Sem orientação dos serviços centrais, a Função Pública tem para onde se virar: a Internet onde colegas trocam dicas. Conheça os pequenos universos paralelos aos corredores do emprego no Estado.
Acompanhar as notícias, o Diário da República, os concursos e as listas de contratações, as reivindicações dos sindicatos e as propostas do Governo: fazia falta um portal centralizado para o funcionário público se manter a par das mudanças que “todos os dias, todas as semanas” são publicadas ou divulgadas por vários meios. É o que dizem algumas das pessoas que decidiram fazer algo acerca disso com o que tinham à mão: blogues e páginas de Facebook.
“Foi uma forma que arranjei de me concentrar”, afirma o criador do blogue Assistente Técnico, que prefere dar-se a conhecer pelo nome da sua plataforma. O blogue era um espaço onde juntava a documentação e legislação que ia sendo publicada, principalmente acerca da sua área, a educação, para mais tarde a poder encontrar. Por passa-palavra, os colegas começaram a usar o blogue para encontrar aquilo de que precisavam, e a enviar o link a outros, até chegar às oito mil visitas diárias que hoje regista. “É muito mais rápido encontrar ali uma informação atualizada ou um procedimento do que obter respostas dos serviços centrais, que deviam ter uma área reservada para nós e não dispõem de uma”.
O Assistente Técnico não é o único blogger da Função Pública com milhares de seguidores atentos. Os enfermeiros e profissionais de saúde — mais de 30 mil só no Facebook — acompanham atentamente A Enfermagem e as Leis, e os professores, ao ritmo de 20 mil visitas por dia, leem o Blog DeAr Lindo para saber o que há de novo na profissão.
Os três blogues, simples em design e estrutura, têm várias coisas em comum: a intenção de criar bases de dados totalmente pesquisáveis por temas, uma escrita clara e polvilhada de hiperligações para aprofundar este e aquele assunto, e uma base de leitores atentos que partilham dúvidas e ajudam a esclarecer o que por vezes fica ambíguo no texto de uma lei ou num procedimento.
? A importância de uma profissão informada
“Não somos nada sem os nossos seguidores”, afirma ao ECO o criador de A Enfermagem e as Leis, o enfermeiro e jurista Duarte Leal. “Temos uma relação de grande cumplicidade com eles. O que todos destacam é precisamente a utilidade, que se prende sobretudo com a atualização legislativa, as normas das instituições, e com os concursos”.
Um enfermeiro informado é alguém que se sabe defender e que defende melhor a sua profissão. O utente é o primeiro a beneficiar de um enfermeiro seguro de si. Todos saem a ganhar.
Duarte Leal começou A Enfermagem e as Leis, primeiro como página de Facebook e depois como blogue, há três anos. O enfermeiro tinha “contacto quotidiano com o Diário da República”, e decidiu testar se a publicação das atualizações no Facebook interessaria aos colegas de profissão. O blogue surgiu pouco depois, para poder criar uma base de dados “de acesso público, pesquisável e indexável”, e ainda como forma de contornar o facto de que muitas instituições de saúde bloqueiam o acesso ao Facebook através das suas redes, conta o enfermeiro.
A Enfermagem e as Leis é atualizado diariamente por um núcleo duro de enfermeiros que colaboram no blogue, um trabalho que pode chegar a várias horas diárias. Agrega em si a informação publicada que é relevante para as profissões da saúde. Para Duarte Leal, “é essencial informar a Enfermagem em assuntos jurídicos e normativos”. E acrescenta: “Um enfermeiro informado é alguém que se sabe defender e que defende melhor a sua profissão. O utente é o primeiro a beneficiar de um enfermeiro seguro de si. Todos saem a ganhar”.
Também os professores que procuram o Blog DeAr Lindo de Arlindo Ferreira encontram lá informação sobre legislação e iniciativas que os afetem, incluindo exigências ou novas declarações da FENPROF, análises estatísticas das colocações, e até notas sobre conferências ou lançamentos de livros que possam interessar.
Para o criador deste blogue que conta já com mais cinco colaboradores, os seus seguidores não procuram apenas saber a atualidade, mas podem até abordá-lo para que publique sobre um determinado assunto para ele receber atenção dos media ou dos responsáveis no Governo, tal é a influência deste espaço que já atingiu 200 mil visualizações num só dia. “Se há um problema, há pessoas que me procuram porque entendem que, publicando, o problema fica resolvido”, conta ao ECO. “Acontece com muita frequência”.
? Um sistema central que não ajuda
“O apoio técnico que temos é quase nulo”, diz ao ECO o autor do blogue Assistente Técnico. “Tanto por parte de direções gerais como das próprias chefias”. Para este blogger, o trabalho importante não é apenas aquele que faz com as suas publicações, mas também o que acontece quando responde às perguntas que lhe enviam por email ou quando os leitores comunicam entre si numa janela de chat. “É mais prático pedir a outro colega que já tenha passado pelo mesmo do que conseguirmos um esclarecimento do Ministério ou da Administração Pública”, acrescenta. O ECO enviou uma pergunta ao Ministério das Finanças, que tem a tutela da Administração Pública, para saber que respostas teria para os funcionários públicos nesta situação, mas não obteve resposta.
