O ECO acompanhou as últimas horas do comércio na zona de Benfica antes do novo confinamento. Dos negócios adiados aos rodopio dos cabeleireiros, os empresários admitem não aguentar muito mais tempo.
É uma sensação de déjà vu. Dez meses depois, Portugal enfrenta a partir desta sexta-feira um novo confinamento total. Perante o acentuado aumento de novas infeções e óbitos por Covid-19, o primeiro-ministro viu-se forçado a avançar com a decisão que sempre disse querer evitar: um novo confinamento generalizado do país, com o “horizonte de um mês”.
Tal como em março do ano passado, vêm aí medidas mais apertadas para as empresas e para os cidadãos, desde logo o encerramento obrigatório de vários estabelecimentos, como o comércio não essencial e a restauração. Mas há algumas exceções face ao confinamento anterior, como as escolas, os dentistas e as celebrações religiosas.
Apesar de não se ter sentido o açambarcamento nos supermercados de outrora, neste “confinamento 2.0”, os empresários dizem ter sido apanhados de surpresa e alertam para o impacto avassalador que os encerramentos vão provocar, pedindo, por isso, que os apoios sejam mais rápidos a chegar, garantia que foi posteriormente dada pelo Governo aquando do anúncio dos novos apoios na quinta-feira à tarde. Além disso, há também negócios adiados por causa da pandemia.
Novo quiosque “Caricato”, em Benfica, ia abrir em fevereiro, mas foi adiado
É o caso da gerência do quiosque “Caricato”, em Benfica, que estava a preparar-se para abrir um novo espaço, mas viu a pandemia trocar-lhe as voltas. “Tínhamos a intenção de abrir o quiosque durante fevereiro coisa que já não será possível. Vamos ter que adiar tudo e enviar os nossos colaboradores uma vez mais para casa e esperar“, conta Salvador Melo, um dos três sócios deste espaço, ao ECO.
Com “praticamente tudo pronto” para a abertura e entrevistas a futuros trabalhadores feitas, os donos destes espaços foram apanhados de surpresa com o novo confinamento e, consequentemente, os planos foram postos em “stand-by” até, pelo menos, ao fim do próximo mês. “Estávamos bastante confiantes de que as coisas iriam tomar um rumo diferente”, aponta o proprietário.
Com capacidade para 64 lugares e apesar de ser um espaço ao ar livre, à semelhança de outros estabelecimentos de restauração, o quiosque “Caricato” sentiu “um grande impacto” com a pandemia, nomeadamente devido às restrições de horário ao fim de semana e do encurtamento de horário aos dias de semana, isto quando vigoravam as medidas por escalonamento de risco. “Não tem estado tão cheio como costumava estar, tanto que os muros à volta do quiosque tinham sempre pessoas sentadas a consumir e é uma coisa que já não se verifica“, afirma Salvador Melo. Ainda assim, o proprietário admite que impacto não é maior, uma vez que este quiosque, ao contrário dos que estão localizados no centro de Lisboa, não está tão dependente “do turismo e das empresas” e cerca de 90% dos clientes são habituais.
Ainda assim, nesta quarta-feira de manhã, último dia pré-confinamento, o ambiente era “calmo”, à semelhança do que tem acontecido nos últimos dias, “um pouco por causa do frio”, explica Salvador Melo. Na esplanada com 18 mesas, apenas sete estavam ocupadas. Para o futuro, Salvador Melo prefere manter “as expectativas em baixo”, estando preparado para estar encerrado “pelo menos até ao final de fevereiro”, mas admite não aguentar muito mais. “Este confinamento ainda vamos conseguir ultrapassar. Se houvesse eventualmente um terceiro não sei se conseguiríamos ultrapassar”, conclui.
“A partir do momento em que fechar a porta já não vou abrir”
Também para o restaurante Goji, em Benfica, “tem sido muito complicado” manter as portas abertas. Com quebras de faturação na ordem dos 50%, o negócio vai sobrevivendo à custa dos “capitais próprios” dos donos, já que “os apoios não chegam”, sinaliza Sandra Tojal. Em dezembro, a proprietária candidatou-se ao apoio que a Câmara Municipal de Lisboa dirigiu às pequenas e micro empresas (PME), mas até à data a sua candidatura “continua em análise”. Mas os atrasos no acesso aos apoios já não são novidade para Sandra, já que em março/abril recorreu ao lay-off e esteve “cerca de quatro meses à espera de receber o valor”, aponta.
