Do leite às pescas passando pelo papel
Na Beira Litoral, terra e mar marcam o perfil económico e industrial da região em que o vinho, o leite, a pecuária, a fruta, o papel, a resina e a pesca se fazem fontes de riqueza e poder empresarial.
A região tem a liderança no leite e um grande peso nas águas de mesa. A Lactogal, que resultou da fusão de três cooperativas leiteiras como a Agros, com grande peso na região de Entre Douro e Minho e Trás-os-Montes, a Lacticoop e a Proleite, com grande influência na região a sul do rio Douro sobretudo na beira Litoral, é uma das empresas em destaque. Este setor tem longa tradição na região Centro, tendo-se verificado nas últimas décadas uma retração da produção leiteira no quadro de uma dupla concentração da produção de leite em zonas mais restritas e num número muito menor de produtores, com grande aumento da sua dimensão média.
As marcas propriedade da Lactogal são: Agros, Mimosa, Gresso, Adagio, Matinal, Castelões, Castelinhos, Vigor, Pleno, Primor, Serra da Penha, Fresky, Milhafre dos Açores e Serra Dourada. É na região de Avanca que está, desde 1923, com uma fábrica de produtos lácteos a Nestlé, Portugal.
No domínio das bebidas, a Beira Litoral tem ainda várias fontes de águas minerais e de nascente. Entre as águas minerais naturais estão as marcas Vitalis, Luso, Penacova e, nas águas de nascente, Caramulo, Castelo Novo, Cruzeiro e Serrana.
Das duas regiões vinícolas destaca-se a produção não só de vinhos tranquilos ou de mesa, como de vinhos espumantes. A Bairrada, entre Águeda e Coimbra, é muito próxima do mar. Por isso, o clima da região é tipicamente atlântico, com invernos amenos e chuvosos e verões suavizados pelos efeitos dos ventos atlânticos. A produção de vinho na região é sustentada por cooperativas, pequenas e médias empresas, e por pequenos produtores. A casta baga é a variedade tinta dominante na região mas hoje convive com castas internacionais, como Cabernet Sauvignon, Syrah, Merlot e Pinot Noir, e com outras castas nacionais como a Touriga Nacional ou a Tinta Roriz. As castas brancas são plantadas nos solos arenosos da região, sendo a Fernão Pires (na região denominada por Maria Gomes) a mais plantada. Em quantidades mais reduzidas existem as castas Arinto, Rabo de Ovelha, Cercial e Chardonnay. Os espumantes da região são muito utilizados como bebidas aperitivas ou a acompanhar a cozinha local.
A zona do Dão situa-se na região da Beira Alta, no centro Norte de Portugal. As condições geográficas como as serras do Caramulo, Montemuro, Buçaco e Estrela protegem as vinhas da influência de ventos. Os 20.000 hectares de vinhas situam se maioritariamente entre os 400 e 700 metros de altitude e desenvolvem se em solos xistosos (na zona sul da região) ou graníticos de pouca profundidade. Em 1908, a área de produção de vinho foi delimitada, tornando-se na segunda região demarcada portuguesa. As vinhas são constituídas por uma grande diversidade de castas, entre as quais a Touriga Nacional, Alfrocheiro, Jaen e Tinta Roriz (nas variedades tintas) e Encruzado, Bical, Cercial, Malvasia Fina e Verdelho (nas variedades brancas).
A denominação de Origem de Lafões é uma pequena região no norte do Dão Lafões com poucos produtores. As castas Amaral e Jaen são as mais utilizadas na produção de vinho tinto, enquanto as castas Arinto, Cercial e Rabo de Ovelha são as preferidas na produção de vinho branco.
A norte da região das Beiras, e fazendo fronteira com a região do Douro, situa-se a Denominação de Origem Távora Varosa. É uma região de pequena dimensão mas muito relevante na produção de espumantes. A Sogrape, Vinhos SA – é a maior empresa vinícola portuguesa, está presente na Bairrada que tem em Mogofores, Anadia, o Centro de Vinificação de S. Mateus e, na região do Dão, a Vinícola do Vale do Dão, e a Quinta dos Carvalhais, no concelho de Mangualde, a Aliança Vinhos/Grupo Quinta da Bacalhôa com sede em Sangalhos e o Grupo Global Wines/Dão Sul – que tem atividade vinícola à Bairrada, ao Douro e ao Alentejo e depois ao Brasil.
A arte das pequenas inovações
A Frueat, empresa portuguesa de snacks de fruta, foi fundada por Tiago Almeida e Filipe Simões, e resultou de uma parceria com a Quinta do Vilar em Viseu — com pomares de maçã –, e o apoio da Escola Superior de Biotecnologia da Universidade Católica do Porto. Hoje exporta os seus produtos com uma grande variedade de sabores e frutos para Espanha, Inglaterra, norte da Europa e Japão. Este é um exemplo recente de como na área agroalimentar, em que existe uma constelação de empresas que vai da pecuária intensiva aos alimentos para animais, à carne, aos ovos, à pesca, a tradição e o produto se aliam à inovação.
