Um Pinho encravado na rosa do PS
A posição do PSD no caso Manuel Pinho é esquisita, a do PS é hipócrita e a do Bloco, sendo oportunista, é a mais sensata.
Desde abril de 2016 que o Público noticiou que Manuel Pinho fazia parte da lista dos colaboradores do Grupo Espírito Santo (GES) que recebiam dinheiro da ES Enterprise, o chamado ‘saco azul’ do grupo de Ricardo Salgado. Na altura colocava-se a hipótese de a remuneração poder estar associada à atividade do economista no universo GES, onde Pinho trabalhou durante cerca de duas décadas.
No entanto, há cerca de duas semanas, o jornal Observador escreveu que Manuel Pinho terá recebido meio milhão de euros do GES quando era ministro da Economia de José Sócrates. Perante estas notícias, os partidos políticos enfileiraram-se para dizerem de sua justiça, independentemente de o caso já estar a ser investigado pela Justiça.
Primeiro foi o PSD. Politicamente mais hábil por ter sido o primeiro a acordar para o assunto, Rui Rio veio dizer que quer ouvir Manuel Pinho na Comissão Parlamentar de Economia. Justificação: “porque a democracia portuguesa não pode continuar com estes sucessivos casos de suspeitas de corrupção e de compadrio”.
Tenho alguma curiosidade em ouvir Manuel Pinho a falar sobre o tema na Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas. Consigo imaginar dois diálogos possíveis. O primeiro é este:
Deputado do PSD:
Boa tarde Dr. Manuel Pinho, é verdade que recebeu meio milhão do GES enquanto era ministro?
Manuel Pinho:
Confirma-se Sr. Deputado. Sabe como é, os ministros são mal pagos e eu tenho muitas contas para pagar. Já viu o que era pagar um apartamento no centro de Nova Iorque só com o que ganha um ministro? Mesmo que, como o seu colega de bancada Feliciano Barreiras Duarte, desse a morada do Bombarral, para cálculo do subsídio de transporte e ajudas de custo, o dinheiro não chegava.
Ou, eventualmente, este segundo diálogo:
Deputado do PSD:
Boa tarde Dr. Manuel Pinho, é verdade que recebeu meio milhão do GES enquanto era ministro?
Manuel Pinho:
É mentira Sr. Deputado, é uma calúnia. O Sr. Deputado tem alguma prova da infâmia que está a dizer?
Deputado do PSD:
[O deputado do PSD engole em seco e dá por terminada a Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas por não ter nenhuma prova para o confrontar].
Depois de Rui Rio, foi a vez de Carlos César, do PS, vir dizer à pressa que os socialistas também estão “evidentemente interessados em conhecer o que o antigo ministro Pinho tem a dizer sobre todo este caso insólito”. Não deixa de ser aberrante e hipócrita a posição do PS que, durante anos, não sentiu a necessidade de ouvir José Sócrates e nunca achou “insólito” que o seu ex-líder vivesse à grande e à francesa à custa de dinheiro supostamente emprestado por um amigo. São precisas muita presunção e água benta para o PS vir agora armar-se em justiceiro no caso Manuel Pinho. O que sobrou de presunção de inocência no caso Sócrates faltou no caso Manuel Pinho.
Seguiu-se o Bloco de Esquerda que, em vez de pedir uma audição a Manuel Pinho, numa singela Comissão de Economia, Inovação e Obras Públicas, resolveu pedir a realização de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. O Bloco teve a inteligência, que o PSD não teve, de perceber que era anódino ouvir Manuel Pinho numa Comissão de Economia e também percebeu que o objeto da Comissão nunca poderia ser Manuel Pinho, mas sim as chamadas “rendas excessivas” ou “abusivas” cobradas no setor da energia.
Recorde-se que uma das suspeitas que recaem sobre Manuel Pinho é precisamente ter permitido que a EDP beneficiasse dessas rendas excessivas quando os Contratos de Aquisição de Energia (CAE) terminaram e deram lugar aos Custos para a Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC).
Os deputados sempre fugiram da polémica das rendas excessivas do setor enérgico, uns por terem o rabo preso, outros porque achavam, e com razão, que o assunto é de uma complexidade técnica tal que dificilmente poderiam tirar algum dividendo político a curto prazo.
Catarina Martins e o Bloco resolveram, e bem, desafiar a física quântica do setor energético, e propor esta Comissão que, provavelmente, já deveria ter sido feita há anos. No passado, a Autoridade da Concorrência recomendou ao Governo que fizesse uma revisão dos CMEC porque a EDP estaria a conseguir “obter benefícios superiores àqueles que haviam sido contratados nos CAE”. A Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos desde 2007 que torce o nariz ao cálculo dos CMEC e veio propor que, para o período de 2017 a 2027, se cortasse em 102 milhões de euros/ano o valor das chamadas “rendas excessivas”. Corte que Governo vai acatar.
A Universidade de Cambridge fez um estudo para o Governo anterior em que concluiu também que os CMEC tinham uma taxa de remuneração nominal e antes de impostos de 14,2%, superior até à rentabilidade dos antigos CAE. A própria troika quando esteve em Portugal classificou os CMEC como um mecanismo lesivo à concorrência, condicionando os preços grossistas da energia elétrica e, por conseguinte, os preços para os consumidores finais. Até a OCDE já veio dizer que a renegociação dos CMEC e a aceleração do fim dos preços garantidos permitiriam apresentar aos consumidores “preços mais competitivos” no setor da energia.
Então se os CMEC são assim tão maus, por que é que até agora ninguém fez nada? Os socialistas não fizeram nada porque, provavelmente, não querem que saiam mais esqueletos do armário. O PSD, inicialmente, até tentou lutar contra a EDP, mas Henrique Gomes, secretário de Estado da Energia do Governo de Passos Coelho, não durou nove meses no cargo. Passos, Álvaro e Gaspar estavam mais preocupados em vender 25,3% da EDP à China Three Gorges do que em renegociar os CMEC. Por tudo isto faz sentido a Comissão de Inquérito proposta pelo Bloco.
Há nove anos, Manuel Pinho saía do Parlamento pela porta pequena depois de fazer um gesto de corninhos ao deputado Bernardino Soares que terá confrontado o ministro com uma alegada ida a Aljustrel para entregar ao clube de futebol local um cheque de cinco mil euros “passado” pela EDP. Agora, Pinho vai regressar ao Parlamento, por uma porta ainda mais pequena, para explicar afinal quantos cheques há nesta história.
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