Caixa: a carta secreta de Domingues para Centeno analisada à lupa
Na carta que enviou ao ministro das Finanças, António Domingues frisa, preto no branco, que a não entrega das declarações foi "uma das condições acordadas" para liderar a gestão da Caixa.
A 15 de novembro de 2016, António Domingues, então presidente da Caixa Geral de Depósitos, escreveu ao ministro das Finanças, Mário Centeno. Domingues queria dar-lhe conta do ponto de situação de dois dossiês: primeiro, do avanço da recapitalização. Segundo, da polémica em torno da entrega das declarações de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional — e das consequências que essa exigência teria para a equipa de gestão.
É neste documento que revela, preto no branco, o entendimento que tinha sido fechado com o Governo sobre esta matéria. É nesta carta que frisa que esta foi uma condição prévia à aceitação do convite para liderar o banco público. O ECO conta-lhe o que vem na missiva, ponto por ponto.
1 – A recapitalização
"Na frente da recapitalização, encerrou-se na passada semana o essencial os trabalhos necessários para a notificação formal à Direção-geral da Concorrência (DG Comp) do investimento do Estado preliminarmente aprovado em agosto deste ano e para a concretização de todas as operações previstas. ”
O presidente da Caixa dá conta do bom andamento do processo de recapitalização do banco público e sumariza os documentos enviados para o gabinete do ministro das Finanças. Diz que enviou a notificação propriamente dita que foi feita à DG Comp, o Plano Industrial — que era uma versão interna, desenvolvida pelas equipas da CGD desde setembro — os Planos Operacionais para a gestão do malparado e do underwriting e o acordo de objetivos fixados com as autoridades europeias. Neste ponto do documento, Domingues frisa que os planos operacionais em causa “preveem alterações substanciais nos processos de gestão de risco de crédito da CGD”.
"Todos estes documentos foram objeto de discussão em detalhe com as equipas da DG Comp, estando já essencialmente validados (incluindo as métricas definidas no pré-acordo de agosto de 2016).”
Domingues mostra agora a Centeno que o processo corre sobre rodas com as autoridades europeias. Estava já tudo pré-validado, faltando apenas fechar as contas de 2016. O presidente da Caixa diz mesmo contar que “as únicas alterações pendentes sejam as resultantes do tratamento das imparidades em 2016” e o “apuramento final do reforço de imparidades”.
"Os próximos passos deste processo passam por executar as primeiras etapas de um conjunto reconhecidamente complexo de operações.”
O presidente da Caixa enumera os passos que se seguem:
- troca da participação da Parpública e dos CoCos por ações da CGD;
- redução de capital para a amortização de resultados acumulados negativos e geração e “distributable assets“;
- injeção de capital em cash pelo Estado (que pode ir até 2,7 mil milhões de euros);
- preparação da emissão do instrumentos híbridos em mercado;
- revisão do valor da carteira de ativos da CGD;
- decisão sobre o reforço de imparidades a realizar em 2016.
Domingues dá conta de que os timings destas operações já foram discutidos, tanto com o BCE como com a DG Comp. E clarifica que a necessidade de adiar para o primeiro trimestre de 2017 a injeção de capital e a emissão dos instrumentos híbridos foi aceite. “Ambos os reguladores demonstraram compreensão pelas motivações subjacentes e acordo para as soluções e calendário propostos”, lê-se na carta.
"Em paralelo, na frente do Plano Estratégico, um número alargado de equipas da CGD tem estado ativamente envolvido na elaboração de planos operacionais par cada um dos “pilares” integrantes do Plano.”
O presidente da Caixa frisa que, “de modo geral”, tem havido “uma grande adesão da organização às prioridades identificadas” e garante que “as equipas da CGD estão já focadas na planificação” das próximas ações.
2 – A polémica das declarações
"É nesta circunstância de rápida progressão em todas as frentes que surge o debate relativamente à declaração de rendimentos e património dos membros do Conselho de Administração. Foi, desde logo, com grande surpresa que vimos serem suscitadas dúvidas sobre as implicações da exclusão dos membros do Conselho de Administração da CGD do estatuto do Gestor Público, concretamente sobre a possível necessidade de envio de tais declarações ao Tribunal Constitucional.”
