O estado do tempo do Brexit
O ECO analisou a meteorologia dos indicadores económicos do Reino Unido. Qual é o estado do tempo para o futuro? As nuvens dominam o panorama atual: o futuro é incerto entre o sol e a chuva.
Acompanhar a cobertura mediática do Brexit através dos meios de comunicação britânicos é uma tempestade sem claridade. São múltiplas as declarações de responsáveis governativos, os documentos secretos divulgados ou as múltiplas estratégias e cenários que o Reino Unido poderá enfrentar nas negociações com a União Europeia. Ainda assim, esta quarta-feira é dado o primeiro passo claro em frente: Theresa May vai acionar formalmente o Artigo 50 do Tratado de Lisboa, o gatilho para um processo que pode durar dois anos.
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O período pós-referendo foi atribulado, entre a troca de Executivo e as passagens dos documentos pelo Parlamento. Quase um ano depois, ainda não existe muita clarificação, mas os ventos dos mercados têm acalmado, mesmo com a incerteza. A questão que se coloca é se a economia britânica conseguirá resistir às dificuldades meteorológicas das negociações em Bruxelas. Tudo vai depender das linhas orientadoras que o Conselho Europeu der para as conversações, mas também da capacidade de negociação das autoridades britânicas, que já têm feito contactos não formais para acordos comerciais (por exemplo, com a Índia e os EUA).
Tal como a humidade pode causar estragos numa casa, também a incerteza é capaz de corroer uma economia, retirando-lhe os seus melhores ativos — como é o caso da praça financeira da City — e fechando-a num beco sem saída dentro de uma União Europeia com um mercado único forte. Sem esquecer que podem vir aí dias inesperados de precipitação intensa: foi o caso desta terça-feira com o anúncio de que o Parlamento escocês aprovou um novo referendo à independência.
Theresa May é contra, mas a primeira-ministra escocesa está determinada. A ideia da líder escocesa é realizar a consulta popular até à primavera de 2019. Ou seja, se os timings forem cumpridos, a Escócia pode sair do Reino Unido numa altura em que este já não estará na União Europeia. Os escoceses podem depois candidatarem-se a entrar na UE. Este e outros raios podem cair sobre o solo economia britânica. O ECO escolheu sete indicadores para avaliar o estado do tempo do Brexit nas próximas estações:
1 – A economia vai crescer? ☂️
Neste campo cada um tem a sua visão, mas nenhuma é muito animadora para a economia britânica. A Comissão Europeia, por exemplo, prevê uma desaceleração do crescimento económico com 1,5% em 2017 e 1,2% em 2018, refletindo uma visão pessimista do Brexit. Esta visão é partilhada pelo Banco Mundial que também vê uma economia britânica mais parada. Já a OCDE é mais otimista e prevê que o Reino Unido cresça mais do que 2%, alguns anos até quase 3%. Quem também está mais otimista é o Fundo Monetário Internacional que prevê uma subida do PIB na ordem dos 1,9% nos próximos anos. É, contudo, bastante difícil prever como poderá reagir uma economia após uma saída da União Europeia. É a primeira vez que isso acontece. O caldeirão do PIB é influenciado por muitos indicadores que, neste momento, estão mergulhados em demasiada incerteza.
2 – Taxa de juro ⛺
Será que o Banco de Inglaterra, pressionado pelos consecutivos aumentos da Reserva Federal (e quiçá do Banco Central Europeu), vai aumentar a taxa de juro? A resposta mais direta seria que tudo depende de como se comportar a inflação britânica. Aqui as previsões também são divergentes, mas quase todas concordam que o Reino Unido ultrapassará uma inflação anual de 2% muito em breve, principalmente com a influência da subida dos preços dos combustíveis. Tanto o FMI como a Comissão Europeia e a OCDE preveem que em 2018 a inflação atingirá os 2,6%.
O Brexit vai ser não só um duro teste para a libra esterlina, mas também para os próprios bancos que estão neste momento com lucros mais baixos. O Banco de Inglaterra anunciou esta terça-feira que vai submeter os principais bancos britânicos a testes de stress de forma a testar a sua capacidade de ultrapassar uma profunda recessão ou uma grande depreciação da libra. Esta é a preparação que Mark Carney, o governador do Banco de Inglaterra, quer que o sistema bancário inglês ultrapasse para antecipar o impacto da saída da União Europeia.
3 – Comércio internacional ?