"É mais prático pedir a outro colega que já tenha passado pelo mesmo do que conseguirmos um esclarecimento do Ministério ou da Administração Pública.”
É uma perspetiva partilhada por Arlindo Ferreira. “O problema é que os serviços centrais da Administração Pública estão muito espalhados, e é preciso complicar muita informação que está dispersa”, afirma, sobre a utilidade do Blog DeAr Lindo para os professores e outros funcionários públicos que acompanham. Além de agregar as informações novas — desde publicações no Diário da República até convocatórias para greves passando pelas notícias mais recentes no setor publicadas em jornais — este blogue ainda oferece uma outra mais-valia, que “ninguém faz”.
“O Ministério Público tem listas de colocações e limita-se a dar uma nota de imprensa com as suas colocações”, explica Arlindo Ferreira. “Aquilo que fazemos é trabalhar todos os dados, todas as colocações que vão saindo todas as semanas, para dar um panorama claro em cada grupo de recrutamento…” Foi, na verdade, na área dos concursos que o blogue começou a ganhar reconhecimento. “Fazia falta na área dos concursos, nessa altura as listas de colocações não eram públicas, algumas delas, e comecei a dedicar-me mais a essa área”, lembra o blogger.
Mas as queixas mais sinceras de falta de orientação vinda dos serviços centrais são as feitas pelos leitores nas caixas de chat disponíveis tanto no Blog DeAr Lindo como no blogue do Assistente Técnico. Chegam a estar entre 200 e 300 pessoas online, quase todo o dia, em cada uma destas aplicações de mensagens instantâneas. Questionados pelo ECO, os leitores não hesitaram em apontar a falta de informação como uma das razões que os leva a recorrer aos blogues e chats: “O Ministério da Educação e Ciência já foi tempo em que nos ajudava. ? Agora deixa muito a desejar”, respondeu um leitor. Outro foi mais trocista: “Se estivéssemos à espera das orientações dos Srs. Drs. lá de cima… ui ui. Se existem outras ferramentas devem estar arrumadinhas nos arquivos do MEC…”.
? O papel da comunidade
“Muitos leitores desconhecem que a plataforma de chat é paga”, explica o Assistente Técnico. “Mas tenho suportado nos últimos anos esse custo, porque acaba por ser uma mais-valia. Também adquiro conhecimentos com isso”, acrescenta. Ao longo do dia, estas salas informais para conversa anónima na Função Pública vão-se acendendo e apagando com dúvidas e os esclarecimentos possíveis dos colegas. Como se calculam os créditos? Um recibo de consulta enviado por email serve para a ADSE? Alguém tem este ficheiro que me possa enviar? “No chat é instantâneo: se temos uma pergunta rápida, os colegas resolvem”, conclui o blogger.
“Também me chegam relatos de que as chefias não veem com bons olhos este tipo de plataformas. Preferem enviar um ofício para a Administração Central e aguardar um mês ou dois que exista uma resposta oficial”, continua o Assistente Técnico.
Questionado sobre se é o desagrado das chefias que o faz querer permanecer anónimo, o Assistente Técnico afirma que, embora atualmente não tenha problemas com os seus superiores devido ao trabalho paralelo no blogue, “uma futura chefia pode não entender isso assim”, e que o anonimato o coloca em pé de igualdade com os comentadores do blogue a quem dá o mesmo privilégio. Talvez mais importante do que isso é o facto de que o blogger partilha por vezes informação que “não é pública ainda”, o que poderia levar a repercussões. Considera, no entanto, que o trabalho que desenvolve é importante para manter os seus seguidores informados e, também, para aprender com eles.
"O blogue é uma excelente ferramenta para troca de conhecimentos. Aqui informa-se, tira-se dúvidas, tenta-se uniformizar os procedimentos, etc… etc… Essencialmente, partilha-se. ”
Todos os bloggers valorizaram o papel dos leitores, seguidores e comentadores no trabalho que realizam. Para Duarte Leal, de A Enfermagem e As Leis, o papel deles é indispensável: “Dão-nos ânimo e força, enviam sugestões, apontam coisas que nos escaparam e erros a retificar, e partilham os conteúdos — é uma ajuda fundamental!”.
O enfermeiro e jurista afirma que a equipa que trabalha no blogue também ajuda a resolver dúvidas específicas, por mensagem privada, com algumas exceções. “Quando são coisas para advogados, sindicatos, ordens profissionais e afins dizemos à pessoa que se lhes deve dirigir – sem apontar um advogado ou sindicato específico entenda-se: a pessoa saberá decidir isso e não queremos ficar envolvidos”, afirma.
O melhor resumo é mesmo de um dos utilizadores do chat do Assistente Técnico, que disse ao ECO: “O blogue é uma excelente ferramenta para troca de conhecimentos. Aqui informa-se, tira-se dúvidas, tenta-se uniformizar os procedimentos, etc… etc…”, e completou: “Essencialmente, partilha-se”.
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Os três blogues salva-vidas do funcionário público
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