O presidente da Caixa admite ter ficado surpreendido pela polémica gerada em torno do assunto e faz questão de frisar que a retirada da administração da CGD do estatuto do Gestor Público tinha como consequência, precisamente, a não necessidade de enviar documentação ao Tribunal Constitucional.
"A não sujeição a este estatuto (…) tem, para além do mais, como consequência a não submissão ao dever de entregar no Tribunal Constitucional a declaração de património e consistia, desde o início, uma premissa essencial para o projeto de recapitalização da CGD na ótica do investidor privado, na medida em que permitia — como permitiu — atrair para o projeto uma equipa internacional de profissionais, suscetível de dar as garantias necessárias ao êxito do empreendimento.”
António Domingues expõe as razões que levaram ao compromisso fechado com o Governo para a não entrega das declarações. Frisa que só assim a Caixa poderia ter uma equipa de gestão “internacional” e sublinha que esta era uma das condições acordadas.
"E foi uma das condições acordadas para aceitar o desafio de liderar a gestão da CGD e do mandato para convidar os restantes membros dos órgãos sociais, como de resto o Ministério das Finanças publicamente confirmou.”
Da equipa executiva de António Domingues faziam parte Emídio Pinheiro, ex-presidente do BFA, Henrique Cabral Menezes, vindo do Banco Caixa Geral Brasil, Tiago Ravara Marques, vindo do BPI, Pedro Leitão, que foi administrador da antiga PT, Paulo Rodrigues da Silva, consultor com carreira na Vodafone, e João Tudela Martins, que era diretor de risco do BPI.
É então que Domingues dá conta da notificação que recebeu do Tribunal Constitucional, pedindo as referidas declarações. Garante que cumprirá a lei e que seguirá “a decisão soberana daquele tribunal”, mas avisa que se a obrigação de entregar a informação se mantiver, a equipa de gestão vai desintegrar-se.
"(…) Caso o Tribunal Constitucional decida pela aplicação aos atuais membros do Conselho de Administração da CGD da Lei nº 4/83, obrigando-os em consequência a entregar as respetivas declarações de património, com as atuais regras de divulgação, alguns daqueles membros manifestaram-se a sua intenção de renunciar às suas funções, por considerarem que se encontra alterado um dos principais pressupostos que, na sua avaliação pessoal, era central ao convite que lhes formulei a pedido e em nome de V. Ex.ª.”
Ou seja, Mário Centeno recebeu por escrito, preto no branco, o aviso de que caso o acordo fechado sobre a não entrega da declaração de rendimentos e património fosse furado, a gestão da Caixa cairia. Domingues diz a Centeno que “foi decidido preparar com urgência a documentação necessária” para contestar o pedido do Tribunal e garante que a resposta será enviada aos juízes “no mais breve prazo”, para “encurtar o mais possível o período de incerteza”.
No final, o presidente da CGD assegura que todos os deveres de informação ao Banco de Portugal, Banco Central Europeu e à Inspeção Geral de Finanças foram cumpridos. Do mesmo modo, a informação sobre rendimento e património foi entregue “à guarda do Secretário Geral da Sociedade”, no mesmo formato utilizado para o Tribunal Constitucional. Estes documentos estão “à disposição dos órgãos de fiscalização da sociedade ou outros que nelas tenham legal e legítimo interesse”.
Domingues termina a carta defendendo que a polémica das declarações deve ser mantida “num plano estritamente separado das prioridades de gestão da CGD”, não devendo ser alterada “em nenhuma medida os planos em curso para a implementação do Plano Estratégico e do Plano de Recapitalização.” Garante que o Conselho de Administração, e ele próprio, continuam “profundamente empenhados” no exercício das suas funções, bem como em assegurar “no mais breve espaço de tempo” o aumento do capital social.
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