Luz e gás de graça em tempo de pandemia? Ambientalistas contra a ideia, empresas preferem outras “ofertas”
As empresas do setor da energia não têm neste momento nos seus planos tornar grátis a eletricidade e o gás. Em alternativa avançaram com planos alternativos com outras "ofertas" para clientes.
Em tempo de pandemia, com o estado de emergência a obrigar as famílias a ficar em casa e muitos negócios a fechar portas, os serviços básicos como eletricidade e gás natural deviam ser oferecidos pelas empresas? O Capital Verde, do ECO, fez a pergunta. Respostas dividem-se.
A Deco garante que os valores das faturas vão aumentar (algures entre quatro e 25 euros) e pede medidas de exceção para aliviar o orçamento familiar. Alguns ambientalistas até concordam com a ideia de um “desconto social” nas tarifas de luz e gás, mas outros são mesmo contra a ideia de tornar estes serviços gratuitos, como forma de regular o consumo e incentivar a poupança energética.
Quanto às empresas do setor da energia, não têm neste momento nos seus planos tornar grátis os seus produtos e serviços, mas em alternativa as maiores operadoras do mercado avançaram com planos alternativos de medidas e outras “ofertas” para os consumidores. É que apesar de a Deco estimar que as famílias em isolamento social consumam pelo menos mais 20% de energia, no total o consumo de eletricidade promete cair a pico no país.
De acordo com a Reuters, foi o que já aconteceu em Itália e em França: no norte de Itália, a região mais afetada pelo novo coronavírus, o consumo de energia elétrica recuou 25% nas últimas semanas, enquanto no resto do país houve queda de cerca de 15%. Em França, a procura também caiu 15%, sobretudo devido à desaceleração económica associada à epidemia.
Por cá, a REN ainda não compilou os dados do mês de março, mas de acordo com os registos do consumo de eletricidade disponíveis no site, é possível verificar a mesma tendência: olhando apenas para as últimas três sexta-feiras de março, vemos que o volume total de energia elétrica comercializada caiu de 150 GWh a 6 de março, para 143,6 GWh a 13 de março e, por fim, 136,2 GWh a 20 de março.
Perante estes números, fonte oficial da EDP garantiu ao Capital Verde que, em relação ao impacto da atual situação de pandemia, “neste momento, ainda é difícil ter uma noção real do impacto que vai ter no consumo de energia. Mas é previsível que, face à paragem temporária de atividade de muitos clientes industriais e empresariais — que são os grandes consumidores de energia –, os níveis de consumo sofram uma quebra”.
Borlas na luz e no gás? Empresas contra-atacam com outras “ofertas”
Já sobre hipotéticas “borlas” na luz e gás, a EDP prefere sublinhar as medidas já avançadas: “Suspender todos os cortes de energia agendados, sendo esta uma medida que deverá ser mantida no decurso das próximas semanas; em paralelo, e desde o início da semana passada, a EDP comercial tem vindo a comunicar aos seus clientes a possibilidade de flexibilizar o prazo e modo de pagamento das faturas, sempre que seja manifestada essa necessidade, via: diferimento da data de pagamento; parcelamento do valor em dívida, sem juros. Para tal, os clientes deverão manifestar essa intenção junto dos canais habituais, com preferência para os canais digitais, e aguardar resposta da EDP que procurará responder a todas as solicitações com a maior brevidade possível”, referiu fonte oficial.
Por seu lado, Miguel Checa, diretor-geral da Goldenergy, disse que a empresa ainda não conseguiu perceber os efeitos diretos no consumo do mercado residencial, mas “tenho a certeza que este consumo irá aumentar. No setor industrial essa queda abrupta no consumo já foi percebida e deveu-se à menor atividade. Em Espanha, por exemplo, já há notícias de que o consumo elétrico caiu 5,2% e o do gás 9,5%”.
“Com quase 20% de quota de mercado, temos uma posição muito significativa no mercado industrial de gás em Portugal. Os nossos clientes enfrentam uma quebra da procura da sua atividade que tem influência nos seus consumos e na sua tesouraria. Estas dificuldades afetam também a Goldenergy, pelo menor consumo e prazos de pagamento mais alargados”, diz Miguel Checa.
