Ministério das Finanças diz que cálculo da UTAO sobre tempo de serviço dos professores “é totalmente arbitrário”
Governo questiona a UTAO por fazer contas ao custo líquido da reposição integral do tempo de serviço das carreiras especiais e diz que este é o maior aumento de despesa permanente dos últimos 20 anos.
O Ministério das Finanças reagiu esta quarta-feira aos cálculos que a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) fez relativamente ao custo líquido, descontando contribuições para a Segurança Social e descontos com IRS e ADSE, da reposição integral do tempo de serviço das carreiras especiais, dizendo que “este cálculo é totalmente arbitrário”, mas não avança valores líquidos. O gabinete de Mário Centeno diz que este seria o maior aumento de despesa permanente desde que Portugal aderiu ao euro, em 1999.
“Quer em termos brutos, quer em termos líquidos a medida teria o valor extremamente elevado e seria a medida com maior impacto na despesa permanente”, disse o secretário de Estado do Orçamento, João Leão, em declarações às televisões depois de publicado o comunicado do Ministério das Finanças.
A disputa sobre o custo da medida aprovada na especialidade pelo PSD, CDS-PP, Bloco de Esquerda e PCP continua acesa. Esta manhã, num relatório enviado aos deputados, os técnicos independentes que dão apoio aos deputados da comissão parlamentar de Orçamento estimaram em 567 milhões de euros o custo para o Estado de pagar aos professores e restantes carreiras especiais os nove anos, quatro meses e dois dias de tempo de serviço que esteve congelado. Este valor retira já o montante que o Estado recebe de receita acrescida com contribuições para a Segurança Social e IRS.
O Governo entende que “este cálculo é totalmente arbitrário” por duas razões fundamentais.
A primeira dessa razão é por ser um valor bruto. No comunicado, o Governo diz que sempre apresentou os valores brutos das medidas de despesa “no cumprimento da Lei de Enquadramento Orçamental em vigor”, e que o Governo “é responsável pela orçamentação de todas as despesas, neste caso das despesas com pessoal. O seu valor será acrescido pela totalidade do impacto bruto que são responsabilidade do Estado enquanto empregador”.
A lei citada pelo Governo aplica-se à elaboração do Orçamento do Estado, mas a lei do Orçamento do Estado — e o relatório explicativo que o acompanha — não faz qualquer referência à contagem do tempo de serviço, nem ao valor que já tinha sido acordado pelo Governo (e que foi aprovado num decreto-lei autónomo), nem o tempo. A única norma que existe na Lei do Orçamento deste ano é a replicação da norma que obriga o Governo a negociar com os sindicatos.
Os 40 milhões de euros a gastar em 2019 com a contagem dos dois anos, nove meses e 18 dias de tempo de serviço aprovados nos dois decretos-lei relativos às carreiras especiais sairão da dotação provisional, a dotação para despesas imprevistas e inadiáveis, que foi onde Mário Centeno reservou este dinheiro.
No mesmo comunicado, o Ministério das Finanças diz também que o cálculo é arbitrário porque “as contribuições sociais têm como finalidade financiar a despesa com pensões e prestações da Segurança Social” e este “acréscimo de contribuições gera responsabilidades e despesa adicional, quer no curto quer no longo prazo, de montante igual ou superior, o que não é considerado pela UTAO”. “Descontar este valor ao custo da medida tem o mesmo efeito de querer gastar duas vezes o mesmo euro. Seria de uma clara irresponsabilidade orçamental, apenas geraria a necessidade de emitir dívida num montante idêntico ou aumentar os impostos para o financiar”, diz o Governo.
O mesmo pensamento é aplicado as receitas de IRS. “A consignação das receitas de IRS ao pagamento da reposição do tempo subjacente ao cálculo do valor líquido é contrário às regras de generalidade da receita fiscal. A receita de IRS associada a esta despesa com pessoal não é diferente de qualquer outra receita de IRS obtida com o rendimento de todos os outros portugueses”, diz o comunicado do Ministério das Finanças.
Desde o início deste debate sobre a contagem do tempo de serviço que o Governo tem usado os valores brutos e argumentado que as receitas acrescidas não deveriam ser usadas para pagar estas progressões. No entanto, quando o Governo apresentou em 2017 o descongelamento de carreiras dos funcionários públicos referiu-se sempre ao custo total da medida como sendo de cerca de 600 milhões de euros.
Este era o valor líquido da medida, e não o valor bruto que o Governo argumenta agora que deve ser o valor usado, já que o valor bruto da medida — não descontando o custo com contribuições para a Segurança Social e os descontos com IRS — superava os mil milhões de euros quando acabasse o faseamento previsto na lei.
“Os dados demonstram que o descongelamento das carreiras é um processo complexo, pois incide sobre uma enorme diversidade de situações. O processo de congelamento teve a duração de sete anos e o impacto orçamental do descongelamento estima-se superior a 600 milhões de euros”, lê-se no comunicado do Ministério das Finanças enviado a 21 de setembro de 2017 aos jornalistas após a reunião com os sindicatos.
A própria secretária de Estado da Administração Pública, Fátima Fonseca, disse isso mesmo em entrevista à RTP, usando os valores líquidos para estimar o custo do descongelamento das carreiras. “O descongelamento das carreiras custa ao Estado português mais de 600 milhões de euros ao longo de três exercícios orçamentais”, disse a secretária de Estado de Mário Centeno.
O Ministério das Finanças diz também que os 800 milhões de euros que custaria “a reposição dos nove anos e quatro meses seria a medida com maior impacto na despesa permanente desde que Portugal entrou no euro (considerando sempre valores brutos)”.
No entanto, na mesma medida de comparação usada pelo Governo, o custo do descongelamento de carreiras iniciado em 2018 (que também beneficia os professores), tem um custo estimado pelo próprio Executivo no Programa de Estabilidade de 1.039,5 milhões de euros, mais 234,5 milhões de euros do que custa a reposição integral do tempo de serviço das carreiras especiais.
Apesar de contestar este cálculo da UTAO, o Governo usa outros cálculos destes técnicos — desta feita os relativos ao impacto estrutural — para sublinhar os efeitos negativos que a aprovação desta medida teriam para as contas públicas e para o cumprimento das regras orçamentais.
“Refira-se que a UTAO menciona o impacto adicional no défice estrutural de 0,17 pontos percentuais, o que levaria o efeito total da reposição dos nove anos e quatro meses a 0,24 pontos percentuais do PIB. De acordo com a UTAO agravaria a probabilidade de incumprimento das regras do saldo estrutural e do esforço de convergência para o objetivo de médio prazo. Sem mais medidas de mitigação da despesa a “regra da despesa” do Pacto de Estabilidade e Crescimento seria impossível de cumprir no contexto do Programa de Estabilidade 2019-2023 apresentado no final de abril na Assembleia da República”, diz o mesmo comunicado.
A UTAO deixa a nota que podem ser necessárias mais medidas para cumprir a trajetória de ajustamento estrutural, mas nos cálculos que faz à evolução do saldo estrutural entre 2020 e 2023 prevê sempre um saldo positivo, o que significa que Portugal cumpriria as metas orçamentais europeias. O Objetivo de Médio Prazo estabelecido por Bruxelas que Portugal tem de atingir é de um saldo estrutural neutro, ou seja, 0%. A previsão da UTAO é que seja sempre superior.
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