A (verdadeira) história da venda do Novo Banco
Um ano depois do início da venda do Novo Banco, há um candidato firme - o Lone Star - e outro que ainda não apresentou uma proposta vinculativa, o consórcio Apollo/Centerbridge.
Agora é que é, porque o calendário está a apertar, e agosto é a data-limite para evitar uma liquidação forçada e imposta pelo BCE. A venda do Novo Banco entrou, definitivamente, na fase decisiva, depois da escolha do Lone Star como principal candidato e do esforço do consórcio Apollo/Centerbridge na 25ª hora e que, ainda hoje, reuniu com Sérgio Monteiro num encontro ‘high level’. Aos candidatos foram comunicadas as duas condições essenciais para encerrar a operação: a celeridade no fecho das propostas revistas e melhoradas e sem a exigência de garantias de Estado.
Como o ECO tinha revelado em primeira mão, um ano depois do início deste concurso, o governador Carlos Costa e Sérgio Monteiro escolheram o fundo Lone Star como principal candidato por uma única razão, tão simples como prosaica. É, hoje, o único que preenche as exigências (quase todas) do Banco de Portugal – a autoridade de resolução com competência para negociar esta operação – de acordo com o mandato definido pelo governo na sequência do acordo com a Comissão Europeia. Apresentou uma proposta vinculativa e fez prova dos fundos necessários para a realizar, embora exija uma garantia de Estado. Além disso, ‘agarrou-se’ à data de 4 de janeiro fixada no memorando de entendimento assinado 60 dias antes, a 4 de novembro, para forçar uma decisão do Banco de Portugal. E conseguiu.
O China Minsheng, que ainda está oficialmente na corrida, apresentou a melhor proposta financeira, mas com um ‘pormaior’, revelado em primeira mão pelo ECO: não tem os fundos disponíveis e já ninguém acredita que os conseguirá ter.
Já no caso da Apollo/Centerbrige, ‘acordou’ para a operação no final do ano, especificamente no dia 30 de dezembro, quando percebeu que os chineses estavam fora de jogo, e pôs todo o ‘empenhamento’ nas negociações. Segundo apurou o ECO, já no último dia do prazo, precisamente a 4 de janeiro, horas antes do conselho administração do Banco de Portugal que comunicou o favoritismo do Lone Star, o consórcio melhorou a proposta. E fez saber que está disponível para retirar a exigência de uma garantia pública.
Então, porque é que não foi o escolhido? Porque a sua proposta não é ainda vinculativa e está pendente de uma due diligence que não terminou. Aliás, os esforços do consórcio foram também no campo mediático, ao ‘recorrerem’ a um empresário português – Tiago Violas – que emprestasse a bandeira de Portugal. O ECO sabe que o Banco de Portugal não foi ainda notificado de qualquer alteração ao consórcio Apollo/Centerbrige. Certo é que conseguiram o que queriam, ganhar tempo.
O Banco de Portugal e a equipa de Sérgio Monteiro já sabiam, desde o início do processo, que o Governo não queria o envolvimento de dinheiro público na operação de venda do Novo Banco, e foi isso que disseram a todos os candidatos. Mas o ministro das Finanças, agora, em entrevista ao DN e TSF, foi mais longe, ou mais claro, e afirmou que não aceitaria uma proposta que implicasse garantias de Estado. É a linha vermelha que (também) contribuiu para o adiamento, por mais algumas semanas, desta negociação.
Uma fonte conhecedora do processo afirmou ao ECO que “se não houvesse esta linha vermelho, o Lone Star estaria em condições de assinar o contrato de venda no dia seguinte ao fecho da negociação“, isto para provar que em simultâneo com as negociações financeiras, correm também as discussões jurídicas e contratuais, sempre complexas nestes contratos. Para não se perder tempo.
De qualquer forma, o Lone Star estará disponível para negociar ‘a linha vermelha‘ do governo. Uma fonte conhecedora do processo afirmou ao ECO que “o grande desafio é saber o que fazer com os ativos tóxicos que ficaram no Novo Banco depois da resolução do BES. Terá de se chegar a um acordo que minimize as perdas“, insiste. E os responsáveis do Lone Star não afastam a hipótese de deixar cair as garantias.
Na verdade, o que os dois consórcios colocaram em cima da mesa foi a exigência de uma garantia do Fundo de Resolução, o dono do Novo Banco, e uma contra-garantia do Estado. Ainda assim, para efeitos de impacto nas contas públicas, esta nuance é irrelevante, porque o Fundo de Resolução é um organismo que integra as Administrações Públicas e, por isso, afeta o orçamento contabilísticamente no caso da garantia do Fundo de Resolução, e de tesouraria se a contra-garantia de Estado, vier a ser utilizada. Mas o risco existe, e não é pequeno tendo em conta o histórico.
O Novo Banco recebeu, aquando da sua criação, em agosto de 2014, um capital de 4,9 mil milhões de euros e, desde então, já se acrescentaram mais dois mil milhões dos obrigacionistas séniores – que passaram para o BES mau em dezembro de 2015 -, entre outros ‘bolos financeiros’, como as provisões dos lesados do BES e o ‘investimento’ do Goldman Sachs, que está em tribunal. A fatura de capital continua a aumentar, também por exigências prudenciais do BCE. Por exemplo, o rácio de capital relevante para efeitos de avaliação estava nos 8% em dezembro de 2015 e hoje estará, segundo várias fontes, nos 12%. Ora, cada ponto vale, no caso do Novo Banco, cerca de 400 milhões de euros a mais no capital. E os créditos associados aos impostos diferidos vão implicar, até final de 2018, mais 2,8 pontos de capital.
Portanto, além do que oferecer ao Fundo de Resolução para comprar o Novo Banco, e que os dois candidatos terão fixado entre os 350 e os 700 milhões de euros, o futuro dono vai ter também de injetar capital, pelo menos de 750 milhões. E de onde surge este valor? É o montante implícito do plano de negócios desenhado ainda pela equipa de Stock da Cunha em abril de 2016 e depois ratificado por António Ramalho, o atual presidente do Novo Banco.
Agora, os dois concorrentes querem garantias para cobrir o risco associado ao chamado ‘side bank’ do Novo Banco, ou seja, os ativos não rentáveis que estão no balanço por cerca de nove mil milhões de euros. Os ativos que estão no ‘side bank’ – nomeadamente os imobiliários – valerão menos do que o que está ‘nos livros’, mas existem colaterais para os garantir. Ora, o que o Lone Star e o Apollo/Centerbrige querem assegurar é que a diferença entre o valor de mercado do ativo – imobiliário ou outro – e o colateral que serve de garantia ao empréstimo concedido. As garantias existirão sobre a totalidade do ‘side bank’, o que fica em risco para os contribuintes é a diferenças entre aqueles dois valores.
Tudo somado, o que acontece se os dois candidatos não desistirem das garantias públicas? Ninguém no Banco de Portugal dá a resposta. Os balanços far-se-ão no fim, até a comparação com a operação falhada de venda do Novo Banco no final de 2015. A nacionalização, claro, também está aí ao virar da esquina e, neste momento, todos os incentivos, os políticos, os económicos e os financeiros, apontam para aí. No final do dia, António Costa é que vai decidir.
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