Fazendo os cálculos para o setor residencial, o responsável da comercializadora do grupo suíço Axpo estima que “tendo em conta a fatura média dos nossos clientes, o aumento poder andar à volta de 15 euros/mês na eletricidade e de 7 euros no gás“. Não porque aumenta o preço da energia, mas porque, se aumenta o consumo, aumentam também os valores das taxas e impostos associados.
Em relação à ideia de aplicar “descontos sociais” às tarifas ou mesmo cobrar zero, o diretor geral explica que, em vez disso, a empresa criou um fundo de 300 mil euros para oferecer um mês de eletricidade e gás a um máximo de 6.000 clientes que apresentem perdas de rendimento. “Pode ser pouco, mas é uma ajuda válida, Queremos responder às crescentes necessidades de energia para quem ficar em casa no regime de teletrabalho, prevenção ou assistência aos membros da família“, remata o diretor geral da Goldenergy.
Neste momento, também a Endesa diz não ser possível ainda quantificar os impactos do isolamento social no consumo de eletricidade e gás. A elétrica espanhola avançou apenas com a suspensão de todos os cortes de luz e gás que estivessem programados por falta de pagamento desses clientes.
A Iberdrola informou que vai alargar o prazo de pagamento das faturas emitidas nos meses de março e abril de 2020 a um período de 90 dias (até fim de junho e julho, respetivamente), em substituição dos habituais 30 dias, para clientes residenciais. Vai também flexibilizar o pagamento das faturas, mediante fracionamento dos valores faturados até 12 meses, sem cobrança de juros de mora, aos clientes residenciais que o solicitem.
Na luz e gás residencial e para empresas, a Galp garante que “não efetua cortes de fornecimentos em contexto de pandemia. Estamos solidários com os portugueses neste momento difícil que todos atravessamos”. No pacote de apoios da petrolífera soma-se ainda a oferta de um mês de consumo de eletricidade e gás natural para mais de 500 Instituições Públicas de Solidariedade Social suas clientes.
Ambientalistas contra eletricidade e gás de graça
A primeira a fazer o apelo foi a Quercus: “Neste período de contenção, em que as famílias estão quase obrigadas a ficar em suas casas, seria importante as empresas fornecedoras de energia, água e gás pudessem oferecer um desconto social na prestação destes mesmos serviços básicos“, disse a associação de defesa da natureza ao Capital Verde, do ECO.
Depois disso, também a Deco avançou que as famílias com tarifa di-horária serão as mais prejudicadas e sugeriu que “durante este período de crise, se estabeleça a possibilidade de estes consumidores pagarem como se tivessem a tarifa simples”. A mesma coisa no gás natural: “Uma solução possível para aliviar o orçamento, passa por esticar o limite do primeiro escalão até aos 500 m3 por ano, atingindo o segundo escalão: uma medida que ajudaria mais de 90% das famílias”. A defesa do consumidor diz que as medidas já anunciadas pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) são importantes, mas “não são suficientes para aliviar a fatura dos consumidores, em especial quem tem tarifa bi-horária”.
“Tratando-se de serviços públicos essenciais, é necessário que sejam tomadas as medidas necessárias para garantir, por um lado, que o fornecimento se mantém, e, por outro, que o orçamento familiar não se vai ressentir demasiado, sobretudo quando muitos consumidores podem ver os seus rendimentos mensais mais reduzidos“, remata a Deco.
Por seu lado, a Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável e a Associação Natureza Portugal (ANP), que trabalha em alinhamento com o WWF – World Wide Fund For Nature, estão contra a ideia de tornar serviços básicos como a luz e o gás gratuitos, como forma de regular o consumo e incentivar a poupança energética.
“Os dados indicam que o preço é um fator importante para promover um uso mais regrado. Assim, para já, não somos apologistas da ideia de tornar gratuitos estes serviços básicos“, disse ao Capital Verde, do Eco, Susana Fonseca, da associação Zero.
Ângela Morgado, diretora executiva da ANP|WWF, tem a mesma opinião “Compreendemos que estes consumos são fora do hábito das famílias, mas é um serviço que está a ser prestado e que deve continuar a ser pago pelos utilizadores, até para que haja uma auto-regulação dos consumos. É muito provável que o que é gasto neste contexto esteja a ser poupado pela ausência de consumo de combustíveis, passes de transportes, refeições fora de casa (que são sempre mais caras que as caseiras), compras por impulso, desporto e lazer, entre outros gastos que agora não existirão”.
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