Pão e leite mais caros com quebra histórica na produção de cereais? Produtores dizem que não
Ainda que a produção de cereais esteja a cair para mínimos de um século, os preços não vão sofrer. Isto porque quase todos os cereais que se gastam em Portugal vêm do estrangeiro.
O tempo quente e seco do passado mês de janeiro trouxe as piores previsões do último século, no que diz respeito à produção de cereais. A superfície semeada de cereais de outono e inverno, aqueles que são utilizados tanto para a alimentação humana como animal, irá atingir um mínimo histórico de 121 mil hectares, a menor área dos últimos cem anos.
Os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística fizeram soar os alarmes, mas será que esta redução da produção de cereais terá um impacto concreto nos preços ao consumidor? “Em termos práticos, para o consumidor final de pão ou de massa não vai ter influência nenhuma”, responde José Palha, diretor da Associação Nacional de Produtores de Cereais (ANPOC), ao ECO. Isto porque a maioria dos cereais que se consomem atualmente em Portugal não têm origem nacional.
“Portugal importa 95% das suas necessidades de cereais, ainda que tenhamos capacidade instalada para transformar o cereal que produzimos cá e muito mais”, aponta o responsável da ANPOC. E quando se fala em cereais para produção, esta percentagem toca quase a totalidade. “Costumamos dizer que 99% dos componentes das rações são matérias-primas importadas, não são nossas. E estamos mais dependentes do que importamos”, aponta também Jorge Oliveira, diretor da Associação de Produtores de Leite (APROLEP).
"É mau para o país porque em caso de haver um embargo ou um corte na produção, nós ficamos sem cereais para produzir as nossas rações e o nosso pão.”
Para os produtores de leite nacional, “o aprovisionamento dos cereais não tem grande impacto, mas sim as bolsas internacionais”, visto que as rações e os subprodutos dos cereais para alimentar as vacas leiteiras vêm de fora e se regem pelas cotações dos mercados. Assim, não está em causa o aumento dos preços, mas sim a crescente dependência do setor. “É mau para o país porque em caso de haver um embargo ou um corte na produção, ficamos sem cereais para produzir as nossas rações e o nosso pão”, considera Jorge Oliveira.
Já no setor da panificação, a variação dos preços ainda não está posta de parte. Ao ECO, José Francisco Silva avança que o setor está a negociar esta movimentação. “Enquanto não tivermos este processo encerrado com os parceiros, não podemos afirmar nada”, diz. Ainda assim, o responsável pela Associação do Comércio e Indústria da Panificação volta a reiterar: “Não nos podemos esquecer que a grande maioria do trigo que é gasto não é produzido em Portugal”.
À seca junta-se a reforma da PAC
O relatório do INE aponta a seca como o principal causa desta queda na área semeada, afirmando ainda que, atualmente, mais de metade do território continental se encontra em seca severa. O valor médio da temperatura a fixou-se 0,2º Celsius acima do normal e a precipitação ficou 35% atrás do esperado. Estes fatores, para além de afetar a produtividade das colheitas, afetou também o planeamento dos agricultores, que, ao temer consequências maiores, reduziram as sementeiras.
“Na altura das sementeiras, que seria novembro e dezembro, os solos estavam secos e as pessoas tiveram medo de semear com o risco de perder a cultura”, justifica José Palha. “E este setor tem a tesouraria em baixo, os produtores têm pouca margem para arriscar e perder.” Ainda assim, as alterações climáticas não são, para os agricultores, as únicas causadoras desta queda histórica.
"Na altura das sementeiras, que seria novembro e dezembro, os solos estavam secos e as pessoas tiveram medo de semear com o risco de perder a cultura.”
“Isto tem a ver com a seca, mas também porque os preços aos produtores não têm sido compensatórios. Não compensa produzir“, aponta Jorge Oliveira da APROLEP. “Os subsídios têm sido entregues por hectare e não por produção, não é um estímulo à produção.” As críticas às medidas implementadas com a Política Agrícola Comum (PAC) são também reiteradas por José Palha, que defende não ser possível concorrer com “os colegas franceses ou holandeses” no que diz respeito ao preço. O caminho dos produtores portugueses será a qualidade.
Autossuficiência não está em cima da mesa
Para o responsável da ANPOC a dependência do setor poderá aumentar de 95% para 97%. Somados todos estes fatores, o caminho passa agora por apresentar ao Governo medidas que possam mitigar este avanço. Mas tendo sempre em conta que “não se pensa na autossuficiência”.
"Os subsídios têm sido entregues por hectare e não por produção, não é um estímulo à produção.”
“O Governo português está desperto para a necessidade de encontrar soluções para promover a produção de cereais”, garante José Palha. “Só há dois países mais dependentes que nós na importação, a Holanda e Malta. Os outros têm um equilíbrio muito superior ao nosso”. Não avançando quais as medidas que vão ser apresentadas ao gabinete de Luís Capoulas Santos, o responsável admite, porém, que estas passarão também pela gestão da água.
“O armazenamento de água deveria ser uma prioridade nacional, estes fenómenos de alterações climáticas que antes eram uma exceção, cada vez se tornam mais a regra”, conclui Palha. “Ainda hoje estava ouvir na rádio que estava um belo dia porque estavam 20ºC e não havia previsão de chuva. Estarem 20ºC em fevereiro é trágico.”
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