Motoristas de matérias perigosas e patrões voltam a reunir, mas estão demasiado distantes para qualquer entendimento
Governo não fez qualquer tentativa de aproximar as partes depois de sindicatos terem ameaçado com novo pré-aviso de greve. Posição de Pedro Nuno Santos ficou longe de agradar aos motoristas.
Os sindicatos independentes de motoristas e a associação nacional que representa as empresas de transporte rodoviário de mercadorias voltam a reunir esta segunda-feira, naquela que será a primeira vez que as partes estarão à mesma mesa desde que, há pouco mais de uma semana, os representantes dos camionistas recuperaram a ameaça de uma paralisação, prometendo um pré-aviso de greve para 12 de agosto. De lá para cá, porém, pouco ou nada mudou e o acordo entre patrões e motoristas parece a uma distância inalcançável.
Se, por um lado, a Associação Nacional de Transportadores Públicos Rodoviários de Mercadorias (ANTRAM) considera que o Protocolo Negocial, firmado a 17 de maio entre sindicatos e empresas, foi possível porque os motoristas deixaram cair as exigências de aumentos salariais automáticos de 100 euros em 2021 e em 2022, do lado dos sindicatos a visão é a oposta: ninguém abdicou de tais aumentos e mantém-se em vigor o primeiro quadro negocial assinado a 9 de maio — o documento que admite estes aumentos anuais para 2021 e 2022. E na reunião de esta segunda-feira, nem um nem outro admitem recuar neste ponto, referiram ao ECO.
Depois de várias reuniões entre as partes nos últimos três meses, no início de julho os sindicatos envolvidos convocaram os seus associados para um congresso que teve lugar a 6 de julho, com os motoristas presentes a aprovarem a proposta de novo Contrato Coletivo de Trabalho (CCT) para o setor a ser apresentada na reunião desta segunda-feira. Além de uma atualização de 250 euros na remuneração já em 2020, esta proposta também prevê os aumentos anuais automáticos para os dois anos seguintes.
Mas além da proposta de CCT, os motoristas reunidos no Congresso mandataram igualmente os sindicatos para levar um pré-aviso de greve para a reunião, ameaçando paralisar a partir de 12 de agosto e até à entrada em vigor do novo CCT. Este pré-aviso não só já está escrito, como será entregue ainda esta segunda-feira aos serviços da DGERT caso a reunião de não evolua favoravelmente para as pretensões dos motoristas.
Declaração de 9 de maio? Protocolo de 17 de maio? Como assim?
A melhor forma de perceber, ou ficar mais perto de perceber, o que divide agora patrões e sindicatos é olhar para as declarações conjuntas e protocolos negociais assinados entre as partes a que ambas se reportam agora para reforçar a sua razão.
A 9 de maio, e graças à intermediação do ministério das Infraestruturas e Habitação, de Pedro Nuno Santos, o SNMMP e a ANTRAM chegaram a um acordo de princípio para uma Declaração Conjunta, declaração que iria balizar as negociações entre as partes para um novo CCT, a ser fechado até ao final do ano. Apesar de aceite pelos representantes de trabalhadores e empresas, o acordo ficou ainda sujeito à “ratificação pelos signatários junto dos seus respetivos associados e filiados”, explicava então o MIH.
E, se do lado dos motoristas não houve qualquer entrave à ratificação, já do lado das empresas o cenário foi distinto. “De dezembro de 2019 para janeiro de 2020, as empresas vão aumentar os motoristas em 250 euros entre as várias rubricas, tal como acordado. Mas disseram não ter capacidade financeira para assegurar os aumentos de 100 euros em 2021 e depois em 2022”, conforme explicou André Matias de Almeida, advogado e representante da ANTRAM, ao ECO.
