Angola mudou? Empresários portugueses querem ver os próximos passos de João Lourenço
Visita oficial de Costa a Angola visa a normalização das relações entre os dois países. Empresários e economistas valorizam a viagem, mas "colocam as fichas" no combate à corrupção de João Lourenço.
A visita oficial que António Costa inicia esta segunda-feira a Angola marca, sobretudo, o fim do desanuviar das tensões políticas provocadas pelo processo judicial em Lisboa contra o ex-vice-Presidente da República angolano, Manuel Vicente. Mas é o desenlace das medidas que o Presidente João Lourenço tem vindo a introduzir na realidade angolana, como o afastamento da família dos Santos e a tentativa de combate à corrupção que mais desperta a curiosidade dos empresários e economistas contactados pelo ECO.
A grande questão que se coloca, no momento, é perceber se as medidas anunciadas serão para manter ou se, no fim do dia, os vícios construídos ao longo de décadas se irão sobrepor à boa vontade de Lourenço.
Manuel Enes Ferreira, professor do ISEG dá, “neste momento, o benefício da dúvida ao Presidente angolano sem grandes problemas, dado as medidas que têm sido anunciadas”.
Já para o empresário Eduardo Rangel, presidente do conselho de administração do grupo Rangel, com forte presença em Angola, “as alterações que têm sido feitas credibilizam Angola a nível internacional, nomeadamente junto do Fundo Monetário Internacional, o que acaba por dar confiança aos investidores“.
Não consigo ainda transferir o dinheiro que faturo nem os dividendos, mas os salários já têm vindo a ser transferidos, e isso é um bom sinal.
Eduardo Rangel, cujo grupo fatura perto de 18 milhões de euros em Angola, admite que não consegue “ainda transferir o dinheiro que fatura nem os dividendos, mas os salários já têm vindo a ser transferidos, e isso é um bom sinal”. O grupo Rangel detém em Angola, um projeto logístico idêntico, ao que tem em Portugal, sobretudo ao nível do frio, e ainda o transporte marítimo e aéreo, para além de ser o representante da FEDEX para aquele país. No total emprega 270 pessoas.
Manuel Enes Ferreira tem também uma opinião favorável sobre o impacto que as ações do atual Presidente angolano têm sobre as empresas portuguesas. “A gestão mais criteriosa das receitas cambiais vai resolver de forma mais célere os atrasos em questões de pagamentos”, diz Enes Ferreira. Esse é precisamente um dos pontos da agenda da visita do primeiro-ministro. Será assinado um memorando para o início do processo de regularização de dívidas a empresas portuguesas, cujo montante global é estimado no mínimo (embora não oficialmente) entre os 400 e os 500 milhões de euros e que afeta, sobretudo, as áreas da construção e obras públicas.
A gestão mais criteriosa das receitas cambiais vai resolver de forma mais célere os atrasos em questões de pagamentos.
O especialista em questões angolanas refere mesmo que “se a política económica começa a funcionar de forma mais aberta e dinâmica isso terá impacto nas empresas exportadoras e também ao nível da mão-de-obra que trabalha em Angola”.
Há um risco que, contudo, já existe, no entender de Enes Ferreira e que é da concorrência internacional. Matéria em que o Presidente angolano tem demonstrado algum empenho, mas isso “não vai fazer perigar as empresas portuguesas que, de resto, são muito bem consideradas em Angola, quer seja na indústria, quer seja nos serviços”.
Fim da dupla tributação
Entre os dossiers que António Costa leva na bagagem está também o fim da dupla tributação entre os dois países. Portugal e Angola deverão assinar, durante a visita de Costa, uma convenção destinada a acabar com a dupla tributação. Um tema há muito desejado pelos empresários de ambos os países, penalizados pelo facto dos mesmos rendimentos serem taxados duas vezes.
Jorge Armindo, com interesses em Angola que estão para já “congelados”, diz que esta é uma “medida muito positiva para as empresas portuguesas”. Opinião idêntica tem Carlos Barbot, presidente das Tintas Barbot. “Isso é ótimo porque deixamos de pagar nos dois lados”, refere o empresário.
As Tintas Barbot estão presentes em Angola desde 2008, e chegaram a ter dez lojas, mas com a crise reduziram para metade. Carlos Barbot admite que “se a situação continuar a evoluir favoravelmente, ou seja se a falta de divisas continuar a melhorar, podemos abrir mais uma loja brevemente desde que haja disponibilidade para trazer divisas de Angola”.
Se a situação continuar a evoluir favoravelmente, ou seja se a falta de dividas continuar a melhorar, podemos abrir mais uma loja brevemente desde que haja disponibilidade para trazer divisas de Angola.
Apesar de não conhecer os temas que Costa levará na “mala” para discutir com o Governo angolano, Eugénio Costa Almeida, investigador do centro de estudos internacionais do ISCTE, acredita que questões como “as transferências dos expatriados, as dívidas aos exportadores portugueses, nomeadamente as dívidas à TAP — ainda que já tenham afirmado que a mesma está em resolução, vão ser discutidas”.
Ainda na questão económica, o investigador do ISCTE acredita que a proteção angolana dos créditos de exportadores portugueses, assim como as questões bancárias — em particular a participação de bancos portugueses em bancos angolanos –, tendo em conta as normas comunitárias e do BCE, e ainda as relações dentro da CPLP, poderão ser abordadas. De facto, de acordo com Luís Marques Mendes, haverá “o reforço em 500 milhões de euros da linha de crédito para apoiar as exportações portuguesas para Angola”. No seu comentário semanal na Sic, defendeu que “Portugal precisa de intensificar a sua relação económica com Angola, para investir e para exportar”, já que, há uns anos, Angola era o quarto destino das exportações portuguesas.
