Viarco: a mais pequena fábrica de lápis do mundo

O edifício está velho a implorar por obras. Lá dentro há prensas de 1907, vestígios de grafiti por toda a parte e toda a produção é feita de forma artesanal. Ainda assim a Viarco fatura 750 mil euros.

Entrar na fábrica da Viarco é um regresso ao passado. A Viarco é uma empresa feita de história. História porque os lápis ali produzidos são “relíquias” tão familiares dos portugueses mas também porque cada máquina, cada canto da fábrica nos transporta para tempos mais distantes. E história ainda porque o edifício está todo por recuperar mas mantém o charme de outrora. “Uma fábrica velhinha do tempo da Revolução Industrial”, diz entre risos, José Vieira, o dono da empresa.

Numa altura em que se discute a industria 4.0, na Viarco tudo é produzido… artesanalmente. Há sujidade nas mãos, nas caras, no chão, nas paredes…há grafite em toda a parte, mas há também muita dedicação a um ofício que poucos acreditavam ser ainda possível. E tudo é inexplicavelmente cativante. Mas vamos por partes.

A Viarco tem mais de um século de vida, foi criada em 1907 ainda com a designação Fábrica Portuguesa de Lápis. Em 1936, Manoel Vieira de Araújo, bisavô de José Vieira — na altura um industrial experiente do ramo da chapelaria e figura importante em S. João da Madeira — compra a empresa. Em 1936, regista a marca Viarco para, cinco anos mais tarde, a deslocalizar para São João da Madeira, para as instalações que ainda hoje mantém.

Mas os tempos áureos foram-se esbatendo com o tempo. A concorrência foi-se tornando mais feroz e, a Viarco perdendo o fulgor de outros tempos. Em 2008, perde também o seu principal cliente à época — o Continente, responsável por 30% do negócio. A par disso, os diversos membros da família não se entendiam quanto ao rumo a dar à fabrica de lápis e fechar portas começava a fazer algum sentido. Mas José Vieira e a mulher Ana, ambos trabalhadores da Viarco, arregaçaram as mangas e ficaram com a empresa. O mesmo é dizer, com 250 mil euros de passivo. E esse não era o único problema que o casal tinha de enfrentar: em 2011, Portugal atravessava uma série crise financeira que culminou com a entrada da troika no país.

José Vieira diz que “foram tempos difíceis”. “O nosso entendimento era que a Viarco era mais do que um negócio. Era preciso olhar para isto como património que se pode transformar num negócio e os outros ramos da família não tinham essa visão“.

Mais de 70% do negócio da Viarco assentava “naquilo que era o regresso às aulas — um milhão de caixas de lápis –, e no fornecimento ao Estado. Quando isso desaparece o negócio desmorona”.

“Era preciso produzir produtos inovadores, iniciar o processo de internacionalização, desenvolver contactos com o exterior”, diz José Vieira, para quem a única certeza “era a de que tínhamos competências para produzir coisas absolutamente espetaculares”.

Temos um ateliê com artistas, uma série de relacionamentos com as indústrias criativas desde o design, a arte, a fotografia. E percebíamos que, quando fazíamos produtos com essas características, podiam ser vendidos em qualquer parte do mundo, sem precisarmos sequer de fazer muito marketing, e sem haver a nostalgia dos lápis da escola primária que se coloca aqui em Portugal.

José Vieira

Viarco

Mas de que produtos estamos a falar?

O dono da Viarco não se faz rogado e remata: “Estamos a falar de uma coisa que começa numa aguarela de graffiti e que foi o primeiro produto a entrar na nossa linha de art graf, uma linha destinada a artistas. Mas que funciona também muito bem como prenda para dar aos arquitetos e, sobretudo, é um produto que está ligado a uma fábrica que é uma espécie de janela para a revolução industrial”.

Hoje a linha art graf pesa cerca de 30% das contas da Viarco.

Uma fábrica…quase museu

“A nossa fábrica não é um museu, mas tem peças de museu dentro da fábrica”, afirma José Vieira com um misto de orgulho e de esperança de um dia conseguir construir ali um verdadeiro museu. “Quando recebemos cá artistas ou os nossos distribuidores, e eles se apercebem que há alto desenvolvimento e alta criatividade num ambiente tão atrasado, isso ainda concede mais valor ao produto”.

Mas a alta criatividade não se estende apenas ao produto. As máquinas são muitas vezes adaptadas à produção de lápis. É o caso de antigos moinhos de café que hoje trituram graffiti. O que estimula a criatividade mas atrasa a produção. E as que não são adaptadas são de…1907.

