CMEC foram “blindados” a partir de 2013, diz ex-secretário de Estado
Duas decisões tomadas pelo Governo de Passos Coelho dificultaram o corte aos CMEC que foram levados a cabo pelo atual Executivo, disse Jorge Seguro Sanches.
O atual Governo deparou-se com duas “condicionantes” quando quis reduzir a fatura com os custos de manutenção do equilíbrio contratual (os chamados CMEC). Por um lado, um decreto-lei do tempo de Pedro Passos Coelho que tornou estes contratos “blindados” no que toca à definição da taxa de juro recebida pela EDP. Por outro, uma outra decisão deste mesmo Governo PSD/CDS aumentou os custos com os CMEC em 240 milhões de euros em 2017 e 2018. Este cenário foi apresentado, esta quarta-feira, por Jorge Seguro Sanches, antigo secretário de Estado da Energia que está a ser ouvido na comissão parlamentar de inquérito ao pagamento de rendas excessivas aos produtores de eletricidade.
O antigo secretário de Estado recordou, durante a intervenção inicial, que o atual Governo procurou reduzir o custo com os CMEC “sem alterar a lei e sendo apenas rigoroso”. Contudo, enfrentou logo duas condicionantes: “Os CMEC foram blindados na taxa de juro“, começou por dizer Seguro Sanches. “A partir de 2013, a não ser que quiséssemos entrar em situação de litígio — na qual, na minha opinião, não teríamos a razão — passou a ser a EDP a definir a taxa de juro” que recebe no âmbito destes contratos, detalhou.
O ex-governante referia-se ao decreto-lei n.º 32/2013, cujos termos, criticou, “permanecem inteiramente desconhecidos”. Este decreto determinou que “deixou de ser o Governo a estabelecer a taxa, os pressupostos e a metodologia dos CMEC, passando estes a ser propostos pela EDP, que é que beneficia destes contratos.
A partir de 2013, a não ser que quiséssemos entrar em situação de litígio – na qual, na minha opinião, não teríamos a razão – passou a ser a EDP a definir a taxa de juro.
A segunda condicionante referida por Seguro Sanches foi o decreto-lei n.º 32/2014, que determinou o diferimento da parcela de acerto de 2012 dos CMEC, no montante de 240,9 milhões de euros, a ser recuperado em partes iguais nos anos 2017 e 2018, uma medida que levou a um aumento dos custos com os CMEC nestes anos. “Foi mais difícil baixar as tarifas da eletricidade em 2017 e 2018, porque estávamos a pagar, em cada um dos anos, 120 milhões de euros“, concluiu Seguro Sanches sobre este assunto.
Jorge Seguro Sanches, antigo secretário de Estado da Energia do atual Governo, foi substituído por João Galamba em outubro do ano passado, numa das oito remodelações governamentais já feitas nesta legislatura. A vinda do ex-governante a esta comissão de inquérito ganhou novos contornos depois de, na audição de António Mexia, que decorreu no final do mês passado, o PSD ter revelado que Seguro Sanches pediu expressamente para ser ouvido nesta comissão apenas depois do presidente da EDP, um pedido que foi aceite. Confrontado com este pedido, Mexia considerou-o “estranho”, mas assegurou que “a verdade dos factos não será alterada pela ordem das audições”.
Seguro Sanches foi o secretário de Estado que determinou um corte de 102 milhões de euros nos CMEC a receber pela EDP, para além de ter decidido obrigar a elétrica a devolver 285 milhões de euros, pela alegada sobrecompensação no cálculo da disponibilidade das centrais que operam em regime de CMEC, uma decisão que está a ser contestada pela EDP nos tribunais. O antigo secretário de Estado avançou ainda com cortes nos juros da dívida tarifária que o Estado paga à EDP e chegou também a acusar a EDP e a Endesa de refletirem os custos que têm com a tarifa social e com a Contribuição Extraordinária Sobre o Setor Energético (CESE) sobre os preços finais cobrados aos clientes, decidindo, por isso, que as duas empresas teriam de devolver perto de 90 milhões de euros aos consumidores.
Chumbo da taxa sobre renováveis foi decisão do PS
Questionado pelo deputado Jorge Costa, do Bloco de Esquerda, sobre o chumbo da taxa extraordinária sobre as energias renováveis, que chegou a ser aprovada para o Orçamento do Estado para 2018 mas que acabou por cair no Parlamento, Jorge Seguro Sanches rejeitou qualquer responsabilidade da parte do Governo. A decisão de votar contra a proposta dos bloquistas, garante, foi inteiramente do PS.
“Concordei com o modelo da proposta. Ela fazia sentido numa situação em que temos uma dívida tarifária tão alta e em que, ao mesmo tempo, estamos a pagar, por ano, cerca de 1,1 mil milhões de sobrecusto. Se há um custo a ser assumido pelos consumidores, parece-me justo que os produtores deem também um contributo para acabar com a dívida tarifária“, começou por responder o antigo secretário de Estado.
“A decisão não tem a ver com o Governo, ou, pelo menos, com as minhas opções. A decisão tem a ver com uma alteração do sentido de voto”, garantiu. A questão voltou a ser levantada pelo deputado Helder Amaral, do CDS, e Seguro Sanches insistiu na resposta: “A alteração da posição não ocorreu da minha parte ou dos membros do governo com que trabalhei. A alteração ocorreu na Assembleia da República”.
Em causa está uma proposta, que foi apresentada pelo Bloco de Esquerda no âmbito do Orçamento do Estado para 2018, para a introdução de uma nova contribuição para as empresas de energias renováveis. A proposta chegou a passar numa primeira fase de votações, mas acabou por ser rejeitada com os votos do PS e do CDS. Na altura, a deputada Mariana Mortágua acusou: “Faltaram nervos de aço ao Governo para enfrentar as empresas produtoras de energia“.
Ainda não ligámos o interruptor e já estamos a pagar 40% de rendas.
Mas a ideia foi rejeitada pelo Governo e volta agora a ser recusada. Seguro Sanches admite que não considerava que esta fosse “uma medida em que tivesse 100% de certeza sobre a sua justeza e bondade”. Mas ressalva: “Achei que era uma medida correta, no sentido de contribuir para que o preço da eletricidade pudesse reduzir-se”, num contexto de rendas consideradas excessivas. “Ainda não ligámos o interruptor e já estamos a pagar 40% de rendas“, atirou.
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