Fiscalistas apontam ilegalidades na cobrança do adicional ao IMI a casais
Fiscalistas dizem que a exigência do pagamento do adicional ao IMI a proprietários casados que não indicaram a opção pela tributação conjunta é ilegal.
Vários fiscalistas consideram que a exigência do pagamento do adicional ao IMI (AIMI) a proprietários casados que não indicaram a opção pela tributação conjunta é ilegal e levantam dúvidas quanto à constitucionalidade da medida.
O Diário de Notícias escreve esta quarta-feira que há casais que estão a ser notificados pela Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) para pagarem o AIMI por não terem entregado a declaração com a opção pela tributação conjunta no prazo fixado, de 01 de abril a 31 de maio, o que lhes permitiria ficar de fora da incidência deste imposto.
Isto porque, quando o AIMI foi criado no Orçamento do Estado para 2016, previa que este novo imposto incidisse sobre a globalidade valor patrimonial tributário (VPT) dos imóveis de cada proprietário quando este fosse superior a 600 mil euros para solteiros e superior a 1,2 milhões de euros no caso dos casados.
O fiscalista José Casalta Nabais diz ter “muitas dúvidas” quanto à constitucionalidade da norma porque isso acontece “apenas porque não fizeram atempadamente uma declaração efetivamente inútil e sem qualquer possibilidade de a apresentarem depois”.
“[Esta exigência] não viola os artigos 13, 103 e 104 da Constituição? Tenho muitas dúvidas de que não viole”, defendeu o professor da Universidade de Coimbra à Lusa, acrescentando que, “ao contrário do que sucede no IRS, em que pode ser vantajoso [optar] pela tributação separada”, no AIMI “não faz o menor sentido”, uma vez que “a tributação separada implica sempre ser tributado em vez de não ser tributado ou ser tributado em dobro”.
"Ao contrário do que sucede no IRS, em que pode ser vantajoso [optar] pela tributação separada, no AIMI não faz o menor sentido, uma vez que a tributação separada implica sempre ser tributado em vez de não ser tributado ou ser tributado em dobro.”
No mesmo sentido, os advogados Rogério Fernandes Ferreira e Álvaro Silveira de Meneses, da RFF Advogados, entendem que “esta opção do legislador é discutível do ponto de vista constitucional, caso se verifique que o racional da opção não existe e que implica, como parece, receita fiscal adicional”.
Para os fiscalistas, “a existência da obrigação declarativa para assinalar tal opção [da tributação conjunta] e a obrigatoriedade de repetir essa opção anualmente constituem medidas inidóneas e intoleráveis do ponto de vista constitucional quanto ao fim que alegadamente visam prosseguir”.
Outro aspeto criticado pelos advogados da RFF Advogados numa ‘newsletter’ hoje difundida é o facto de o Portal das Finanças não permitir a apresentação da declaração que permite optar pela tributação conjunta para efeitos de AIMI, uma medida que considera ser “restritiva e desproporcionada”, tendo em conta que em sede, por exemplo, de IRS, é possível apresentar declarações tributárias fora do prazo mediante o pagamento de coimas.
"A existência da obrigação declarativa para assinalar tal opção [da tributação conjunta] e a obrigatoriedade de repetir essa opção anualmente constituem medidas inidóneas e intoleráveis do ponto de vista constitucional quanto ao fim que alegadamente visam prosseguir.”
Também o advogado da SRS Legal João Maricoto Monteiro entende que a própria norma “é ilegal”, na medida em que a sua aplicação não respeita os limites previstos para a aplicação do imposto.
Maricoto Monteiro explica que, “nos termos da letra da lei, não há dúvida de que, se não se apresentar a tal declaração dentro dos prazos, aquilo que as Finanças vão fazer é liquidar o imposto para o titular que aparecer no registo, que normalmente é o primeiro titular”.
Mas, apesar disso, o fiscalista entende que estas liquidações “podem ser ilegais por ofensa do princípio da proporcionalidade tributária” porque, “independentemente destes formalismos, a questão substantiva é que a pessoa que foi notificada para pagamento do AIMI foi notificada como se fosse proprietária de 100% do imóvel, que não é”.
Ou seja, “há um erro na liquidação e na avaliação da capacidade contributiva”, o que faz com que “a consequência da aplicação da norma seja ilegal”, porque resulta na “liquidação apenas para um dos titulares e, com isso, vai ofender a outra norma que prevê que o adicional ao IMI só seja aplicado acima dos 1,2 milhões para casados”.
"Estas liquidações podem ser ilegais por ofensa do princípio da proporcionalidade tributária porque independentemente destes formalismos, a questão substantiva é que a pessoa que foi notificada para pagamento do AIMI foi notificada como se fosse proprietária de 100% do imóvel, que não é.”
João Maricoto Monteiro recomenda aos proprietários nestas circunstâncias que contestem a liquidação, não através de uma reclamação graciosa, que é apreciada pelo próprio Fisco, mas antes “por via de pedido de pronúncia arbitral no Tribunal Arbitral”.
Mariana Gouveia de Oliveira e João Ascenso, da Miranda Associados, levantam “dúvidas de constitucionalidade” nos casos em que o imóvel é propriedade comum do casal, se se considerar que “a falta de declaração da quota-parte de cada imóvel reconduzir irremediavelmente à tributação sobre a totalidade do imóvel”, recomendando também a reclamação.
Por outro lado, nas situações em que o imóvel é um bem próprio de apenas um dos membros do agregado familiar e tiver um VPT superior a 600 mil euros, “faz sentido que o mesmo seja tributado [em sede de AIMI], na medida em que revela uma capacidade contributiva que o legislador pretendeu tributar”.
Os fiscalistas questionam no entanto “a pouca divulgação que terá havido” sobre o AIMI e os prazos e declarações a ele associados, mas entendem que “a omissão desse tipo de informação num imposto novo é especialmente grave – mas não ilegal ou inconstitucional”.
Questionada pela Lusa sobre esta matéria, fonte do Ministério das Finanças respondeu que “as eventuais reclamações dos contribuintes nesta matéria serão analisadas pela AT“, recordando que o prazo para apresentação da declaração “foi fixado por lei aprovada pela Assembleia da República” e que “a opção pela tributação conjunta efetuada na declaração de IRS apenas pode legalmente relevar para efeitos daquele imposto”, o que significa que não tem qualquer efeito em sede de AIMI.
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