Paulo Macedo: “Há diariamente tentativas de politizar a Caixa”
O presidente da CGD afirma ao ECO que quer “uma Caixa e não uma Caixinha”. Na avaliação dos primeiros 100 dias, avisa que o banco público “não faz a reestruturação da sua rede por capricho”.
No rescaldo dos primeiros 100 dias à frente dos destinos da Caixa Geral de Depósitos (CGD), e depois de ter apresentado as contas do primeiro trimestre, Paulo Macedo aceitou responder, por correio eletrónico, a algumas perguntas do ECO.
Qual é decisão que mais lhe custou tomar até agora? “A redução do quadro de pessoal, o encerramento de agências e o aumento das comissões” são decisões que o presidente da Caixa qualifica de mais “delicadas”.
Sobre o encerramento de balcões, talvez a questão mais polémica neste arranque de mandato, Paulo Macedo mostra ambição — “nós queremos uma Caixa não uma Caixinha” — mas reitera que não quer que o banco público seja usado “para a política eleitoral autárquica”.
Macedo falou ainda sobre a concorrência no setor e sobre as diferenças entre gerir um banco privado — fez grande parte da sua carreira no BCP, onde chegou a vice — e um banco público.
No final, uma provocação do ECO. Em janeiro de 2007, quando era Diretor-Geral dos Impostos, Paulo Macedo — o primeiro diretor-geral a transformar o Fisco numa máquina cobradora eficiente –, encomendou uma missa na Sé Patriarcal de Lisboa, tendo convidado os trabalhadores dos impostos. A decisão causou polémica na altura e muitos críticos invocaram o princípio da laicidade do Estado.
Dez anos depois, o ECO perguntou a Paulo Macedo: “se a Caixa regressar aos lucros e começar a pagar dividendos ao Estado, vai encomendar uma missa com os funcionários?” A resposta a esta e às outras perguntas a Paulo Macedo.
Nestes primeiros 100 dias, o que mais lhe marcou foi “a recapitalização da Caixa”, segundo disse na apresentação dos resultados. E qual foi a decisão que teve que tomar até agora que mais lhe custou?
Nós estamos a implementar o plano estratégico. Estivemos, numa primeira fase, a conhecer as pessoas, a realidade nas agências, estabelecemos pontes de trabalho com a comissão de trabalhadores e com os sindicatos, definimos o volume de imparidades, fechamos a negociação entre o Estado português e a Direção Geral de Concorrência Europeia, terminamos o aumento de capital. Do ponto de vista da organização interna, acautelamos uma estrutura de governação com uma clara separação de competências no Conselho e na Comissão Executiva. Ao mesmo tempo, demos uma especial atenção à dinamização das áreas comerciais, organizamos encontros Fora da Caixa, com 1.000 clientes do Porto, Santarém. Reunimos 3.700 colaboradores em Lisboa, naquele que foi o maior encontro de quadros na história do banco. Estamos agora focados na redução dos custos. Naturalmente que as reestruturações mexem com as pessoas, e quando falamos de pessoas são sempre questões sensíveis. A redução do quadro de pessoal, o encerramento de agências e o aumento das comissões são decisões delicadas e exigentes que merecem a nossa atenção e reflexão.
Este ano fecharam 61 balcões. Mas o plano acordado com Bruxelas prevê cortar mais, pelo menos, 120 até 2020. Depois das autárquicas, haverá menos contestação? A CGD vai sair da “arena política”?
Há diariamente essas tentativas de politizar ou trazer a Caixa para o centro do debate político, seja a nível nacional ou local. A Caixa não faz a reestruturação da sua rede por capricho, faz porque a relação com a banca, da maioria das pessoas, mudou. A Caixa compete em igualdade de circunstâncias com os outros bancos e não pode ficar alheada da redução massiva da rede de balcões e da redução de custos pesados de estrutura que os clientes da banca não estão disponíveis para pagar. É algo que está a acontecer na Europa e em Portugal. Nós queremos uma Caixa não uma Caixinha. Gostávamos muito que a Caixa saísse da arena política, e que não fosse utilizada para a política eleitoral autárquica como aconteceu recentemente. Este é um dos nossos objetivos. Vamos ver se somos bem-sucedidos.
Organizamos os encontros Fora da Caixa, com 1000 clientes do Porto e Santarém. Reunimos 3700 colaboradores em Lisboa, naquele que foi o maior encontro de quadros na história do banco.
Já passou pela banca privada. Pela experiência destes primeiros 100 dias, é muito diferente gerir um banco público e um banco privado?
