Prova dos 9: Trabalhadores do Estado levam mesmo 120 anos a chegar ao topo da carreira?
Os funcionários públicos das carreiras gerais precisam mesmo de 120 anos para alcançar o topo? E os professores apenas de 34? Para perceber, olhamos para os modelos de progressões na Função Pública.
A guerra entre os professores e o Governo está no seu ponto alto deste ano, já que os primeiros sentem que os nove anos de serviço em que as carreiras estiveram congeladas deveriam ser contabilizados para a progressão na carreira agora que chega o descongelamento, enquanto o Governo não vê enquadramento orçamental para o fazer. Contabilizar esses anos faria com que o custo de descongelar as carreiras dos professores ascendesse aos 650 milhões de euros, explicou já António Costa. Entretanto, surgiu um novo dado: o Governo disse que um funcionário público mediano do regime geral levaria 120 anos a atingir o topo da sua carreira, enquanto um professor poderia, em teoria, atingi-lo em 34 anos. Estes valores são verdadeiros?
A afirmação
A informação começou a ser divulgada ontem, quarta-feira, durante a greve dos professores: enquanto um professor, sem congelamentos nem outros entraves, poderia alcançar o topo da carreira em 34 anos, um funcionário público mediano nas carreiras gerais demoraria, em teoria, 120 anos a chegar a esse nível. Isto dever-se-ia à velocidade de progressão na carreira, que é muito diferente — um professor pode subir de escalão uma vez a cada quatro anos, enquanto um funcionário público da carreira geral pode demorar cerca de dez anos a fazê-lo.
Os factos
Para averiguar se esta afirmação tão taxativa é verdade, há que olhar para as carreiras gerais da Função Pública, que diferem das carreiras especiais, como a dos professores, ou a dos militares, ou a dos juízes, por exemplo. As carreiras gerais são aquelas de que a maioria dos serviços dependem para desenvolver as suas atividades, como a de técnico superior, assistente técnico ou assistente operacional.
Como se progride nestas carreiras gerais? Há duas formas, como se explica no site da Direção Geral da Administração e do Emprego Público. Uma é por opção gestionária, quando o dirigente de um serviço decide que um trabalhador que tenha demonstrado valor nas avaliações de desempenho deve ser mudado de posicionamento remuneratório, havendo orçamento para tal. A outra, e a mais frequente, é a chamada “automática” ou obrigatória: acontece quando o trabalhador com vínculo de emprego público de um determinado órgão ou serviço tenha acumulado 10 pontos na avaliação de desempenho numa posição remuneratória, dando-se aí o salto para a posição remuneratória seguinte.
Esta avaliação de desempenho é determinada pelo regime SIADAP, e exprime-se em número de pontos de acordo com os objetivos que o trabalhador alcançou. Pode-se considerar que o trabalhador tem desempenho inadequado, adequado, relevante ou mesmo excelente. Com desempenho adequado, o trabalhador tem direito a um ponto por ano de trabalho (ou seja, dois pontos agora que a avaliação se realiza de dois em dois anos). Com desempenho relevante, o trabalhador obtém dois pontos por ano de trabalho, e com excelente obtém três.
Porém, existem quotas para o número de trabalhadores que podem obter as pontuações superiores. Só 25% dos funcionários num serviço podem ter a qualificação de “desempenho relevante”, e desses só 5% podem ser considerados excelentes. Assim, 75% dos trabalhadores da Administração Pública obtêm “adequado”, e um ponto por ano, nas suas avaliações de desempenho.
Para os técnicos superiores, assistentes técnicos e assistentes operacionais, a progressão na carreira depende destas pontuações e não necessariamente do tempo de serviço. Assim, pode dizer-se que a maioria dos trabalhadores sujeitos a esta avaliação demoram uma década a progredir de posição remuneratória. Os técnicos superiores têm 14 posições remuneratórias — a avançar uma década de cada vez, demorariam 140 anos a chegar ao topo da carreira. Um assistente técnico ou um assistente operacional têm 12 posições remuneratórias, o que representa 120 anos para chegar ao topo se se avançar a um ritmo de um ponto por ano.
O que representam as carreiras superiores entre o total dos funcionários públicos? Os técnicos superiores contam 9% do total dos trabalhadores, os assistentes técnicos são 13% e os assistentes operacionais somam mais 23%, de acordo com os dados mais recentes da Síntese Estatística do Emprego Público.
- E os professores?
Vale a pena também, já que o número chegou no contexto de uma comparação, olhar para o modelo de progressão dos professores, que é bastante diferente. Como noutras carreiras especiais, incluindo por exemplo as das forças de segurança ou a dos juízes, a progressão na carreira dos professores é determinada principalmente pelo tempo de serviço, embora também existam elementos de avaliação.
Para progredir de posição remuneratória, como se lê no site da Direção-Geral da Administração Escolar, a progressão depende de “um período mínimo de serviço efetivo no escalão”, que é de quatro anos excetuando no 5.º escalão, em que é de dois anos, de uma avaliação de desempenho que deve ser não inferior a Bom, e da frequência de formação contínua, por pelo menos 50 horas na maioria dos escalões (no 5.º escalão bastam 25 horas).
Existem outras particularidades em certos escalões: para avançar para o 3.º e para o 5.º escalão é preciso que haja uma observação das aulas, e para progredir para o 5.º e para o 7.º escalão é preciso que exista uma vaga disponível.
No entanto, presumindo que tudo decorre sem interrupções nem congelamentos, basta somar: um professor tem de cumprir quatro anos em cada escalão exceto no 5.º em que bastam dois — são 34 anos de serviço para ascender ao 10.º escalão, o topo da carreira.
Quantos são os professores dentro da Administração Pública? Representam cerca de 24% dos trabalhadores, incluindo os docentes do Ensino Universitário e do Ensino Superior Politécnico.
Prova dos 9
Olhando para os modelos de progressão que são muito diferentes entre as carreiras gerais e a carreira especial dos professores (não sendo, claro, esta a única com um modelo de progressão particular), torna-se claro que o tempo necessário para alcançar o topo da carreira é muito diferente.
Presumindo que um trabalhador mediano na Administração Pública obtém um ponto cada ano (já que o caso se aplica a 75% dos trabalhadores por ano), é verdade que um técnico superior requer 140 anos para chegar ao topo da carreira, e um assistente técnico requer 120 anos, sendo assim impossível lá chegar em tempo útil. Essa assunção pode não ser a mais certa: os trabalhadores podem estar entre os 75% considerados “adequados” num ano e entre os 25% com desempenho “relevante” noutro, pelo que podem avançar a diferentes velocidades pelos escalões. Com a presunção de que o trabalhador mediano está sempre abaixo do percentil 75, porém, a afirmação de que são precisos 120 anos para chegar ao topo da carreira torna-se correta.
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