Fake news já chegaram aos mercados financeiros
Caso da ImmunoCellular Therapeutics, que promoveu artigos em sites de investimento como o Seeking Alpha, provocou prejuízos para os investidores. Reguladores estão atentos às notícias falsas.
A 18 de janeiro de 2012, o site de investimentos Seeking Alpha publicou um artigo favorável sobre a ImmunoCellular Therapeutics, onde salientava que a companhia farmacêutica estava a desenvolver um novo tratamento para o cancro. Só que a peça escondia um detalhe importante. Foi paga pela própria empresa ao autor Vincent Cassano, de acordo com documentos entregues em abril passado no tribunal em Nova Iorque pelo regulador do mercado norte-americano.
Os leitores não foram informados de que foi a ImmunoCellular Therapeutics a comprar o artigo que sugeria que a empresa estava a desenvolver um importante medicamento para tratar o cancro, conhecido como ICT-107, mais barato do que o produto concorrente que já tinha merecido aprovação das autoridades norte-americanas.
Nos meses que se seguiram, o preço da ação desta farmacêutica mais do que triplicou. No dia anterior à publicação do artigo, a ImmunoCellular valia 42,8 dólares por ação. No início de junho de 2012 estava a cotar-se já nos 155,2 dólares.
No entanto, os resultados clínicos com o ICT-107 desapontaram. E em dezembro de 2013 as ações da farmacêutica iniciaram uma tendência de desvalorização acentuada. Na última semana, valiam apenas 2,23 dólares.
"Lembra-me o filme “O Lobo de Wall Street”, mas atualizado para a era moderna. Esta é uma forma mais sofisticada de esquemas de investimento onde companhias que não existem são valorizadas com histórias falsas.”
A história foi contada pelo Financial Times, que adiantou que este artigo foi apenas um de pelo menos 200 que aparecerem no site Seeking Alpha sem a informação apropriada relativamente ao promotor original, segundo a US Securities and Exchange Comission (SEC), o regulador do mercado de capitais de Wall Street. Fonte da farmacêutica disse que cooperou totalmente com a investigação da SEC. Também do lado do Seeking Alpha a colaboração foi plena, com o porta-voz a frisar que apoia o esforço do regulador para acabar com artigos “promocionais” pouco éticos pagos pelas empresas.
O Seeking Alpha não é o único site a aparecer nos documentos que foram entregues no tribunal. Outros sites incluindo o Benzinga, Wall Street Cheat Sheet, TheStreet, MarketPlayground, Investor Village, Investing.com e Forbes também apresentaram omissões em alguns artigos que publicaram.
“Lembra-me o filme “O Lobo de Wall Street”, mas atualizado para a era moderna. Esta é uma forma mais sofisticada de esquemas de investimento onde companhias que não existem são valorizadas com histórias falsas”, resumiu Jim McCaughan, da Principal Global Investors.
O regulador norte-americano está atento às fake news. Já acusou formalmente três empresas cotadas, sete serviços de comunicação, dois chefes executivos e nove escritores pelo seu envolvimento naquilo que a SEC descreve como sendo “um esquema sofisticado de promoção da ação”. As multas resultantes das investigações já efetuadas ascenderam em alguns casos aos três mil dólares.
O termo fake news foi celebrizado por Donald Trump durante a campanha presidencial nos EUA em 2016. O republicano referia-se aos artigos que deliberadamente tentavam enganar os leitores para criar uma agenda.
No último alerta a propósito das histórias inventadas, a SEC pedia atenção aos investidores em relação aos artigos que liam na internet, nomeadamente quanto à veracidade da fonte de informação.
Andrew Clare, professor de gestão de ativos da Cass Business School, em Londres, considera que estes artigos podem distorcer a alocação eficiente de capital no mercado acionista ao atrair investidores mais incautos para empresas fraudulentas. “Estas histórias levam em último caso a perdas para os investidores assim que a verdade vem ao de cima. E ilustra a importância dos gestores de fundos e de outros investidores de fazerem o seu trabalho de caso para se protegerem de uma empresa como estas”.
"Estas histórias levam, em último caso, a perdas para os investidores assim que a verdade vem ao de cima. E ilustra a importância dos gestores de fundos e de outros investidores de fazerem o seu trabalho de caso para se protegerem de uma empresa como estas.”
Sobre a investigação da SEC em relação à ImmunoCellular Therapeutics, o processo ganhou contornos hollywoodescos. As autoridades centraram atenções numa empresa de promoção de ações chamada Lindingo, que era detida e gerida por Kamilla Bjorlin, uma atriz que trabalha com o nome de Milla Bjorn. Participou inclusivamente no filme Misconduct, de 2016, e que contou com as participações de Al Pacino e Anthony Hopkins.
Segundo a SEC, a Lindingo terá orquestrado a publicação de mais de 400 artigos sobre 11 empresas que estão cotadas em bolsa através de vários sites de investimento, tendo recebido pelo menos um milhão de dólares em numerário e ações pelos seus serviços. Pelo menos 50 desses artigos referiam-se à ImmunoCellular Therapeutics.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Fake news já chegaram aos mercados financeiros
{{ noCommentsLabel }}