Na sua questão central não, ou seja, o rigor e o foco têm de ser os mesmos. A Caixa assegura um posicionamento plenamente concorrencial, sem privilégios e sem ónus, operando de acordo com as regras e mecanismos de mercado. Para o regulador, para o legislador, mesmo em termos de exigência de rácios de capital, não existem bancos públicos ou privados, existem bancos. No entanto, entre gerir um banco de capitais públicos e capitais privados em Portugal existe uma diferença enorme em termos de exposição e ruído (solicitando nomes de clientes, planos estratégicos, etc.), que não deve ser confundido com escrutínio e pedidos de informação à gestão, para a qual, aliás, estamos totalmente disponíveis, desde logo com a apresentação trimestral de resultados, mudança de auditores e melhoria de governação, etc. Porventura o enquadramento externo e a exigência pública são muito diferentes. Não é indiferente gerir um banco privado ou contar com opiniões diárias que querem da Caixa uma coisa e o seu contrário.
A banca enfrenta, além do malparado, um problema de rentabilidade. O contexto de juros baixos é desafiante e há muita concorrência. Há bancos a mais em Portugal?
A Caixa já é líder em muitos segmentos, mas quer ser líder noutros, nomeadamente nas empresas, e dentro destas, nas PMEs. Não há nenhuma razão para que a Caixa não materialize o que conseguiu nas linhas de crédito contratualizadas, em que é claramente líder, em todos os serviços às empresas. A Caixa necessita de concorrência e ela existe de uma forma vigorosa.
Uma provocação: Se a Caixa regressar aos lucros e começar a pagar dividendos ao Estado, vai encomendar uma missa com os funcionários?
A Caixa não precisa de missas, mas sim de um rumo claro, de competências nas áreas orientadas para os clientes e a inovação e um compromisso enorme dos seus quadros com os objetivos com que a Caixa se comprometeu.
Entre gerir um banco de capitais públicos e capitais privados em Portugal existe uma diferença enorme em termos de exposição e ruído.
O balanço dos primeiros 100 dias
Na semana passada, a CGD apresentou as contas dos primeiros três meses do ano. Continua a contabilizar prejuízos — 39 milhões no trimestre — mas Paulo Macedo sabe que se o banco não der a volta aos resultados, como o próprio antecipa, terá “um duplo problema”.
Para rumar aos lucros e à rentabilidade, o presidente da Caixa definiu um caminho que percorreu nos últimos 100 dias e que resume neste quadro que revelou no dia da apresentação das contas (adaptação infográfica de Raquel Sá Martins).
Foi no final do ano passado, depois de toda a polémica à volta de António Domingues, que António Costa convidou Paulo Macedo — ministro da Saúde do Governo de Passos Coelho, — para liderar os destinos da Caixa. A nova equipa assumiu funções a 1 de fevereiro, depois do ‘ok’ por parte do Banco Central Europeu.
O maior dos desafios, como o próprio definiu no dia da apresentação das contas trimestrais, foi “a recapitalização da Caixa”, terminando aquilo que António Domingues tinha começado.
Dois dias depois da tomada de posse, Macedo fez questão de mostrar que pelo menos numa coisa é diferente de Domingues. No dia 3 de fevereiro, falou com os jornalistas. No âmbito de uma visita à agência da CGD nas Amoreiras, em Lisboa, falou do plano de reestruturação que classificou de “bastante robusto”.
Neste plano, o fecho dos balcões, uma imposição de Bruxelas para que a recapitalização não fosse considerada ajuda de Estado, viria a mostrar-se uma tarefa bastante mais espinhosa do que à partida poderia parecer.
A vila de Almeida transformou-se numa espécie de “aldeia” gaulesa no mapa dos encerramentos da Caixa e no dia 10 de março, Paulo Macedo dá um murro na mesa: “Ninguém peça à CGD para ficar em todos os sítios onde os outros bancos não querem ficar. Se isso acontecesse, então a Caixa não saía dos seis anos de prejuízos que teve”.
Apesar de só ter entrado na Caixa este ano, foram Paulo Macedo e Rui Vilar que deram a cara pelos prejuízos históricos do banco em 2016, um resultado negativo de 1,9 mil milhões de euros. Para ajudar a amenizar o impacto do encerramento dos balcões, Macedo pediu autorização ao Banco de Portugal para ter um serviço móvel de balcões, com carrinhas que vão a zonas rurais e com populações envelhecidas, para prestar serviços bancários.
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