Não houve acordo de Centeno com Domingues? Deputados contestam
O PSD está seguro de que houve um acordo para que António Domingues não tivesse de declarar rendimentos ao Tribunal Constitucional. CDS e Bloco não vão tão longe, mas também levantam dúvidas.
As conclusões do relatório da comissão parlamentar que analisou a contratação e demissão de António Domingues como presidente da Caixa Geral de Depósitos (CGD) não correspondem à realidade e “é claro” que houve acordo entre Mário Centeno e o antigo banqueiro para que este ficasse dispensado de entregar a declaração de rendimentos e de património ao Tribunal Constitucional. Esta é a apreciação que o PSD faz do relatório, elaborado pelo deputado socialista Carlos Testa, que foi conhecido na semana passada. CDS-PP e Bloco de Esquerda também levantam dúvidas relativamente a algumas das conclusões que constam deste relatório, mas não vão tão longe nas contestações e admitem vir a aprovar o documento, que será votado na próxima semana.
O relatório com as conclusões da “Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar à Atuação do XXI Governo Constitucional no que se relaciona com a Nomeação e a Demissão da Administração do Dr. António Domingues” foi apresentado, esta terça-feira, por Luís Testa. As dúvidas que os deputados tentaram esclarecer nesta comissão giravam em torno da recusa de Domingues em apresentar a declaração de rendimentos e de património ao Tribunal Constitucional, uma obrigação da qual julgava estar isento, depois do acordo a que chegou com o Governo. O relatório da comissão apresentou uma conclusão diferente: “em momento algum houve qualquer acordo” entre Centeno e Domingues; o antigo banqueiro guiou-se por “pressupostos que julgava por adquiridos”.
Foi essencialmente esta conclusão que o PSD contestou na reunião desta terça-feira. “As conclusões deste relatório não correspondem aos depoimentos aqui ouvidos na comissão, nem aos documentos aqui conhecidos, nem aos factos decorridos”, começou por dizer o deputado José Silvano. “Existem testemunhos contraditórios entre si, que transmitem versões contraditórias. Uma corresponderá à verdade, a outra faltará à verdade”, acrescentou o deputado social-democrata, acusando o PS de “parcialidade” na redação do relatório.
"É claro que, desde o início, a questão da dispensa da declaração ao Tribunal Constitucional estava acordada entre António Domingues e o Ministério das Finanças.”
Para o PSD, “é claro que, desde o início, a questão da dispensa da declaração ao Tribunal Constitucional estava acordada entre António Domingues e o Ministério das Finanças“. Essa foi, aliás, “uma das condições acordadas” para que António Domingues aceitasse liderar o banco público. “Isso fica claro na declaração prestada por António Domingues e na carta escrita ao Governo. Se tivéssemos dúvidas, isso é reforçado com as declarações do secretário de Estado Ricardo Mourinho Félix, que disse que o afastamento destas obrigações declarativas não é um lapso, antes resulta de um entendimento entre as partes”, lembrou José Silvano.
"Ficou claro que, para António Domingues, estava assente desde o início que as declarações não eram para ser entregues. No mínimo, o Ministério das Finanças não afastou liminarmente essa hipótese, e isso deve constar do relatório.”
Já para o Bloco de Esquerda e para o CDS-PP, não é óbvio que tenha existido acordo entre o Governo e António Domingues, mas os dois partidos também querem que fique mais claro no relatório que há depoimentos contraditórios. “Parece-nos importante que este relatório final não seja apenas a ratificação da teoria do ‘erro de perceção mútuo’. Ficou claro que, para António Domingues, estava assente desde o início que as declarações não eram para ser entregues. No mínimo, o Ministério das Finanças não afastou liminarmente essa hipótese, e isso deve constar do relatório porque, se o tivesse afastado, não chegaríamos à carta de novembro [enviada por Domingues a Centeno], nos termos em que foi escrita”, referiu o deputado bloquista Moisés Ferreira.
"Não é possível concluir que tudo o que o Ministério das Finanças disse é tal e qual como disse, nem que tudo o que António Domingues disse é tal e qual como disse, porque há matérias onde os dois chocam.”
João Almeida, do CDS-PP, reconheceu que esta comissão “funcionou como devia funcionar” e que “o relator fez um esforço para que o relatório permita um debate leal sobre as conclusões”, admitindo mesmo que irá votar as conclusões “de espírito livre”. Ainda assim, “há omissões” que devem ser colmatadas. “Não entendemos que seja possível esta comissão concluir o que é divergente entre as duas partes. Não é possível concluir que tudo o que o Ministério das Finanças disse é tal e qual como disse, nem que tudo o que António Domingues disse é tal e qual como disse, porque há matérias onde os dois chocam“, apontou. Neste contexto, “devem concluir-se os mínimos, e não os máximos”.
Os grupos parlamentares têm agora até dia 20 de outubro para entregar propostas de alteração ao relatório, que será votado a 24 de outubro, seguindo depois para discussão e debate no plenário da Assembleia da República. Todos os partidos deverão apresentar propostas de alteração, à exceção do PCP, que considera que o relatório já “identifica as questões fundamentais”. Fonte oficial do partido refere que não deverão ser entregues propostas de alteração e que eventuais discordâncias com o conteúdo do relatório serão apresentadas numa declaração de voto.
"Em última análise, podemos até achar que o Ministério das Finanças foi incompetente, porque queria ter feito esse acordo mas não conseguiu legislar sobre isso.”
“O relatório privilegia o que é material. Perante a indicação de António Domingues de que tinha havido um compromisso, e perante as declarações do Ministério das Finanças que dizem não ter assumido esse compromisso, a verdade é que esse compromisso não só não foi assumido como não está escrito em parte nenhuma. Em última análise, podemos até achar que o Ministério das Finanças foi incompetente, porque queria ter feito esse acordo mas não conseguiu legislar sobre isso”, afirmou o deputado comunista Miguel Tiago.
Já PSD, CDS-PP e Bloco de Esquerda fizeram saber que irão apresentar as suas propostas de alteração até sexta-feira. O relator Luís Testa garantiu “total disposição” para chegar aos “consensos a que seja possível chegar”.
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