato dos socialistas – não é justificação para a direita se conformar. A direita joga em dois tabuleiros nestas eleições. Primeiro, evitar uma vitória histórica de Marcelo Rebelo de Sousa, acima dos 70% alcançados por Mário Soares em 1991. Segundo, e mais importante, está em causa a afirmação da direita democrática – tão adormecida que ela anda… – em oposição ao crescendo populista de extrema-direita. Um resultado muito acima de 5% para André Ventura seria uma derrota para a direita democrática. Mais, seria uma derrota para os democratas e para Portugal. A existência de alternativas fortes à direita – que não sejam meras candidaturas pró-forma –, com apoios no CDS, Iniciativa Liberal e várias camadas do PSD, não é apenas desejável, é essencial.
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