Precários no Estado: quantos são e onde estão os contratos temporários?
Relatório diz que ainda "não é possível identificar em concreto qual a dimensão da precariedade" no Estado e já justifica alguns contratos de natureza temporária.
São cerca de 90 mil os trabalhadores que exercem funções na administração central e no setor empresarial do Estado através de contratos a prazo, prestação de serviços, estágios, bolsas ou Contratos Emprego-Inserção. O Governo já se comprometeu a avançar com um programa de regularização extraordinária de vínculos precários, mas também já avisou que nem todos os contratos temporários são injustificados.
O relatório que faz o levantamento de instrumentos de contratação temporária no Estado foi revelado na sexta-feira mas diz que ainda “não é possível identificar em concreto qual a dimensão da precariedade existente”, na medida em que “a sua identificação estará associada à indevida utilização dos instrumentos contratuais“. “Tal avaliação só poderá ser feita com precisão no contexto de cada serviço”, acrescenta. Ainda assim, o relatório já encontra justificação para várias situações.
Até ao final de março, deverá ser feita uma análise detalhada de cada caso. E os serviços também têm de avaliar as necessidades futuras de emprego.
De acordo com o Orçamento do Estado, o programa de regularização de vínculos deve ser apresentado ainda neste trimestre. Em regra, a integração de precários nos quadros da Administração Pública será feita por concurso. E sendo esta uma possibilidade aberta a todos, a colocação do trabalhador precário não está completamente garantida. Mas o OE já sublinha que será especialmente valorizada “a experiência de quem ocupou o respetivo posto de trabalho”.
O processo de regularização também pode ser estendido à administração local mas, neste caso, a decisão cabe à autarquia. Ainda assim, o relatório também analisa esta realidade: entre autarquias e setor empresarial local, contam-se cerca de 27 mil vínculos de natureza temporária.
Quantos são os vínculos temporários na Administração Pública?
Contratos Emprego-Inserção
Através dos Contratos Emprego-Inserção (CEI) ou Contratos Emprego-Inserção + (CEI+), os beneficiários de subsídio de desemprego ou Rendimento Social de Inserção são colocados a desempenhar, por um período máximo de 12 meses, atividades ligadas a necessidades sociais.
O relatório conclui que, pelas características destes vínculos, “a ocupação temporária que resulta deste instrumento não pode corresponder a necessidades permanentes dos serviços”. E nota que os CEI atingiram em 2016 o número mais baixo desde que a medida foi regulada, em 2009.
Em junho de 2016 existiam 1.834 CEI e CEI+ na Administração Central, com destaque para os 789 em institutos públicos (que excluem unidades hospitalares e de ensino e investigação). Praticamente todos estes contratos são financiados por fundos comunitários e receitas próprias.
Contam-se ainda 295 CEI e CEI+ em entidades públicas empresariais do SNS e quase 13 mil na administração local e no setor empresarial local.
Estágios remunerados
Tanto a administração central como a local contam com programas de estágios profissionais (o PEPAC e o PEPAL, respetivamente). O Ministério dos Negócios Estrangeiros também tem um programa de estágios nas embaixadas e consulados, existindo ainda outras iniciativas na área da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
Na administração central existiam 793 estágios remunerados em junho, sobretudo na área da Justiça, Trabalho e Segurança Social e ainda Ciência e Ensino Superior. Já as autarquias e o setor empresarial local registavam 1.049 estágios remunerados.
Bolsas de investigação
O relatório considera as bolsas de pós-doutoramento, de investigação, de gestão de ciência e tecnologia e as bolsas de técnico de investigação.
Na administração central contam-se 3.662 bolsas, a grande maioria em unidades orgânicas de ensino e investigação. Cerca de 33% das bolsas são exclusivamente financiadas por receitas próprias, mas os fundos comunitários e o orçamento do Estado também assumem um papel importante.
Prestação de serviços
A prestação de serviços pressupõe uma quase total autonomia do trabalhador em causa e a obtenção de um resultado num determinado período de tempo. De acordo com a Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, a prestação de serviços assume as modalidades de tarefa (no caso de trabalhos específicos e excecionais) ou avença (quando estão em causa prestações sucessivas no âmbito de profissões liberais, com retribuição certa mensal).
Na administração central, existiam, em junho de 2016, mais de nove mil prestadores de serviços (a maioria na modalidade de tarefa). Só a área governativa do Trabalho e Segurança Social abrangia quase metade: 4.460. De acordo com o relatório, a maioria destes contratos — 3.888 — diz respeito a formadores do Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), “entre os quais cerca de 400 com horário completo, considerando-se para o efeito uma média de 30h semanais”. “Importa referir que se requer que as ações formativas sejam flexíveis e ajustáveis às variações conjunturais do mercado de emprego e às dinâmicas empresariais, pelo que se exige do perfil ou habilitações dos formadores a mesma adaptabilidade”, acrescenta.