Longe vão os tempos em que, nesta casa, com capacidade para 28 lugares, se serviam 56 almoços. “Neste momento sirvo em média 10 a 12 almoços por dia”, aponta. Mas neste último dia antes do confinamento, nem isso, já que a própria gerência contava que a decisão vigorasse já a partir de quinta-feira, tal como chegou a ser avançado por vários órgãos de comunicação social. “Já tínhamos inclusive informado os nossos clientes que hoje só iríamos para take way, o que não aconteceu, mas como vê a casa está vazia e take ways também não há”, atira.
Dado o encerramento forçado destes estabelecimentos, tal como em março, o Governo permite que haja take away, bem como entregas ao domicílio, por forma a minimizar o impacto para as empresas. No entanto, se já antes da pandemia este restaurante de comida vegetariana tinha serviço take away, entregas ao domicílio estão descartadas, já que para Sandra Tojal “as empresas que estão no mercado cobram comissões muito elevadas”, o que fazia com que o espaço tivesse que “subir os preços” para comportar as despesas. “Não faz sentido”, explica, acrescentando que “se houver um cliente aqui na rua que me telefone e que me peça, como já tem acontecido, eu própria me desloco lá e levo”.
Esta tem sido uma das várias reivindicações do setor de restauração, pelo que o Governo decidiu impor limites às taxas cobradas por serviços de entregas de refeições, incluindo aplicações como Uber Eats, Glovo e Bolt Food: as comissões cobradas aos restaurantes não poderão exceder 20% do valor da refeição e as taxas de entrega não podem aumentar. Ainda assim, a decisão não convence a proprietária, queixando-se que o preço ainda é elevado.
Apesar da situação financeiramente débil e com apenas uma funcionária a cargo, a empresária garante que “vai dar tudo por tudo” para que até março as coisas melhorem. “Se conseguirmos aguentar até lá muito bem, se não é para fechar. [Mas] a partir do momento em que fechar a porta já não vou abrir”, garante.
Cabeleireiros sem mãos a medir antes do lockdown
E se no quiosque “Caricato” e no restaurante Goji, os dias que antecedem ao confinamento total são aparentemente calmos, nos cabeleireiros da zona de Benfica, estes dias têm sido um verdadeiro “entra e sai”. “Estou a rejeitar muita gente. Não consigo. Ontem [quarta-feira] comecei às 8h30 a trabalhar quando, habitualmente, começo só às 9h e tive que encurtar a minha hora de almoço. Não tenho hora de almoço para poder realmente atender as pessoas“, conta Armando Jorge, dono do cabeleireiro “Armando Jorge”, ao ECO.
Com “uma média de atendimento diário de 10 pessoas”, nos últimos dias este profissional não tem “tido mãos a medir”, com cerca de 20 marcações desde segunda-feira. Uns metros mais à frente no cabeleireiro “Jane Ferreira” a situação é idêntica. “Nos últimos dois dias houve um aumento. Então, ontem [quarta-feira] foi mesmo um dia mesmo cheio”, revela Janete Ferreira, irmã da proprietária.
Apesar de a elevada afluência ser boa para o negócio, Armando Jorge aponta o dedo à forma como o Governo tomou a decisão. “Temos marcações feitas antecipadas ao dia do confinamento e só sabemos um dia antes que vamos fechar”, aponta. Segundo o proprietário esta pouca antecipação causa “alguns constrangimentos porque as pessoas ficam magoadas porque se desmarca”, sublinha.
Certo é que ambos apontam para o “rombo” no negócio que a pandemia veio provocar e que este novo confinamento poderá agravar. “É péssimo a todos os níveis. A resiliência que as empresas têm demonstrado não é para qualquer um”, aponta Janete Ferreira. Ao mesmo tempo, Armando Jorge admite que “não estava à espera” deste novo encerramento forçado. “Quando achava que tinha toda a possibilidade de continuar a trabalhar vem esta nova norma de termos de fechar tudo outra vez”, refere.
Tal como Sandra Tojal, o proprietário deste cabeleireiro assegura que tem aguentado o negócio à custa da “almofada” financeira que dispõe. É por isso que consegue fazer face às “despesas mensais”, mas alerta que não aguenta muito mais tempo. Pede mais apoios e uma maior rapidez a serem concedidos, uma vez que ainda está a aguardar a aprovação da candidatura ao Apoiar. “Não consigo aguentar por muto tempo – nem quero pensar nisso – três meses era um ponto que não podia ultrapassar”, garante. Menos esperançosa está Janete Ferreira. “Um mês ainda vá lá, agora mais do que isso é impossível”, atira.
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