Cavaco aceitou “papel de intermediário” entre Sócrates e Passos para “evitar crise política”
No prefácio do livro de Eduardo Catroga, o ex-Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, diz que aceitou o "papel de intermediário" entre Sócrates e Passos nas negociações com a Troika.
O ex-Presidente da República Aníbal Cavaco Silva afirma ter aceitado desempenhar o “papel de intermediário” entre José Sócrates e Passos Coelho, aquando na negociação com a Troika, em 2011, para “evitar uma crise política”.
“Dada a má relação pessoal entre o presidente do PSD Pedro Passos Coelho e o primeiro-ministro José Sócrates, aceitei desempenhar o papel de intermediário entre os dois líderes políticos, de modo a evitar uma crise política que teria graves consequências económicas e financeiras para o país”, escreve Aníbal Cavaco Silva no prefácio de um livro autobiográfico de Eduardo Catroga, editado pela Bertrand, que é lançado hoje em Lisboa.
O ex-chefe de Estado não poupa elogios ao seu antigo ministro das Finanças no decorrer de um texto em que revela que Catroga o manteve “regularmente informado” das negociações entre o Governo de José Sócrates, uma delegação do PSD e a Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) com vista a fechar o Programa de Assistência Económica e Financeira nos meses de abril e maio de 2011.
“As negociações prolongaram-se por uma semana e passaram por fases de impasse e de rutura. Eduardo Catroga, apoiado por Carlos Moedas, apresentou-se muito bem preparado, dominando ao pormenor as questões orçamentais, e revelou-se um negociador político hábil, mantendo-me regularmente informado do curso das negociações”, escreve.
Cavaco refere que Catroga lhe enviou “cópias das quatro cartas que escreveu ao ministro responsável pelos contactos com os partidos, Pedro Silva Pereira, e delas deu conhecimento à Troika, composta pelos representantes da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional. “As desconfianças por ele manifestadas sobre a verdadeira situação das finanças públicas vieram a confirmar-se”, comenta logo a seguir.
Dada a má relação pessoal entre o presidente do PSD Pedro Passos Coelho e o primeiro-ministro José Sócrates, aceitei desempenhar o papel de intermediário entre os dois líderes políticos, de modo a evitar uma crise política que teria graves consequências económicas e financeiras para o país.
Outra das revelações no prefácio do livro do seu amigo “de longa data” — Gestão, Política e Economia – Vivências e Reflexões — foi que Catroga rejeitou integrar o Governo de Nobre da Costa, em 1978, (de iniciativa presidencial de Ramalho Eanes). E “o mesmo terá acontecido com Pedro Santana Lopes, na sua tentativa para que Catroga integrasse o Governo a que presidiu na sequência da nomeação de José Manuel Durão Barroso para presidente da Comissão Europeia, e com Pedro Passos Coelho, para que ocupasse a pasta da Economia do Governo de coligação PSD-CDS”, sublinha.
“Eu próprio, como primeiro-ministro, falhei na tentativa de o trazer em 1990 para o Governo, mas tive sucesso mais tarde, em finais de 1993”, assinala. Nessa data, acabou por conseguir após uma “ampla remodelação” do executivo.
“Registo com satisfação o facto de ter sido o único primeiro-ministro a convencer aquele que era visto como um dos melhores gestores portugueses a aceitar integrar um Governo. Presumo que foram decisivas três razões: o peso na consciência por já ter rejeitado vários convites para servir o país como membro do Governo; ter acumulado uma folga financeira mais do que suficiente para acomodar os prejuízos que um cargo ministerial no seu caso implicava; e ter-lhe oferecido uma pasta ministerial bastante aliciante, as Finanças, a mesma com que Sá carneiro, em dezembro de 1979, vencera a minha resistência a integrar o Governo da Aliança Democrática (AD)”, frisa.
Cavaco Silva salienta que a nomeação de Catroga para ministro das Finanças “apanhou o mundo político e mediático de surpresa”. “Não era conhecido como especialista de macroeconomia e, apesar da sua reputação como gestor, era um desconhecido nos meios político-partidários”, indica, classificando o seu amigo como “um dos melhores gestores empresariais do Portugal democrático”.
Atendendo à crise económica de 1992 e início de 1993, Catroga era “a pessoa certa à frente do Ministério das Finanças para promover a criação de condições para a recuperação sustentada da economia portuguesa e marcar um novo ciclo de crescimento e progresso, como aliás, se veio a confirmar”.
E Eduardo Catroga “geriu bem as expectativas, restituiu a confiança aos agentes económicos, e a retoma da economia portuguesa processou-se segundo um padrão saudável, liderada pelas exportações, a que se seguiram o investimento e, finalmente, a expansão do consumo”.
“Dos quatro ministros que ocuparam a pasta das Finanças durante os meus dez anos como primeiro-ministro, Eduardo Catroga foi aquele que, pela sua jovialidade, permanente boa disposição, talento de explicação e persistência, se revelou mais eficaz na aplicação do método da ‘autoridade soft‘ nas relações orçamentais com os outros ministros”, acentua.
Cavaco assinala que, “ao encerrar o mandato como primeiro-ministro, em 1995, Portugal apresentava índices de saúde económica e financeira e estava na trajetória certa para alcançar o grande objetivo, que tinha sido fixado no final da década de 1980, de integrar o grupo dos países fundadores da Zona Euro”. E Eduardo Catroga foi um dos ministros a aplicar “uma parte significativa de uma das reformas estruturais de dimensão histórica levadas a cabo pelos governos a que presidi: reduzir o grau de estatização da economia portuguesa”.
“Eduardo Catroga não se ficou pela defesa convicta e fundamentada do legado herdado pelo Governo de António Guterres. Empenhou-se também em demonstrar os erros de política económica cometidos pelo ministro Sousa Franco”, escreve o ex-Presidente da República.
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