Luís Rosa: Ricardo Salgado “sacudiu a água do capote” no BES
No livro "A Conspiração dos Poderosos", o jornalista Luís Rosa revela três interrogatórios onde Salgado explica os segredos do "saco azul". Mas nunca assume a culpa pela derrocada do império GES/BES.
“A minha intenção foi colocar o leitor dentro da sala de interrogatório e perceber realmente como é que a justiça funciona.” Foi com esta premissa que Luís Rosa, jornalista do Observador, aceitou contar a queda do Dono Disto Tudo (Ricardo Salgado) em “A Conspiração dos Poderosos”, depois de vários artigos publicados no jornal digital desde 2015 sobre o Universo Grupo Espírito Santo (GES). O livro surge como uma oportunidade de “dar voz a Ricardo Salgado”, que explica em três interrogatórios os segredos do “saco azul” que lhe permitiu controlar tudo e todos… até ser apanhado. Apesar de nunca assumir a culpa.
Monte Branco, Universo Espírito Santo e Operação Marquês. É através dos interrogatórios nestas três operações que Ricardo Salgado revela como foi criado e financiado o “saco azul” do GES. “Há duas fases diferentes. Há uma fase em que o ‘saco azul’, como está descrito no livro, é criado com o nome de Espirito Santo Financial (ESF), depois muda-se o nome para Espirito Santo Enterprise (ESE) e, finalmente, tem um terceiro nome que é Enterprise Management Services”, revela Luís Rosa numa conversa com o ECO sobre a obra editada pela Esfera dos Livros. Um veículo que é usado inicialmente para pagar aos “membros da família, depois foi alargado a administradores que não eram membros da família e depois a altos funcionários do GES e do BES”.
“Quando a ESF é criada, a família Espírito Santo já regressou a Portugal. E, quando regressa, parte dos salários da família Espírito Santo, ou pelo menos dos membros que eram titulares de órgãos sociais no BES e na Tranquilidade, eram pagos pelo ‘saco azul’ do BES. Ainda antes da ESF havia outra offshore que se chamava ESI – BVI que tinha sede nas ilhas virgens britânicas”, diz o autor. Estes pagamentos à família, como explicou Salgado nos interrogatórios, aconteciam através deste veículo para “não sobrecarregarem a folha salarial do BES e da Tranquilidade”.
Depois, em 2004, a ESE desaparece do organograma do GES. Luís Rosa conta que falou com vários membros da família ES que disseram desconhecer a existência da sociedade. Teria supostamente sido encerrada. “É a partir daí que ela começa a ser secreta.”
São três períodos diferentes, três fases diferentes da vida de Ricardo Salgado. Mas o seu discurso não muda. É uma autêntica sacudidela de água do capote de forma permanente e absoluta que ele tem ao longo destes três diferentes interrogatórios.
Mas como é que Ricardo Salgado escondeu o “saco azul” durante tanto tempo? “Parece-me que Ricardo Salgado era seguido de forma cega pelos membros da família“, refere o autor. Aquilo que o banqueiro “determinava, propunha, a estratégica que construía era, regra geral, aprovado”, diz Luís Rosa. E o sentido crítico dos membros da família Espírito Santo apareceu “já muito perto da derrocada, quando já não havia nada a fazer”. Entre os altos funcionários, também ninguém ousava questionar Salgado. “Tinha um controlo total da situação. Portanto, do ponto de vista interno, foi bastante fácil esconder as coisas”, explica o jornalista.
Apesar de ter sido confrontado com vários factos documentados, Ricardo Salgado nunca assumiu a culpa. “São três períodos diferentes, três fases diferentes da vida de Ricardo Salgado. Mas o seu discurso não muda. É uma autêntica sacudidela de água do capote de forma permanente e absoluta que ele tem ao longo destes três diferentes interrogatórios“, nota Luís Rosa. “Existe, no mínimo incompetência, porque o BES conseguiu ser contaminado pelo buraco financeiro do GES”. Um buraco que é “obviamente responsabilidade da gestão liderada por Ricardo Salgado. Pelo menos isso deveria eventualmente assumir. Mas não o faz, o que não deixa de ser surpreendente”, diz o autor do livro.
Como Angola pesou na queda do império GES/BES
Quando estalou a crise em Portugal, a torneira da liquidez fechou para os bancos. Foi nesta altura que o GES procurou o apoio de Angola, através nomeadamente da Escom e do BES Angola. “Angola sempre teve um papel muito importante no GES, nomeadamente a partir do momento que o grupo começa a ter problemas financeiros”, explica Luís Rosa ao ECO.
"Angola sempre teve um papel muito importante no GES, nomeadamente a partir do momento que o grupo começa a ter problemas financeiros.”
“Quando começa a existir um buraco — e a alegada falsificação da contabilidade terá começado em 2008 ou 2009 — a necessidade de liquidez do GES começa a ser muito aguda e Angola tem um papel essencial nesse acesso à liquidez, seja pelos lucros e dividendos do BESA, seja pela importância que a Escom tinha no acesso à liquidez de imobiliário e diamantes”, refere o jornalista.
Uma relação que aproximou Ricardo Salgado de José Eduardo dos Santos. Em Angola, este acesso à liquidez implica “grandes relações com o poder político e há, de facto, uma relação íntima entre o GES e o regime de José Eduardo dos Santos”, denota o autor. Mas até este apoio foi perdido por Salgado quando a economia angolana entrou em crise e deixou de ceder liquidez como antes.
Um novo DDT? “Eles podem sempre aparecer”
Apesar de reconhecer que houve falhas claras na regulação, Luís Rosa afirma que por muito que o Banco de Portugal, Ministério Público e o Estado supervisionem e fiscalizem, “nunca conseguirão evitar a prática de irregularidades”. É, por isso, possível que volte a aparecer outro Dono Disto Tudo (DDT). “O capitalismo, que é um sistema económico que trouxe muitos progressos à humanidade, muito progresso económico e social a Portugal, é o melhor sistema económico que existe. Tem os seus defeitos, que derivam essencialmente da ganância das pessoas, que é um defeito que existirá sempre”.
"Não devemos ficar em silêncio e muitas vezes muitas pessoas ficaram em silêncio. É por isso que se constroem os donos disto tudo.”
Aos olhos do autor, o que não pode acontecer é remetermo-nos ao silêncio. Os jornalistas devem desempenhar o seu papel, relatando dentro das linhas editoriais dos jornais e do respeito pela lei. Já a sociedade civil deve manter atenta e com espírito crítico. “Não devemos ficar em silêncio e muitas vezes muitas pessoas ficaram em silêncio. É por isso que se constroem os Donos Disto Tudo”, remata.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Luís Rosa: Ricardo Salgado “sacudiu a água do capote” no BES
{{ noCommentsLabel }}