Mais limitações para os advogados-deputados. Fomos ouvi-los
O Parlamento está a discutir regras mais apertadas para deputados que são advogados e mantêm relações com o Estado. Uns falam em "funcionalização dos políticos", outros pedem o fim da "promiscuidade".
O bastonário da Ordem dos Advogados não tem dúvidas: a proposta socialista, que visa proibir os deputados, que acumulem a atividade parlamentar com a advocacia, de litigar a favor ou contra o Estado, é acertada.
Em conversa com o ECO, Guilherme de Figueiredo sublinha que esta é uma incompatibilidade relativa, isto é, não impede o exercício jurídico, apenas o inibe em situações concretas. O bastonário prevê que, assim, se irá conseguir o reforço da “transparência” da relação mantida entre estes políticos e o exercício jurídico. Na comissão na qual estão a decorrer os trabalhos legislativos, nem todos elogiam, contudo, esta medida.
O Projeto de Lei entregue pelo PS estipula que está vedada aos deputados a prestação de serviços (de consultoria, emissão de pareceres ou patrocínio judiciário) nas ações a favor ou contra o Estado ou outros entes públicos. Além disso, também as sociedades nas quais participem advogados nestas circunstâncias devem ficar inibidas de participar nos processos referidos. Atualmente, a lei já dita que os parlamentares não podem litigar contra o Estado, mas os socialistas querem endurecer o regime.
Pode-se falar de um cerco, porque estamos a apontar a agulha só para os advogados.
“Pode-se falar de um cerco, porque estamos a apontar a agulha só para os advogados“, defende Vânia Dias da Silva, em declarações ao ECO. A democrata-cristã garante que a proposta é um passo no sentido da exclusividade e da funcionalização dos deputados, o que considera nefasto à vida política. “Funcionalizar os políticos é algo de que o CDS-PP discorda. Não queremos políticos alheados da sociedade”, avança a deputada, que também é jurista. Dias da Silva adianta que, se tal acontecer, os parlamentares ficarão “amarrados aos diretórios partidários” e, consequentemente, perderão a liberdade, no exercício das suas funções.
À esquerda, as vozes tendem, por outro lado, a aplaudir a iniciativa socialista e a exigir o aumento do escrutínio. “Esperamos que possa resultar disto um reforço da transparência e a eliminação de algumas situações de promiscuidade“, explica ao ECO António Filipe. O comunista descarta a ideia de que se está a caminhar para um regime de exclusividade e esclarece: “[a proposta] apenas aperta a malha, porque quem exerce um cargo público não pode servir interesses privados”. “Trata-se apenas de apertar a malha das situações incompatíveis”, concorda o socialista Pedro Delgado Alves.
Já José Luís Ferreira do PEV acrescenta: “Se for um passo no sentido da exclusividade, é bem-vindo”. À voz do deputado do PEV (também ele jurista), junta-se a do bloquista Pedro Filipe Soares. “Concordamos com a proposta, mas gostaríamos de ir mais longe e propor a exclusividade, para evitar de todo a acumulação de funções“, defende o político.
O representante do Bloco de Esquerda conta que todos os deputados da bancada do seu partido estão nesse regime e enfatiza que “não se pode dizer que tenham perdido a sua independência”, como prevê o CDS. “Os deputados em part-time acumulam funções, o que desvia a sua atenção e pode promover a promiscuidade”, acrescenta. O matemático faz questão de notar que nunca haverá uma “profissionalização dos parlamentares”, porque o acesso a esse cargo é conseguido através de uma eleição e não como nos restantes casos.
Sociedades podem ser alçapão?
“É caricato que um deputado não possa vender nem uma caneta ao Estado e através de uma sociedade já pode fazê-lo”, comenta o deputado do PEV. José Luís Ferreira considera, por isso, que a proposta do alargamento da proibição em causa também às sociedades de advogados que estes políticos integram é mais do que necessária.
Os comunistas corroboram a posição dos ecologistas. “Parece-nos que se não for extensivo às sociedades, temos um alçapão, porque pode continuar a existir uma situação encapotada”, defende António Filipe. O socialista Pedro Delgado Alves revela também que, se não acontecer este alargamento, o conflito de interesses pode manter-se de forma indireta. “Deveria acontecer o mesmo que acontece com os membros do Governo”, vai mais longe Pedro Filipe Soares. “Quando um político entra no Executivo, se tem uma quota numa sociedade, tem de a vender. O mesmo registo devia ser aplicado aos deputados“, remata o bloquista.
É caricato que um deputado não possa vender nem uma caneta ao Estado e através de uma sociedade já pode fazê-lo.
Na Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas as certezas da esquerda contrastam com as dúvidas da direita. Neste ponto particular, o CDS-PP pede cuidado. “Proibir à partida parece manifestamente exagerado”, sublinha Vânia Dias da Silva. Em alternativa, a deputada defende que as incompatibilidades sejam tornadas claras numa declaração de interesses… o que vai mesmo acontecer. A proposta socialista integra também a obrigação do esclarecimento sobre a sociedade para a qual trabalham os deputados-advogados no seu Registo de Interesses.
Sobre estas matérias, o deputado Duarte Marques garantiu, ao ECO, que o partido social-democrata ainda não tem uma posição definida, apontando a mudança de líder como justificação para essa indefinição.
Cerca de 32% dos 230 deputados são identificados, no site do Parlamento, como juristas. Destes, 37 aparecem como advogados (não necessariamente no ativo). No Estatuto dos Deputados, passará também a constar uma norma que vai impedir os parlamentares de “prestar serviços, manter relações de trabalho subordinado ou integrar, a qualquer título, organismos de instituições, empresas ou sociedades de crédito, seguradoras e financeiras“.
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