Oito anos em oito gráficos. O que mudou com Draghi na liderança do euro?
O italiano está prestes a abandonar o BCE, depois de ter sido a cara de decisões inéditas na instituição. Apesar de as medidas terem tido efeitos positivos, também tiveram consequências negativas.
Novembro de 2011, Mario Draghi chegava à liderança do Banco Central Europeu (BCE). Tornava-se, assim, o terceiro presidente num mandato que termina no final de novembro deste ano. Ao longo destes oito anos, Draghi liderou o euro pela crise financeira que ameaçava atirar países como Portugal para fora da União Monetária e foi a cara de decisões nunca antes tomadas na instituição. A política monetária na Zona Euro não voltará a ser a mesma.
Pressionado pela crise económica e financeira global, o Produto Interno Bruto (PIB) da Zona Euro era uma das fontes de preocupação. Manteve-se persistentemente negativo entre o início de 2012 e o final de 2013, sendo que, Portugal já estava em recessão antes disso. Desde o início do mandato de Draghi no BCE que a riqueza produzida pelo país contraía.
Mas o italiano garantia estar disposto a “fazer tudo o que fosse preciso” para salvar o euro e a região acabaria por passar da recessão a um período de forte expansão impulsionado pela recuperação global e pelos estímulos monetários do BCE para que os Estados se financiassem a baixos custos e investissem mais. Em desaceleração desde o início do ano passado, a Zona Euro continua a crescer e Portugal ainda mais.
Economia da Zona Euro cresce. Portugal converge
Fonte: INE e Eurostat
A recuperação foi acompanhada de um reforço do mercado de trabalho. Há oito anos, a situação era sufocante para os países da Zona Euro, tendo a taxa de desemprego em Portugal chegado ao pico de 17,9%, em janeiro de 2013.
Eram então “essenciais reformas focadas na remoção de rigidez e em impulsionar a flexibilidade salarial”, nas palavras de Draghi, logo na primeira conferência de imprensa que dirigiu. O discurso é, agora, muito diferente. “O crescimento robusto do emprego e aumento do salários continua a sustentar a resiliência da economia da Zona Euro”, diz o italiano.
Desemprego afunda
Fonte: INE e Eurostat
Mas a verdade é que nem a economia nem o mercado de trabalho estão no mandato único do BCE, cujo objetivo é conseguir uma inflação próxima, mas inferior a 2%. E os preços são o calcanhar de Aquiles de Mario Draghi: em oito anos nunca conseguiu cumprir a meta — chegando mesmo a abrir a porta a uma reflexão sobre se esta meta deve existir.
Meta de inflação por cumprir
Fonte: INE e Eurostat
A forma como tentou alcançar a meta de inflação também gerou fortes críticas e oposição. Draghi chegou e distanciou-se logo do antecessor. Jean-Claude Trichet tinha subido as taxas de juros do BCE nesse ano e, logo na primeira reunião que presidiu, Draghi começou a cortá-las para estimular a economia num ciclo de descidas do preço do dinheiro que só viria a terminar dois anos depois. Pela primeira vez na história, a Zona Euro passou a ter taxa 0%. E até juros negativos, nomeadamente na taxa de depósitos.
Taxas de juro em mínimos históricos
A descida dos juros nos depósitos para “terreno” negativo materializa-se na exigência aos bancos que paguem pelo dinheiro que têm em depósitos no BCE. Veio, assim, dar um “incentivo” para que a banca pusesse a circular a liquidez — que o banco central injetou no setor — por toda a economia. E continua a pôr.
Essa liquidez adicional da banca chega às economia do euro através da concessão de crédito pela banca. O efeito não foi imediato. O saldo do crédito nos países do euro começou a recuperar já em 2014, mas em Portugal demorou mais tempo. O crescimento do financiamento mantém-se residual, com o ritmo de amortização de empréstimos passados a continuar a ritmo acelerado.
BCE quer mais crédito. Em Portugal, é um desafio
Fonte: Banco de Portugal
Com o BCE a cortar juros, as taxas de mercado foram caindo mínimos históricos, que foram renovados em setembro, altura em que Mario Draghi cortou ainda mais a taxa cobrada aos bancos para -0,5%. E com a queda das Euribor, a remuneração dos depósitos das famílias e empresas começou a afundar, levando o juro médio para pouco mais de 0,1%, com muitos bancos a não pagarem nada pelas poupanças alheias.
Se a estratégia do BCE, de cobrar aos bancos pela liquidez adicional, tem benefícios para a liquidez no mercado, tem, por outro lado, consequências para os bancos. Com o fraco nível de concessão de crédito, os custos extra com o BCE estrangulam a margem financeira do setor.
Como em Portugal os bancos são impedidos por lei a repassar estes juros negativos para os depositantes, a solução tem sido fazer disparar comissões para tentar ter rentabilidade. Consciente do problema que criou, o BCE anunciou um sistema de escalões para o novo corte na taxa de depósitos, realizado já em vésperas da sua saída.
Depósitos nunca pagaram tão pouco
Fonte: Banco de Portugal
Os juros negativos foram inéditos, mas não foram a única decisão de política monetária que surpreendeu. Em 2014, Draghi anunciava que iria seguir os passos de bancos centrais como a Reserva Federal dos EUA ou o Banco do Japão, cumprindo os pedidos de países que agonizavam com a crise e indo contra as fortes críticas de países como a Alemanha. O BCE iria começar a comprar dívida pública e privada, num programa que insuflou a folha de balanço do BCE até mais de 2,6 biliões de euros.
A compra líquida de ativos tinha acabado no final de 2018, passando para uma fase de reinvestimentos dos juros e dos títulos que atingiam as maturidades. No entanto, a ameaça de uma nova recessão levou o BCE a anunciar, em setembro, que vai relançar as aquisições. Assim, e ao contrário da Fed, a folha de balanço do BCE vai voltar ao aumentar, mesmo sem nunca ter tido oportunidade de diminuir depois da crise.
Balanço do BCE sempre a “engordar”
Fonte: BCE e Fed
Este programa foi um dos grandes “balões de oxigénio” para que os países mais afetados pela crise, como Portugal, Espanha e Itália, conseguissem voltar a financiar-se no mercado. O BCE atua como grande comprador de dívida no mercado, levando os juros pedidos investidores para comprarem e trocarem títulos dos Estados sejam mais baixos — ajudando a reduzir a fatura com o serviço da dívida, o que “patrocina” a queda expressiva dos défices orçamentais.
A yield da dívida portuguesa a dez anos chegou acima de 16% em 2012 e afundou até aos níveis atuais, muito próximos de 0%. A tendência é generalizada aos vários países do euro e o benchmark europeu, as Bunds alemãs têm mesmo yields negativas. Chegaram a estar em “terreno” negativo no prazo a 30 anos.
Países nunca se financiaram com custos tão baixos
Fonte: Reuters
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