Face a este percalço, as partes voltaram à mesa das negociações, tendo desta nova ronda negocial resultado na assinatura de um Protocolo Negocial, a 17 de maio. Neste documento já não surge o ponto sobre os aumentos automáticos de 100 euros em 2021 e 2021 presente na Declaração de 9 de maio. No entender da ANTRAM, esta é a prova de como o SNMMP acatou as preocupações face ao impacto daqueles aumentos na situação económica das transportadoras, tendo deixando cair os mesmos. Mas para o SNMMP, não foi nada disso.
“Nunca deixámos cair [os aumentos salariais de 100 euros]. O que o segundo documento diz é que se ‘concretiza’ o acordo de princípio assinado anteriormente. Nunca deixámos cair essa reivindicação, é falso“, explicou Pedro Pardal Henriques, advogado do SNMMP, ao ECO. “É clara má-fé dizer que abdicámos desses aumentos”, acusa mesmo.
De facto, e entre os considerandos do protocolo, é referido “que o acordo de princípio” celebrado a 9 de maio, e que “ficou condicionado à apresentação e/ou aprovação do mesmo por parte dos filiados e dos associados, respetivamente do Sindicato e da ANTRAM, é agora concretizado“. Porém, adiante, e na parte dedicada às cláusulas pecuniárias a ser negociadas, não há qualquer referência a discussões sobre aumentos salariais de 100 euros em 2021 e 2022, falando-se apenas na revisão salarial de 2020 e de como os futuros aumentos salariais ficarão indexados à evolução do salário mínimo.
Reunião para debater alhos e bugalhos
Por esta explicação sucinta, é fácil perceber que na reunião de esta segunda-feira as duas partes estão em posições demasiado longínquas para que se possa antecipar um qualquer entendimento até porque, confirmaram os representantes do SNMMP e também da ANTRAM, até sexta-feira o MIH não contactou nenhum dos lados para procurar um certo apaziguamento antes da reunião de segunda-feira — isto quando o representante do Governo nas negociações poderia ser o desbloqueador para se entender o que as partes realmente acordaram no Protocolo de 17 de maio.
Desta forma, a ANTRAM conta entrar na reunião para debater cláusulas não pecuniárias, já que considera que as pecuniárias já estão fechadas, ao passo que os sindicatos vão para a reunião à procura de assegurar a cláusula pecuniária que lhes assegura aumentos de 100 euros anuais em 2021 e 2022. E ambas asseguram que não abdicam destes pontos.
“A discussão, dentro do previsto no segundo protocolo, de 17 de maio, será sobre as cláusulas não pecuniárias, ou seja, a forma como deverão ser refletidas no CCT”, avançou André Matias de Almeida, da ANTRAM, ao ECO. Além disso, a ANTRAM ainda aguarda por uma contraproposta do próprio Sindicato Independente dos Motoristas de Mercadorias, que adiou uma reunião prevista para 2 de julho.
Por seu turno, os sindicatos vão puxar pelas cláusulas pecuniárias. “Vamos apresentar o que foi deliberado pelos sócios no Congresso e questionar a ANTRAM se vai ou não assumir o que acordou connosco“, explicou Pedro Pardal Henriques ao ECO. E, caso a ANTRAM “se mantenha irredutível, então entregaremos o pré-aviso de greve na DGERT”, assegurou.
Os representantes de ambas as partes coincidiram apenas num ponto: apesar de novo crescendo de tensões, e da iminência de uma nova paralisação de motoristas em pleno agosto, não houve qualquer contacto ou tentativa de aproximação patrocinada pelo MIH na última semana e meia que, todavia, terá um representante presente na mesma negociação. Contudo, e apesar da inexistência de qualquer contacto por parte do ministério de Pedro Nuno Santos, as últimas declarações do ministro sobre o caso caíram mal entre os motoristas.
“O ministro disse que o Governo português vai tomar todas as medidas para defender o povo português, mas parece que se esqueceu que os 50 mil motoristas também são cidadãos que devem ser defendidos”, lembrou Pardal Henriques, ao ECO.
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