Estágios sem fronteiras: o que ganharam 5.500 portugueses com o INOV Contacto
Cheila e João despediram-se para embarcar numa aventura profissional pelo mundo. São dois dos mais de 5.500 portugueses que estagiaram fora de Portugal graças ao INOV Contacto.
Há 22 anos, quando ainda não era assim tão fácil ter uma experiência profissional internacional, a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (Aicep) levava os primeiros 500 jovens portugueses a estagiar fora do país, através do programa INOV Contacto. Atualmente, já mais de cinco mil jovens aderiram a este programa de estágios internacionais remunerados, com destinos tão variados como Moçambique ou Alemanha, Tailândia ou Finlândia, Cazaquistão ou Brasil.
Cheila Catoja e João Marcos fazem parte dos mais de 5.500 jovens que voaram com o objetivo de ter uma experiência profissional fora dos limites do seu país. “Sabia que era uma experiência que ia enriquecer o meu currículo”, começa por explicar Cheila Catoja. Para a licenciada em engenharia civil, que terminou o programa há quase três anos, o INOV Contacto teve um “impacto gigante” na sua vida, tanto a nível pessoal como profissional.
Para João Marcos, licenciado em publicidade e marketing e mestre em gestão, o balanço é, até agora, “ótimo”. “O meu maior receio era estagnar e ir fazer literalmente um estágio, mas tive um match [com a empresa] que está a resultar na perfeição”, afirma João que, aos 28 anos, e apesar de já ter uma carreira sólida em Portugal, decidiu despedir-se do emprego e embarcar numa nova aventura.
Sem fronteiras, sem barreiras
“Andava a estudar esta possibilidade há cerca de dois anos. Decidi fazer o programa porque tinha como objetivo, a curto prazo, ter uma experiência internacional”, conta o participante do INOV Contacto, que trabalhava na Samsung há mais de quatro anos. João Marcos despediu-se para ter a experiência que lhe faltava no currículo, acreditando que será uma grande mais-valia.
"Penso que o futuro do mercado de trabalho vai viver muito disto, de pessoas que têm experiências internacionais em diversos países e que, por isso, até em cargos mais de topo, conseguem passar um ponto de vista diferente para as equipas.”
“A minha geração é uma geração sem fronteiras e sem barreiras. A probabilidade de hoje estarmos a trabalhar aqui e amanhã noutro lado do mundo é gigante e devemos aproveitar isso. Penso que o futuro do mercado de trabalho vai viver muito de pessoas que têm experiências internacionais em diversos países e que, por isso, até em cargos mais de topo, conseguem passar um ponto de vista diferente para as equipas. Isto porque têm uma visão não só local, neste caso de Portugal, mas também uma visão de outros mercados, de outras culturas e de outras pessoas”, acrescenta.
Cheila Catoja também já estava a trabalhar em Portugal quando decidiu dar uma volta uma volta de 180 graus à sua vida. “Tomei conhecimento do INOV Contacto ainda na faculdade, através de uma colega que tinha feito o programa e que me falou maravilhas dele. Desde aí, fiquei com o bichinho. Entretanto, terminei o curso e fui trabalhar para Lisboa, mas sentia que precisava de fazer algo diferente“, conta Cheila Catoja.
Passados quase três anos do seu estágio internacional, apesar de licenciada em engenharia civil, Cheila Catoja está a trabalhar em Portugal, na área das vendas. A mudança de área foi, em grande parte, motivada pela experiência que teve no Brasil, onde acabou por desempenhar, sobretudo, funções de gestão e marketing.
"Sem esta experiência, não estaria tão bem preparada como estou para o meu trabalho atual.”
“Comecei a perceber que era o que eu realmente gostava. Atualmente, trabalho na área de vendas”, conta a ex-participante. “Sair de Portugal fez-me conhecer outras pessoas e outras maneiras de estar, perceber o quão diferentes somos uns dos outros e ter abertura para falar com qualquer tipo de pessoa, de qualquer parte do mundo”, continua.
“Foi uma grande mais-valia e, sobretudo, porque trabalho atualmente com clientes de todo o mundo. Sem esta experiência, não estaria tão bem preparada como estou para o meu trabalho atual”, acrescenta Cheila Catoja.
Sem destino mas com centenas de possibilidades
Quem pensa em candidatar-se ao programa INOV Contacto deve ter em conta que existe um elemento “surpresa”. Os participantes inscrevem-se sem saberem qual o destino e a empresa que lhes será atribuída. “Enquanto candidatos, podemos ser colocados em diversos pontos do mundo e isso faz com que o projeto se torne mais aliciante e desafiante, quer do ponto de vista pessoal, quer profissional”, diz João Marcos.
