Zero. A nova taxa dos depósitos a prazo
De queda em queda, as taxas das aplicações a prazo dos bancos estão praticamente em zero. É uma realidade nos grandes bancos que está a alastrar-se para os mais pequenos. Alternativas? Há, mas poucas.
Poupar? Sim, é preciso. Mas é cada vez mais difícil encontrar um lugar seguro para o dinheiro que se vai amealhando com uma taxa minimamente atrativa. Os juros das tradicionais aplicações a prazo estão em queda há já algum tempo, mas nunca estiveram tão baixos como agora. Em alguns bancos, o dinheiro a prazo já não rende mesmo nada. Bem-vindo à nova taxa dos depósitos a prazo: zero.
Se em plena “guerra de spreads” foi possível contratar crédito à habitação com spreads de zero, também houve momentos em que a banca “lutava” pelas poupanças dos portugueses. Foi na célebre altura dos “super-depósitos”. As taxas chegaram a 5% e 6%, sendo que a taxa média mais elevada alguma vez registada foi de 4,53%. Foi há mais de cinco anos, mas desde então as taxas não pararam de cair. Baixaram dos 4%, dos 3%, 2% e até de 1%.
Juros dos depósitos em queda acentuada
A taxa média praticada pelos bancos está em 0,34% (dados de novembro do Banco de Portugal), o nível mais baixo de sempre. É o resultado da política de taxas extremamente baixas implementada pelo Banco Central Europeu, que atirou os juros para baixo de zero. Os bancos não podem cobrar pelos depósitos, mas podem não dar nada pelas poupanças. Essa realidade começou com o BPI, já em novembro de 2015, mas está a acentuar-se.
A CGD, o banco que mais cortou as taxas de juro nas aplicações a prazo no último ano, vai, em breve, acentuar a descida nas taxas, com alguns dos produtos a passarem para zero de remuneração. Já o BCP, o segundo maior banco do sistema financeiro nacional a seguir ao banco do Estado, prepara-se também para colocar alguns depósitos com taxas de 0,01%.
Melhores ofertas com taxas de quase zero
“A tendência é remunerar perto de zero”, diz Filipe Garcia ao ECO. “E só não será abaixo por imposição legal”, uma vez que a taxa de remuneração de um depósito não pode, em quaisquer circunstâncias, ser negativa, de acordo com o regulador do setor, lembra o economia da Informação de Mercados Financeiros (IMF).
É possível que a tendência [de juros zero nos depósitos a prazo] continue a alastrar-se. As taxas de juro dos depósitos têm-se movimentado em linha com as taxas de juro de referência do BCE e não há expectativas de que estas venham a aumentar tão cedo.
Entre os grandes bancos, as taxas para aplicações a um ano variam entre… zero e 0,15%, antes dos cortes previstos — só o Novo Banco destoa, com um juro bruto anual de 0,5%. Mas mesmo os bancos mais pequenos já não dão juros muito atrativos. “Os bancos de menor dimensão têm vindo, paulatinamente, também a convergir as taxas de depósitos para valores mais baixos e perto de zero”, refere Filipe Garcia.
“É possível que a tendência [de juros zero nos depósitos a prazo] continue a alastrar-se”, salienta Paula Gonçalves Carvalho. “As taxas de juro dos depósitos têm-se movimentado em linha com as taxas de juro de referência do BCE e não há expectativas de que estas venham a aumentar tão cedo”, nota a economista-chefe do BPI ao ECO.
"Nesta altura, para a maioria dos portugueses, é mais importante estar atento ao comissionamento a que estão sujeitos (ao que pagam) do que às taxas de depósito (o que recebem).”
Mesmo bancos como o Bankinter dão taxas de 0,1%. O BBVA dá 0,15%, sendo comum juros de 0,2% ou 0,3% — mesmo o Banco CTT, há pouco tempo no mercado, dá 0,35%. São juros muito baixos que não pagam, nem de perto nem de longe, o aumento do custo de vida estimado para este ano. O Governo prevê que a a inflação atinja os 1,5% em 2017. Nem mesmo o único depósito que dá mais de 1%, do Banco Invest (1,75%), impede que se perca poder de compra.