Na avicultura e derivados, contam-se grupos como a Soja de Portugal, que tem várias áreas de negócio com fábricas de compostos animais para avicultura e pecuária em Ovar e em Pinheiro de Lafões e a produção de frangos e aves em S. Pedro do Sul e fábricas de pet food em Torres Novas e fish feed na Trofa. O grupo Nutroton, que é integrado verticalmente dispondo de produção de alimentos compostos, produção de frangas (Agrocaramulo Lda), a cria e recria de frangas destinados à produção de ovos (Aviário do Areal), e produção de ovos em escala industrial (com a Multiaves.) Probar, Indústria Alimentar desenvolve sua atividade no setor de abate de gado e de preparação e fabrico de conservas de carne, nomeadamente de suínos e faz parte de um grupo de empresas do setor agroalimentar, que está presente em toda a cadeia do processo produtivo, desde as rações (na Nutricampo), passando pela criação de animais através da Suigranja, até à transformação e comercialização de carnes pela Probar. Por sua vez, a Irmãos Monteiro, de Ílhavo, desenvolve as seguintes atividades: desmancha, desossa e corte, congelação, embalamento, produção de preparados de carne e produtos prontos a consumir.
Existe ainda a fileira do arroz que se produz na extensa zona arrozeira no Baixo Mondego em que no arroz carolino, espécie nacional, é líder de mercado a Ernesto Morgado, empresa localizada na Figueira da Foz que tem a marca Pato Real.
O fracasso faz parte do caminho
Na praia da Mira, em Aveiro, foi instalada uma unidade de produção de pregado em aquacultura pela espanhola Pescanova. Era um projeto emblemático, mas a empresa Acuinova sofreu com a crise financeira dos acionistas e foi declarada insolvente em julho, passado com uma dívida da ordem dos 170 milhões de euros. Mas este aparente fracasso na piscicultura não fez esmorecer uma atividade, a pesca, que vem do fim dos tempos e que já atravessou tantos ciclos e se mantém viva.
As atividades de pesca, da distribuição, armazenamento e comercialização de pescado fresco, da transformação do bacalhau, das conservas de peixe têm uma longa tradição nas regiões de Aveiro (Ílhavo) e Coimbra (Figueira da Foz), destacando-se as empresas ligadas à pesca ao largo. Por exemplo, no comércio do bacalhau, tem duas empresas relevantes com ligações à Noruega e com uma rede de distribuição internacional como são os casos da Rui Costa e Sousa & Irmão, com sede em Tondela, e da Pascoal, com atividades de pesca e transformação de pescado, nomeadamente de bacalhau e na produção de soluções alimentares de bacalhau, e refeições prontas, sem corantes nem conservantes. Na Figueira da Foz está uma unidade fabril da Cofisa – Conservas de Peixe da Figueira, que produz cavala e atum em conserva.
Nesta região entre a Figueira e Aveiro, regista-se uma grande atividade piscatória ocupando, em termos de frota pesqueira e, em especial de pesca ao largo, o primeiro lugar a nível nacional em termos de arqueação e potência. As embarcações do largo representam 65% da frota nacional. A frota do largo é constituída por navios de arrasto que preparam, congelam e embalam o pescado capturado em águas longínquas do Atlântico Norte. Outras embarcações da frota do largo atuam no Atlântico Sul dedicando se à pesca de espadartes e tubarões (Palangreiros) e de camarão (Camaroeiros).
Na Gafanha da Nazaré está localizado o principal porto de pesca ao largo, no qual é descarregada a totalidade do pescado congelado transportado pelos navios que operam no Atlântico Norte. Este porto denomina-se “Porto Bacalhoeiro”, “Cais dos Bacalhoeiros” ou, formalmente, o Porto de Pesca do Largo, terminal do Porto de Aveiro que serve os armadores de pesca do largo e as indústrias de processamento do pescado instaladas na Gafanha da Nazaré. De entre as empresas que integram este cluster local incluem-se a Sociedade de Pesca Miradouro, a António Conde & Cia, a Pedro França, a Empresa de Pesca de Aveiro e a Testas e Cunha.
Na região de Aveiro a conservação e transformação de produtos hortícolas e da pesca e a produção de sal são exercidas em médias/grandes unidades industriais. Na transformação de produtos hortícolas destacam se as unidades industriais da Gelcampo (situada na Murtosa) e FrioPesca (situada em Ílhavo), ambas dedicadas à produção de vegetais congelados em verde ou pré-cozinhados. Na transformação de produtos da pesca, destaca-se a atividade de secagem do bacalhau, localizada na vizinhança das instalações portuárias. Na área portuária de Aveiro existem outras unidades industriais de transformação de produtos da pesca.