Maria João Bobone, diretora do programa INOV Contacto, explica ao ECO que o programa passa mesmo “por um voto de confiança [dos participantes] no match que lhes será atribuído em termos de entidade e país de destino do estágio”, algo que é comunicado apenas no momento final do seminário de preparação do estágio, “mesmo antes da partida para o estrangeiro”.
Quanto à remuneração, os candidatos já sabem com o que contar. No site da Aicep é possível consultar uma tabela que revela a remuneração mensal líquida em cada um dos países do INOV. Os valores vão desde os 1.505 euros (no caso da Ucrânia) aos 1.790 euros (em Angola).
Cheila Catoja mudou-se para o Brasil (1.635 euros), curiosamente “o último país que gostaria de visitar”. “No entanto, acabei mesmo por ir para lá viver”, mais propriamente para São Paulo, que veio a mostrar-se uma “agradável surpresa”, recorda.
Já a João Marcos, foi Moçambique (1.683 euros) que lhe saiu em sorte e, onde vive desde o final de março. “Estou no grupo Salvador Caetano, que tem as marcas Renault e Volkswagen em Moçambique. A empresa estava à procura de alguém com experiência na área do marketing e que, por outro lado, desse formação a alguns colaboradores. Esta tem sido, aliás, uma valência que eu tenho adquirido aos poucos e que tem sido importante para mim. É neste tipo de coisas que nós deixamos o cunho português“, conta.
Para a diretora do INOV Contacto, os participantes são, desde o momento em que integram o programa, “embaixadores informais de Portugal no mundo”. E esse trabalho de promoção parece estar a dar resultado. “Em todas as edições registamos um número de pedidos superior em mais de cinco vezes ao número de vagas que temos para atribuir”, refere.
Pelo meio da jornada também há, contudo, muitas diferenças e desafios a enfrentar. “Fruto das diferenças entre o mercado europeu e o mercado africano, há algum choque cultural. Nota-se, por exemplo, que o ritmo aqui é muito mais relaxado, as coisas demoram muito tempo a acontecer”, continua João Marcos, acrescentando que as diferenças se estendem para fora do ambiente profissional. “O trânsito é um caos. Se for preciso, temos três carros a circular na mesma faixa, em estradas cheias de buracos”, diz.
Pós-estágio pede bis
Cheila Catoja voltou para Portugal onde está, atualmente, a trabalhar. No entanto, a ex-participante do INOV Contacto não descarta a possibilidade de embarcar novamente numa aventura profissional além-fronteiras. “Ficou esse sentimento”, confessa a jovem, dizendo que é geral em quem faz o programa.
Prova disso é que a maioria dos seus colegas portugueses que integraram o seu grupo de estágio em São Paulo estão, ainda, no estrangeiro. “Muitos arranjaram trabalho pela Europa e um ou dois ficaram até no Brasil”, refere.
João Marcos não quer criar demasiadas expectativas. Até setembro continuará em Moçambique e, depois disso, as três hipóteses são possíveis: “regressar a Portugal, ficar em Moçambique ou ir trabalhar para outro mercado”. Depois de mais de duas décadas de programa INOV, Maria João Bobone afirma que “muitos dos participantes não voltam a Portugal imediatamente, porque são convidados a ficar no país de acolhidos pelas entidades”.
Também há quem volte ao seu país de origem para, mais tarde, aceitar um desafio de carreira internacional. “Dos mais de 5.500 que já participaram neste programa, 40% dos jovens são convidados a trabalhar no estrangeiro e entre 25% a 30% não estão a trabalhar, atualmente, em Portugal”, diz. Para a diretora do programa, estes números são a prova de que os jovens que passam pelo INOV adquirirem um “conjunto de competências de elevado valor que lhes permite e facilita o acesso ao mercado de trabalho noutros países”.
A próxima vaga de candidaturas arranca dia 10 de setembro e as inscrições podem ser feitas através do site da Aicep. Os únicos requisitos são que os candidatos tenham até 29 anos e formação superior. Curiosamente, as áreas de formação dos participantes — se antes se centravam sobretudo na gestão, economia e engenharias — são, atualmente, mais diversificadas. “Temos observado uma maior apetência pelas entidades em constituírem equipas multidisciplinares e, nesse sentido, uma das áreas que tem aumentado em termos de interesse tem sido a das ciências sociais. Promovermos as candidaturas em todas as áreas de formação”, remata Maria João Bobone.
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