“Whatever it takes”? Lagarde prometeu, mas não cumpriu
BCE anunciou novos estímulos para travar impacto do coronavírus e há analistas que vêem decisão como acertada. Mas a reação dos mercados foi a contrária, com bolsas afundarem e fuga para a dívida.
A pandemia de coronavírus está a ser, para Christine Lagarde, o que a crise da dívida soberana foi para Mario Draghi. A nova presidente do Banco Central Europeu (BCE) teve esta quinta-feira o seu primeiro momento chave com o anúncio das medidas de reação ao surto — ao género do que aconteceu com antecessor em 2012 –, mas acabou por desiludir os mercados.
“Apesar das ações do BCE, os mercados falharam uma resposta favorável ao anúncio. A yield das Obrigações do Tesouro de Itália subiram com os investimentos a reduzirem exposição aos mercados mais vulneráveis na Europa. Acreditamos que os mercados estavam à espera de corte nos juros, que o BCE não entregou“, diz Azad Zangana, economista sénior e estratega da Schroders, em reação à decisão tomada esta quinta-feira pelo Conselho de Governadores.
Depois de tanto a Reserva Federal norte-americana como o Banco de Inglaterra terem anunciado cortes surpresa nos juros de referência, a expectativa era alta sobre o que iria fazer o BCE.
A instituição liderada por Christine Lagarde anunciou um pacote de medidas — incluindo o reforço da compra de dívida com mais 120 mil milhões até ao final do ano, Targeted Longer-Term Refinancing Operations (TLTRO) e o alívio dos requisitos regulatórios para a banca –, mas manteve os juros inalterados. É que ao contrário dos pares dos EUA e de Inglaterra, a Zona Euro tem uma margem de manobra menor, tendo as taxas de juro ainda em mínimos históricos.
Os governadores decidiram não fazer alterações. A taxa de juro aplicável às operações principais de refinanciamento está em 0%, enquanto a taxa aplicável à facilidade permanente de cedência de liquidez situa-se em 0,25% e a aplicável à facilidade permanente de depósito inalteradas em −0,50%. Seria esta última — que estando negativa significa, na prática, que os bancos “pagam” pelo dinheiro que têm depositado no BCE — que se esperava que fosse revista em baixa. Mas não houve mudanças.
Medidas curtas ou decisão ajuizada?
Foi esta a maior surpresa e foi alvo de questões na conferência de imprensa que se seguiu à reunião. Lagarde afirmou que o BCE não cortou juros por considerar que um pacote de medidas seria mais eficaz. Sublinhou ainda que não se pode esperar que um banco central seja esteja na linha da frente de resposta a uma crise, reforçando (tal como já tinha feito) para a necessidade de serem os governos a lançar estímulos orçamentais. E houve quem concordasse.
“Numa decisão muito inteligente, o BCE escolheu não cortar juros, sinalizando mudanças no funcionamento da reação e flexibilidade na abordagem política à luz do choque inesperado. Em vez disso, preferiram focar áreas mais direcionadas onde a ajuda é necessária”, diz Anna Stupnytska, global head of macro da Fidelity.
O BCE fez bem em não cortar juros. Nunca hesitei em criticar a política monetária do BCE, mas hoje tenho que dizer que tenho respeito pela decisão do BCE em cortar juros ainda mais, mesmo apesar da elevada pressão do mercado financeiro. Ao contrário do antecessor Draghi, a presidente do BCE Lagarde ousou despontar o mercado.
Da mesma forma, Jörg Krämer, economista-chefe do Commerzbank, considera que as medidas reduzem o risco. “O BCE fez bem em não cortar juros. Nunca hesitei em criticar a política monetária do BCE, mas hoje tenho de dizer que tenho respeito pela decisão do BCE em não cortar juros ainda mais, mesmo apesar da elevada pressão do mercado financeiro. Ao contrário do antecessor Draghi, a presidente do BCE Lagarde ousou desapontar o mercado“, elogia.
Esse desapontamento foi claro em todos os ativos. A yield das obrigações de Itália — o segundo país afetado pelo coronavírus — a dez anos agravou e voltou a ultrapassar os 1,5%. A fuga alastrou a outros países vistos como mais arriscados, incluindo Portugal, cuja yield a dez anos subiu para 0,725%, no valor mais elevado desde junho do ano passado. Em sentido contrário, o juro das Bunds alemãs recuou para terreno ainda mais negativo, tendo chegado a tocar -0,802%.
Banca não reage. Esperança está na dívida das PME
Não só na dívida se viu o desagrado. As ações, que reagiam já negativamente à proibição dos EUA de entrarem pessoas ou bens da Europa no país durante 30 dias, aprofundaram as perdas. O Stoxx 600 acabou o dia a perder 11,5%, acima dos 9,76% do português 9,76%. Nem os bancos — que irão beneficiar de medidas de alívio do impacto — valorizaram. Aliás, o europeu Stoxx Banks afundou 14,35% e o BCP nunca valeu tão pouco em bolsa.
Mas se há medidas, porque é que não houve uma reação positiva? “Apesar da sensibilidade da liquidez adicional, os bancos já estão inundados por liquidez e, como disse a presidente do BCE, não há sinais de stress para o funcionamento dos bancos”, explicou Zangana.
Por outro lado, o reforço da compra de ativos poderá ser útil, mas o BCE não abandonou a chave de capital que define a quantidade de dívida pública que poderá comprar de cada país. Ou seja, os 120 mil milhões não deverão ser usados para ajudar o país em maiores dificuldades: Itália. “O abandono da chave de capital teria impulsionado a confiança dos mercados, mas ao mesmo tempo significaria que o BCE entraria nos domínios do financiamento monetário, o que é ilegal face ao atual mandato”, alertou o economista da Schroders.
Caso a banca não tenha capacidade de repassar a liquidez à economia real, há ainda a expectativa que as empresas, especialmente as pequenas e médias, recorram o financiamento através de dívida para travar o impacto do surto.
“O apoio aos mercados de crédito com grau de investimento deverá ser forte”, diz Franck Dixmier, global head of fixed income da Allianz Global Investors, lembrando que o programa de compra de dívida corporativa situa-se atualmente entre os três e os quatro mil milhões por mês. “Se todo o novo envelope for alocado ao setor privado, o valor para apoiar os negócios é três vezes superior. Isto deverá cobrir o total de emissões feitas no mercado de dívida com grau de investimento“, acrescenta.
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