Os recursos são limitados e alguns empresários defendem que se deve transitar para um modelo económico mais circular. Portugueses, espanhóis e italianos reuniram em Madrid para falar disso mesmo.
“Acreditamos seriamente que, além do digital, vai ser o tema dos próximos tempos e das próximas gerações.” A frase é de Luís Pedro Duarte, managing director da Accenture em Portugal. De que tema fala? Do da economia circular, um conceito que, esta sexta-feira, levou líderes, empresários e, sobretudo, os chefes de Estado de Portugal, Espanha e Itália, a reunirem-se no 11º Encontro COTEC Europa, em Madrid.
Luís Pedro Duarte foi um dos três empresários com quem o ECO falou à margem deste encontro. A ideia central é a de que uma economia linear, que não tem em conta a finitude dos recursos, tem de ser substituída por uma economia circular que otimize a eficácia e o ciclo de vida dos materiais, aproveitando e reaproveitando o que, nos dias de hoje, é visto como desperdício.
Ao ECO, o líder da Accenture considera que a transição não é uma opção. Antes, é uma obrigação — mas não vai ser fácil, até porque implica mudanças profundas “de cultura e de hábitos”. Para o empresário, o digital pode dar uma ajuda: “Se há coisa que tem alterado os comportamentos, tem sido o digital. Se nós pensarmos que o digital permite que pessoas em locais diferentes trabalhem e comuniquem, isso significa, por exemplo, menos deslocações e muito menos consumo de bens e de materiais que, doutra forma, continuariam a ser explorados no limite”, defende.
“A Accenture é um player natural neste tema da transformação digital. Todo o tema da tecnologia está no nosso ADN, mas nós vemos o digital como uma plataforma, como um contexto onde os negócios se vão mover. E onde é que está aqui a grande diferença face ao histórico? Porque a tecnologia passa a ser o negócio. Quando antes a tecnologia era vista como o suporte ao negócio, agora a tecnologia é o negócio”, garante Luís Pedro Duarte.
A tecnologia passa a ser o negócio. Quando antes era vista como o suporte ao negócio, agora a tecnologia é o negócio.
O ECO falou também com António Raposo de Lima, responsável máximo da IBM em Portugal. Estará a IBM a pensar numa economia mais circular? “Mais do que a pensar, faz parte do nosso modelo de negócios”, garante. Destaca duas áreas: “Uma tem que ver com os datacenters mais eficientes, em que a nova tecnologia que tem vindo a ser disponibilizada permite ter ganhos de eficiência até acima dos 60%. E, com o provisionamento de infraestruturas, o chamado modelo cloud, que também cria eficiências novas, para além de eficácia”, frisa.
O outro exemplo prende-se, sobretudo, com a computação cognitiva, o core da atividade da IBM. No fundo, são computadores que pensam e aprendem. Como podem eles promover a circularidade? Precisamente, com as “soluções analíticas que permitem reduzir drasticamente ineficiências gritantes, tais como a da gestão de tráfego, ou das redes e água e de eletricidade”, aponta António Raposo de Lima. E acrescenta: “Essa capacidade de reduzir as ineficiências tornando, simultaneamente, a vida das pessoas e dos cidadãos mais feliz, está muito ligada a estas soluções inovadoras tecnológicas, que a IBM tem vindo a disponibilizar.”
A rede de parceiros permite isto à IBM. “Não fazemos isto de forma isolada. Trabalhamos com ecossistemas, com parceiros de negócios. Mesmo no research“, sublinha. E deixa um alerta: “Não acredito muito só no altruísmo. Ou há um modelo de negócio por trás, que permite realmente às empresas darem um passo sólido, ou não. De facto, há uma oportunidade de negócio. Há aqui um investimento na transformação mas, a prazo, o cost of ownership e, sobretudo, económico, e a eficiência e eficácia também social, estão lá, estão no business case. Há uma oportunidade real, nenhuma dúvida sobre isso.”
Não acredito muito só no altruísmo. Ou há um modelo de negócio por trás, que permite realmente às empresas darem um passo sólido, ou não.
Em Portugal, é a COTEC, Associação Empresarial para a Inovação, que tem vindo a pôr o tema da economia circular na agenda pública e política. Em novembro, por ocasião do Encontro Nacional de Inovação, a TMG Automotive, que fabrica têxteis técnicos para a indústria automóvel, recebeu o prémio Produto Inovação pela invenção de um material inovador chamado “PVU” e que vai ao encontro dos valores na base da economia circular.
Em entrevista ao ECO, Isabel Furtado, presidente executiva desta empresa familiar, é pragmática: “A economia circular, hoje em dia, é um imperativo. Não podemos fugir disso. Temos de gastar menos, produzir mais eficientemente e, depois, no final disto tudo, ter muito menos resíduos.”
A COTEC Portugal apresenta a TMG Automotive como uma empresa pioneira na circularidade. É algo que se torna evidente nas palavras de Isabel Furtado: “Em cada passo que nós fizermos de poupança, quer de matéria-prima, quer de produtos e desperdícios durante processo de fabrico, quer desperdício no fim, não só poupamos dinheiro mas, também, tornamos a economia muito mais amiga do ambiente. Isso é fundamental se quisermos ter uma economia sustentável”, avisa.
É “difícil” estimar quanto poupa a TMG Automotive com estes princípios, até porque “a produção”, no geral, mantém-se linear. “Circularmente, conseguimos em cada fase da produção, reaproveitar. E eu posso dizer que, neste momento, nós conseguimos economizar mais de 90% do nosso solvente. Quase acima, diria mesmo, de 95%”, garante. No fundo, “o importante é usar menos e, em cada fase, fazer uma economia circular. Não é deixar para o fim que tudo seja resolvido. Não. Em cada fase de fabrico, que não um fabrico linear, é tentar fazer ali o loop e tentar não passar à fase seguinte nem mais um bocadinho do desperdício que é completamente a mais”, conclui Isabel Furtado.
O importante é usar menos e, em cada fase, fazer uma economia circular. Não é deixar para o fim que tudo seja resolvido.
A economia circular é um tema que começa agora a entrar no mainstream. A mudança passa muito pelas empresas, que deverão adotar novos padrões de produção sem baixar o nível de consumo, como alertou Jorge Portugal, diretor-geral da COTEC Portugal, na intervenção que fez no encontro desta sexta-feira, junto dos homólogos de Espanha e Itália. Os decisores políticos também já estão a par do conceito, algo visível pela presença de Marcelo Rebelo de Sousa em Madrid, assim como do ministro da Economia, Manuel Caldeira Cabral.
Garantia que, de resto, já tinha sido dada ao ECO pelo presidente da COTEC Portugal, Francisco de Lacerda, numa entrevista sobre economia circular e de antecipação do encontro na capital espanhola. Agora, para desencadear e acelerar a transição, deverão surgir, em breve, políticas concretas, nomeadamente programas com o apoio público. É uma questão de esperar… mas não muito: a exploração de recursos está acima dos limites e o planeta anseia por medidas urgentes. Principalmente, medidas que tenham um verdadeiro impacto na sustentabilidade dos recursos disponíveis.
O ECO viajou para Espanha a convite da COTEC Portugal.
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Economia circular, “o tema dos próximos tempos”
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