"Quando recebemos cá artistas ou os nossos distribuidores, e eles se apercebem que há alto desenvolvimento e alta criatividade num ambiente tão atrasado, isso ainda concede mais valor ao produto.”

José Vieira

Dono e administrador da Viarco

O processo produtivo assenta em premissas um pouco diferentes da gestão moderna: “Há uma ideia, vamos ver se essa ideia funciona, se é passível de se fazer e quando é que se faz, e quanto é que o consumidor está disposto a pagar. Não estamos minimamente preocupados com o custo porque todo o nosso desenvolvimento é muito manual, é muito artesanal”.

Talvez por isso, José Vieira diz que há espaço para experimentar. “Podemos testar coisas absurdas porque isso pode ser o início de uma ideia genial e de um processo genial”.

A Viarco não tem um plano anual de trabalho definido. Ali, o trabalho é feito ao ritmo que aparece. “Temos um conjunto de equipamentos e uma linha de montagem e trabalhamos em função daquilo que é preciso fazer. Por isso podemos estar todos uma semana inteira a fazer lápis e, na semana seguinte, começarmos a fazer outra coisa”.

Hoje a Viarco fatura 750 mil euros — mais do que duplicou face a 2011 — e emprega 24 pessoas. E perto de 50% do volume de negócio é oriundo do mercado externo. Estados Unidos, Coreia do Sul, Austrália, Inglaterra, França, Dinamarca, Espanha, Itália, Alemanha, Holanda, Bélgica, Taiwan, China são alguns dos países para onde a Viarco exporta.

Apesar de estar vocacionada para o mercado externo, a Viarco não desvaloriza o mercado nacional, sobretudo com produtos personalizados. “Sempre aconteceu, se calhar um dia até podemos contar a história (a nossa) através dos rótulos publicitários”.

E ainda que, na entrada da Viarco, os rótulos antigos nos façam viajar até outros tempos, hoje a realidade é outra: a empresa produz peças para todo o mundo e, considera José Vieira, tem “um potencial de expansão enorme”. “Fazemos o que os outros não fazem, tanto fazemos lápis grossos como finos”. A aposta na diversificação de produtos tem sido outro dos fatores-chave do êxito: “Quanto mais disperso estiver o risco, melhor”.

Assim é natural encontrar lápis ‘made in’ Portugal, ‘made in Viarco’, em museus como o MoMa, em Nova Iorque, ou o Guggenheim, em Bilbao.

Turismo Industrial

Enquanto o sonho de fazer do complexo onde está a fábrica um museu não se concretiza, a Viarco embarcou noutras aventuras, mais concretamente no roteiro de turismo industrial da S. João da Madeira.

“S. João da Madeira tem um produto que mais nenhuma cidade do nosso país tem: vende entradas na indústria”, diz José Vieira, a rir.

Mas como surgiu este projeto? José Vieira explica: “Estamos no concelho mais pequeno da Europa, não temos serra nem mar, não temos arquitetura. Pois bem: para atrair turistas, S. João da Madeira organizou-se e criou um produto turístico: visitas organizadas às fábricas”.

A Viarco, porque a maior parte das visitas são de estudantes, lidera a lista de visitas. Do programa constam empresas como a Helsar, a Evereste, a Molaflex, a cordoaria nacional de pelo, entre outras.

Para José Vieira, este projeto “permite transformar a fábrica num instrumento de comunicação”. “Põe-nos em contacto com cerca de 30 a 40 mil pessoas — o número de visitantes que já passaram pela Viarco, desde o início do projeto — e ajuda-nos a estabelecer relações emocionais”, esclarece.

Futuro?

José diz que sempre que imagina a reconstrução do espaço pensa em tudo… um museu é certo. “Temos coisas na fábrica que têm de desaparecer da produção porque estão a ocupar espaço. Temos um decantador que deve ter sido ali colocado nos anos 40 e que servia para moer graffiti. Hoje é um cangalho que está a ocupar um espaço terrível mas, para sair dali tem que ser bem tratado, tínhamos que fazer um centro museológico.”

Mas se a longo prazo, José Vieira consegue imaginar a Viarco, num futuro menos distante não é tão fácil: “Consigo imaginar muitas coisas, mas não consigo imaginar o que isto será porque nós temos tantas oportunidades, tantos projetos, tantas possibilidades neste momento em cima da mesa que não sei… A única coisa que sei é que temos muita confiança naquilo que estamos a fazer”.

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