Angola é um mercado importante para as exportações nacionais, pese embora os números tenham vindo a decair nos últimos anos. Em 2017, por exemplo, as exportações portuguesas para Angola atingiram os 2.786 milhões de euros.
De acordo com os dados do INE, em julho, as exportações para Angola voltaram a registar uma diminuição de 21,4% face ao período homólogo. Uma tendência que de resto já se tinha sentido no primeiro semestre do ano, altura em que as exportações tinham decrescido em 135 milhões de euros. O mercado angolano tem peso nas exportações agroalimentares, de máquinas e aparelhos, sendo o oitavo maior destino. Mas se as exportações decresceram o mesmo não acontece com as importações, com Portugal a importar mais 315 milhões de Angola. Portugal compra sobretudo petróleo a Angola.
Aliás o decréscimo nas exportações tem também sido acompanhado pela contração do investimento português em Angola. Segundo dados disponibilizados pela AICEP, com base nos dados do Banco de Portugal, relativos a 2016, o investimento direto português em Angola registou um valor negativo de 84,8 milhões de euros, enquanto o investimento angolano em Portugal foi de 19,3 milhões de euros. Aliás, de 2012 a 2017, o investimento português em Angola caiu à média anual de 43,9%, enquanto o investimento direto de Angola em Portugal evoluiu positivamente a uma média anual de 62,9%.
Mira Amaral, ex-ministro dos governos de Cavaco Silva e ex-presidente do BIC, adianta que “as visitas de membros do Governo a Angola são sempre importantes”. Sobre o timing em concreto desta, Mira Amaral sublinha: “O enquadramento político é sempre muito positivo e precisamos de entrar numa nova fase, assim como é positiva a vinda, em novembro, do Presidente de Angola a Portugal”.
O enquadramento político é sempre muito positivo e precisamos de entrar numa nova fase, assim como é positiva a vinda, em novembro, do Presidente de Angola a Portugal.
Também Jorge Armindo defende a importância “da normalidade das relações com Angola”.
De resto, em Angola a visita é também considerada importante, prova disso é a visita recíproca que João Lourença fará a Portugal em novembro, dias 23 e 24.
Petróleo em alta e as críticas de Isabel dos Santos
A forte dependência das receitas petrolíferas fez com que o país entrasse numa crise profunda, e tivesse, inclusive, que recorrer à ajuda do Fundo Monetário Europeu (FMI), estando a negociar um programa de financiamento de 3.700 milhões de dólares. Agora que o petróleo está de novo em tendência ascendente, ainda que longe dos 150 dólares em que chegou a atingir, a empresária Isabel dos Santos vem questionar a estratégia do governo por não estar a tirar partido da valorização do preço do petróleo.
As críticas de Isabel dos Santos a João Lourenço não são novas, mas em Portugal são desvalorizadas. Enes Ferreira é o mais contundente. “As críticas de Isabel dos Santos são ridículas, são de mau perdedor. Nem que o petróleo estivesse a 200 dólares, Angola não vai beneficiar disso no curto prazo”, diz o professor do ISEG. De resto, acrescenta Enes Ferreira, “as críticas da empresária são até contraproducentes, uma vez ela tem interesses em Angola e um mau ambiente só a vai prejudicar”.
De resto, a própria Moody’s adianta que apesar do preço do crude “ter subido para valor superior a 70 dólares (59,78 euros) por barril”, face aos 46 dólares (39,28 euros) de junho de 2017, o Orçamento do Governo de Angola continua sob pressão e o crescimento é anémico”. A Moody’s diz ainda que o programa de ajuda do FMI permitirá a Angola reforçar as reformas estruturais.
Já o empresário Jorge Armindo, desvaloriza a guerra entre a filha de José Eduardo dos Santos e João Lourenço e prefere falar nos benefícios para a economia angolana da subida do preço do petróleo. “A alta do preço do petróleo é favorável à resolução dos compromissos da economia angolana, mas a seu tempo”, refere.
De resto, é com base nas estimativas do aumento do preço do petróleo que a consultora FocusEconomics estimou, em agosto, um crescimento de 1% da economia angolana para 2018 e de 2,3% para 2019.
Serão os investimentos de Isabel dos Santos em Portugal motivo de conversa entre Costa e Lourenço?
Eugénio Costa Almeida adianta que isso é uma possibilidade. E justifica: “Sabendo-se que Isabel dos Santos terá tido algumas ajudas bancárias, de bancos nacionais, nem que seja, em termos de cartas de conforto para usufruir de condições de crédito e de empréstimos em bancos portugueses — para os seus empreendimentos no exterior, no caso concreto, em Portugal — e, dado que alguns dos apoios governamentais angolanos (recordo o caso Efacec) foram retirados é possível que isso também seja abordado”.
Polémicas à parte, António Costa já disse que gostaria que os encontros entre Portugal e Angola assumissem um caráter anual. “Angola tem um papel fundamental porque vai ser um dos grandes motores do desenvolvimento do continente africano”, justifica o primeiro-ministro em entrevista ao Diário de Notícias (acesso pago). “O facto de ela ter uma presença forte na Europa reforça a sua posição. Angola tem condições para não estar virada sobre si mesma, abrir-se ao mundo e ao continente. Todos temos uma enorme expectativa de que, com o Presidente João Lourenço, Angola afirme esse papel de liderança”, acrescenta.
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