“Nesta altura, para a maioria dos portugueses, é mais importante estar atento ao comissionamento a que estão sujeitos (ao que pagam) do que às taxas de depósito (o que recebem)”, nota Filipe Garcia. É que se os depósitos pagam muito pouco, as comissões estão cada vez mais altas. Ter uma simples conta à ordem custa dezenas de euros ao ano.
À procura das taxas… no Estado
A remuneração oferecida nos depósitos a prazo é de tal forma baixa que os aforradores estão a preferir ter o dinheiro disponível na conta à ordem. No final do ano passado, os valores à ordem ascendiam a 43.302 milhões de euros, um recorde. 30,5% dos depósitos detidos pelos portugueses não têm qualquer remuneração. Já os montantes em depósitos a prazo ascendiam a 98.657 milhões de euros, o valor mais baixo desde agosto de 2011.
O montante aplicado em depósitos voltou a crescer no ano passado, mas a um ritmo mais lento. No final do ano, as famílias tinham um total de 142.222 milhões de euros junto dos bancos, segundo dados do Banco Central Europeu (BCE). Ou seja, mais 2.048 milhões face aos 140.174 milhões que estavam depositados no final de 2015, essencialmente em resultado do aumento dos valores à ordem.
O saldo dos depósitos cresceu, menos de metade do registado no ano anterior. Por seu lado, o Estado viu disparar o montante aplicado pelas famílias nos seus produtos de poupança. Captou quase sete mil milhões de euros, contando com um grande empurrão das Obrigações do Tesouro de Rendimento Variável (OTRV). Só com este produto obteve 3.450 milhões de euros nas três operações lançadas durante o último ano.
Estado bate bancos
“O sucesso das emissões de OTRV e outros produtos de poupança do Tesouro, como os Certificados do Tesouro Poupança Mais (CTPM), são reflexo da busca de alternativas por parte dos portugueses”, diz Filipe Garcia. “Não há muito mais alternativas com as mesmas características e as famílias apreciam a flexibilidade dos depósitos“, acrescenta.
Há esse apetite crescente por outros produtos, mas a fuga de depósitos não deverá ser uma realidade. “Atendendo às alternativas de aplicação, com risco idêntico, não me parece que exista esse risco”, refere Paula Gonçalves Carvalho. E se “o setor precisar de depósitos poderá sempre subir as taxas”, remata Filipe Garcia.
“Mas caso ocorresse um movimento de redução dos depósitos, o setor está hoje menos vulnerável do que no passado, pois está menos alavancado”, salienta a economista-chefe do BPI. “Temos vindo a assistir ao encolher do crédito concedido pela banca enquanto os depósitos se mantiveram praticamente inalterados. Em 2010, por cada unidade depositada concedia-se cerca de 1,4 vezes mais crédito. Atualmente a relação é praticamente de um para um”.
Mais juros? Só com risco
Com os depósitos a pagarem nada, ou quase nada, há o Estado que dá em torno de 2% nas OTRV e 2,25% anuais, em média, nos CTPM. Juro mais elevados é difícil de encontrar em produtos sem risco, que são habitualmente os preferidos dos portugueses para as suas poupanças. “Não há muitas alternativas para a mesma classificação de risco, sobretudo até aos 100 mil euros”, nota Filipe Garcia.
“Os produtos de poupança do Tesouro, os depósitos especiais (estruturados) e os fundos de investimento mais defensivo são as alternativas a considerar, todos com características diferentes, nomeadamente ao nível da rentabilidade, garantias e liquidez”, aponta o economista da IMF. Os fundos de tesouraria foram, de resto, a categoria que mais dinheiro captou no último ano, mas não evitaram que tivessem saído quase mil milhões de euros da indústria, um máximo desde a troika.
Fundos? Portugueses fogem
“As alternativas escasseiam”, nota Paula Gonçalves. “E quando surgem aplicações com cenários de rentabilidade que descolam do zero, tipicamente não têm retorno garantido ou têm implícito um maior risco associado”, alerta. “Por isso, ou se aceitam taxas de rendibilidade muito baixas, ou se opta por assumir um perfil de risco um pouco mais agressivo, diversificando a carteira para produtos sem retorno garantido”. Sejam ações ou fundos de ações, sejam obrigações de empresas mais arriscadas, ou fundos mistos.
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