Há também 200 profissionais que asseguram atividades de suporte e acompanhamento à formação. E existem ainda outras “atividades conexas que, pela sua natureza, são apenas passíveis de executar com recurso a contratos de prestação de serviço, como as atividades de membro de júri de certificação de competências ou de avaliação de provas de aptidão profissional, conceptor de provas, mediador de cursos de formação, cuja necessidade de contratação tem que ser ajustado ao número variável de formandos, de ações a desenvolver e de processos de reconhecimento, validação e certificação de competências”, alerta desde já o relatório.
Já os 307 avençados nesta área governativa dizem respeito a pessoal médico contratado no âmbito dos serviços de verificação de incapacidades (nomeadamente baixas).
Além da área do Trabalho e Segurança Social, há ainda um conjunto de entidades sem fins lucrativos que contabilizam 1.140 prestadores de serviços. Segue-se a área da Ciência e Ensino Superior (631). Aqui “existem diversos contratos de prestação de serviços que titulam situações de muito curta duração e de carácter pontual ou ocasional, que não configuram a satisfação de necessidades permanentes das instituições da área governativa Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, nem são suscetíveis de gerar relações jurídico-laborais, como é o caso, designadamente, da contratação de especialistas e profissionais que prestam a sua colaboração como oradores em seminários e palestras, ou preletores ocasionais de determinada temática, no quadro das atividades da instituição, designadamente de ministração dos respetivos graus académico”, diz o relatório.
Outros Ministérios também têm direito a explicações mais detalhadas. Nos Negócios Estrangeiros, o documento dá conta, por exemplo, da situação da Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), com 22 prestadores de serviços, “cujas contratações foram motivados pelo aumento de solicitações decorrentes do Programa Portugal 2020, de solicitações dada a integração da AICEP, EPE, no perímetro do Estado em janeiro de 2015” ou da necessidade de apoio no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras no âmbito dos “Vistos Gold”.
Na Defesa, são justificados, por exemplo, 244 contratos com a “insuficiência de recursos” do Hospital das Forças Armadas. Administração Interna, Economia e Saúde também avançam algumas explicações. Ainda no âmbito da administração central, na Saúde existiam 478 prestadores de serviços em junho. Apontando para a “exiguidade dos médicos existentes”, o relatório acrescenta que estão em causa, “maioritariamente, funções destinadas a assegurar o funcionamento de serviços de urgência”, notando assim que “o recurso ao regime de prestação de serviços acaba por constituir a única forma de os serviços poderem garantir a prestação de cuidados de saúde que, nos termos da Constituição, incumbe ao Estado assegurar”.
Já o setor empresarial do Estado — abrangido pelo Código do Trabalho, que também critérios para determinar a existência de contrato de trabalho — contabilizava 3.818 prestadores de serviço em junho. Acrescem 5.772 nas autarquias e 551 no setor empresarial local.
Contratos a prazo
Os contratos a termo resolutivo destinam-se a satisfazer necessidades temporárias. São admitidos, por exemplo, para substituir um trabalhador de baixa ou quando há um acréscimo excecional de atividade. Na Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas, os contratos a prazo nunca se convertem em permanentes. Já o Código do Trabalho (que abrange o setor empresarial do Estado) prevê esta possibilidade.
São quase 56 mil os contratos a termo na administração central. Só a Educação abrange quase 47% deste total. “Trata-se especialmente de docentes nos estabelecimentos de ensino básico e secundário, contratados por períodos específicos ou por um ano letivo, ao abrigo do regime especial previsto no estatuto da carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário”, argumenta o relatório.
Segue-se a Defesa, com 12.771 contratos a prazo. Quase todos correspondem “a efetivos militares que prestam serviço nos ramos das Forças Armadas em regime de voluntariado (RV), em regime de contrato (RC), e em regime de contrato especial (RCE)”, continua o relatório. Embora estejam em causa vínculos a termo, “não podem ser consideradas como relações laborais precárias no seio da AP [Administração Pública], em especial no seio das Forças Armadas ou nos outros serviços da área da Defesa Nacional, mas sim, um instrumento de recrutamento devidamente regulado e indispensável e idóneo para assegurar o bom funcionamento e cumprimento das missões das Forças Armadas”, realça o documento.
Ciência e Ensino Superior contam com mais de 11 mil contratos a termo, 20% do total. E o relatório explica: “refere-se a docentes do ensino superior universitário e do ensino superior politécnico contratados por períodos específicos ou por um ano letivo, ao abrigo do regime especial previsto nos estatutos da carreira docente universitária e da carreira do pessoal docente do ensino superior politécnico”.
Já no setor empresarial do Estado existem cerca de 14 mil contratos a prazo, com destaque para entidades públicas do SNS. Acrescem 4.532 nas autarquias e 2.149 no setor empresarial local.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Precários no Estado: quantos são e onde estão os contratos temporários?
{{ noCommentsLabel }}