O pinheiro bravo e o eucalipto são as espécies arbóreas dominantes nesta região, correspondendo a 86% dos povoamentos florestais. Dois terços do território da região Centro são de gestão florestal e, talvez por isso não surpreenda que, quando o Estado Novo considerou a indústria de celulose e papel estratégica, tenha escolhido a zona de Cacia nas proximidades de Aveiro como o sítio ideal para a Companhia Portuguesa de Celulose, hoje pertencente ao grupo Navigator Company. Mais tarde, nos anos 60, nasceu a fábrica da Celbi que hoje pertence do Grupo Altri e, nos anos 80 do século passado, a Soporcel (unidade integrada de pasta e papel), hoje também do grupo Navigator Company, empresa que é uma das dez maiores exportadoras de Portugal e o maior produtor europeu e um dos maiores a nível mundial de pasta branca de eucalipto (BEKP), encontrando se entre os grandes produtores europeus de papéis finos não revestidos (UWF).
Esta região alberga um autêntico mega cluster das Indústrias Florestais, ainda que a floresta enfrente problemas estruturais como as explorações agroflorestais de muito pequena dimensão que dificultam a rentabilidade da gestão florestal sustentada e profissional.
A Lousã, historicamente ligada à produção de papel em Portugal, onde está tem a sua sede o grupo Trevipapel – Transformação e Corte de Papel, produz produtos em papel tissue e está a investir numa fábrica em Vila Velha de Rodão, a Paper Prime, de papel tissue para transformação na Lousã.
Esta presença do cluster da madeira reveste-se de vários formatos como a indústria de mobiliário, de aglomerados ou de resinas, que têm sido marcadas por um cada vez maior perfil exportador. O grupo Sonae é um dos maiores fabricantes mundiais de aglomerados de madeira, integrada verticalmente em Portugal com a produção de termolaminados e de resinas sintéticas e tem na Beira Litoral um dos seus principais baluartes fabris com a Agloma, em Oliveira do Hospital, a SIAF, em Mangualde, e a unidade de fabrico de folheados da Paivopan, em Castelo de Paiva. Também os espanhóis da Finsa se instalaram na região centro tanto através de uma empresa criada em Nelas como da compra do grupo Jomar ao grupo Vicaima.
A fileira da madeira espraia-se ainda por empresas de madeira para fins estruturais e carpintaria como a Carmo, Estruturas em Madeira de Oliveira de Frades, uma das principais empresas europeias em soluções de exteriores e interiores em produtos e estruturas em madeira redonda, serrada e lamelada colada tratada, em número e volume e que pertence ao Grupo Carmo que surgiu em 1955 com a Anglo Portuguesa de Produtos Químico, empresa pioneira no desenvolvimento do tratamento industrial de madeiras tal como a TOSCCA® – Equipamentos de Madeira, a Portax – Componentes de Móveis com atividade de fabricação de portas (lacadas, PVC) e componentes para móveis para cozinhas e roupeiros, ou as carpintarias tradicionais, como a Canto Certo, da Murtosa, Carpintaria Pentágono, Cruz & Oliveira Carpintaria e mobiliário de São Pedro do Sul.
No mobiliário há uma espécie de fileira do sofá que tem os seus expoentes no grupo Aquinos que fornece, por exemplo a Conforama, a Alinéa e o Ikea ou o grupo Louro que produz sofás, cadeiras, colchões, produtos em ferro como estrados, mobiliário metálico de escritório; e a Moita Móveis, que produz cadeiras, cascos de sofás e outros componentes para o mobiliário.
Mas também há projetos inovadores como a Movecho. A empresa luso-suíça aposta no design e desenvolvimento in-house de móveis, ambientes e instalações de marca para exportação. A empresa, liderada pelo sócio maioritário, Luís Abrantes, tem uma fábrica com 16 mil metros quadrados de área coberta, e é constituída por seis naves industriais, distribuídas por três edifícios construídos em épocas distintas e conta com sistemas robotizados e equipamentos únicos para o desenvolvimento de mobiliário, o que lhe dá grande flexibilidade nos projetos de shopfitting para toda a Europa em áreas tão diversificadas como: perfumarias, banca, telecomunicações, saúde e design.
Existe também um conjunto de empresas resineiras que mantêm um pouco a tradição resineira da região mas agora com novas fórmulas que pode levar a uma revitalização do setor como mais automatização, inovação de produtos e importação da matéria-prima como a Respol Resinas, Dercol – Resin Derivatives, a Costa & Irmãos – Resinas Naturais e Derivados e a Euro-Yser (Yser Pine Chemicals), a United Resins – Produção de Resinas e a Gum Chemical Solutions.
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