É aqui que reside uma das maiores dúvidas relativas a todo o processo do Brexit. Por causa de décadas e décadas de mercado único e relações comerciais fortes, a maioria dos países europeia — como é o caso de Portugal — estão dependentes do Reino Unido. Mas neste caso a relação de dependência é ainda maior para os britânicos que, sem a ligação aos seus vizinhos, ficam mais isolados para fazer trocas comerciais. Ainda que esta perda seja compensada por ganhos em mercados gigantes como o dos Estados Unidos ou mercados em ascensão como o da Índia, isto implica uma mudança de paradigma para as empresas britânicas. E as empresas europeias (incluindo as portuguesas) também terão de se adaptar depois de perderem o país anglo-saxónico com uma língua que abria portas além fronteiras da União Europeia.
4 – Libra desce, desce… ☁️
Segundo os dados da Bloomberg, a libra já desvalorizou 12% desde que no referendo os britânicos votaram para sair da União Europeia. O Reino Unido já tinha a sua independência monetária, controlada pelo Banco de Inglaterra, mas a menor dependência ao euro e aos restantes países europeus poderá fazer com que os britânicos sejam mais agressivos numa possível desvalorização da moeda. Por um lado, uma libra menos valorizada vai penalizar os britânicos que quiserem viajar para outros países. Por outro lado, as exportadoras britânicas poderiam beneficiar dessa diferença dado que os bens ficariam mais baratos para compradores estrangeiros. Num possível cenário em que o Reino Unido não tenha acesso ao mercado único europeu, esta pode ser uma estratégia a adotar por Mark Carney, o governador do Banco de Inglaterra.
5 – Preços das casas ?
O custo da habitação no Reino Unido é dos mais elevados no mundo, principalmente para os cidadãos que vivam em Londres. A cidade continua a ter mobiliário muito valorizado. A medição é feita mensalmente: notou-se um pico em agosto, mês e meio depois do referendo. No entanto, desde aí que os preços das casas têm abrandando a sua valorização. Segundo a Bloomberg, as casas aumentaram de preço 4,8% em fevereiro deste ano. Caso haja menos procura por casa no futuro — se a livre circulação de pessoas não estiver num futuro acordo com a União Europeia — o preço das casas pode vir a descer nos próximos anos, aliviando assim o mercado imobiliário, principalmente o londrino.
6 – Obrigações do Tesouro britânico ☔
As obrigações a dez anos continuam nos níveis pré-referendo. Durante o verão, a yield chegou a descer bastante mas recuperou desde outubro, tendo ficado estável desde então. A 12 de agosto do ano passado as obrigações a dez anos bateram o mínimo de 0,518%, depois de uma trajetória descendente depois do Brexit. Depois desse mínimo, os juros da dívida soberana britânica recuperaram para os valores anteriores ao referendo, absorvendo os riscos da incerteza que todo o processo — ainda oficialmente por começar — trouxe e vai continuar a trazer para os investidores. Esta terça-feira, os juros a dez anos fixaram-se nos 1,192%.
7 – Taxa de desemprego ⛅
Esta é talvez das estatísticas a que mais atenção se dá mensalmente para aferir como é que a economia de um país se está a desenvolver. Aliás, mais do que isso, a taxa de desemprego permite aferir exatamente os efeitos que a evolução da economia está a ter nos cidadãos, nomeadamente na sua capacidade de criar emprego. Desde o referendo a mudança não é significativa, mas indica que pelo menos não faltará emprego aos britânicos: a taxa de desemprego passou de 4,9% em junho para 4,7% no final de janeiro. Contudo, existe risco caso as empresas comecem a abandonar o Reino Unido por causa da incerteza atual: as próprias instituições internacionais têm refletido esse risco nas suas previsões para os próximos anos, prevendo uma subida ligeira da taxa de desemprego em 2018, ainda assim inferior a 6%.
Seja qual for o estado do tempo do Brexit, os responsáveis políticos querem evitar que exista um vazio. Foi anunciada uma saída dura, mas a maioria espera uma transição pacífica. Da embaixadora britânica em Portugal à secretária de Estado dos Assuntos Europeus — contactadas pelo ECO no início deste ano — passando pelas principais exportadoras portuguesas para o Reino Unido, é unânime que a saída do mercado único europeu será acautelada com um acordo que minimize os impactos. A aposta de todos é que não haverá um período de vazio, mas caso exista prevê-se um período coberta por um nublado forte.
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