UTAO: TAP e linhas de crédito podem tornar-se numa “despesa pesada”
Numa análise ao Programa de Estabilidade, a UTAO avisa que a intervenção na TAP e as garantias dadas nas linhas de crédito são dois riscos orçamentais para os próximos anos.
Os técnicos do Parlamento consideram que há mais riscos orçamentais do que os identificados pelo Ministério das Finanças no Programa de Estabilidade 2020 (PE/2020) entregue na semana passada à Assembleia da República. Numa avaliação do documento, divulgada esta terça-feira, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) alerta para o potencial impacto negativo das garantias públicas das linhas de crédito e da injeção na TAP nas contas públicas nos próximos anos.
Em causa estão medidas financeiras que, apesar de não terem um impacto direto já em 2020 no saldo orçamental, poderão vir a pesar nas contas públicas no futuro, nas necessidades de financiamento e, portanto, na dívida pública. “O Ministério das Finanças afirma que as medidas que agrupou no Quadro III.2 [como as linhas de crédito] não têm impacto direto nas finanças públicas, mas a UTAO discorda“, escrevem os técnicos do Parlamento na apreciação ao PE/2020.
Ao todo, as garantias estatais que o Governo planeia dar neste momento através das linhas de crédito e dos seguros às exportações totalizam 3,23% do PIB e representam quase metade das medidas financeiras. A concessão da garantia em si não representa um gasto orçamental. No entanto, a UTAO alerta que o “desfecho é incerto nos anos seguintes” e esta pode vir a tornar-se uma “despesa efetiva pesada”.
O processo é o seguinte: o Estado dá a garantia a 90% para que o banco empreste dinheiro às empresas, sem pedir garantias adicionais. Se estas pagarem o valor do empréstimo nos prazos acordados, a garantia não será acionada. Contudo, se houver incumprimento do devedor, a garantia do Estado é acionada pelos bancos, o que se materializa em despesa e no agravamento do défice orçamental e da dívida pública. A contabilização dessa despesa é registada em contabilidade nacional, a que interessa para a Comissão Europeia, consoante a metodologia do Instituto Nacional de Estatística (INE).
Assim, “permanece o risco de estas operações acarretarem encargos financeiros adicionais para as administrações públicas nos anos seguintes“. Os técnicos do Parlamento fazem questão de recordar uma garantia de 450 milhões de euros concedida pelo Estado português ao Banco Privado Português (BPP) em 2008, “um exemplo da materialização deste risco”, cujo valor ainda não foi recuperado na totalidade.
Às garantias prestadas nas linhas de crédito acresce a “elevada probabilidade” de o Estado intervir na TAP, um tema que não é abordado no Programa de Estabilidade e que ainda está a ser negociado entre as duas partes. “Este constitui um risco avultado para as finanças públicas portuguesas“, avisa a UTAO, referindo-se ao pedido da TAP da concessão de uma garantia pública no valor de 350 milhões de euros para obtenção de financiamento bancário e ainda às “dificuldades financeiras” que podem levar à intervenção estatal.
“Com a informação disponível à data, não é previsível que um eventual apoio estatal seja concedido no contexto do Quadro Temporário de Apoio Estatal para apoiar a economia durante o surto de COVID-19, aprovado pela Comissão Europeia, uma vez que esta autorização restringe o apoio a empresas que não se encontravam em dificuldades antes da emergência sanitária“, consideram os técnicos do Parlamento.
UTAO pede mais transparência
Apesar de compreender o porquê de o Ministério das Finanças não tenha apresentado projeções, a UTAO considera que havia outras formas de o fazer e dá o exemplo de todos os Estados-membros da Zona Euro (apenas falta a Eslováquia) que já entregaram o Programa de Estabilidade em que existe esse exercício.
“Compreende-se, pois, [dada a incerteza e o impacto especial da crise pandémica] que o Ministério das Finanças tenha preferido não apresentar projeções publicamente neste momento. Isto não quer dizer que não fosse tecnicamente defensável uma abordagem um pouco diferente, por exemplo, através da elaboração de cenários de evolução em 2020 e 2021 de, pelo menos, o PIB, o saldo orçamental e a dívida pública em contabilidade nacional: cenário central, cenário favorável e cenário adverso”, explicam os técnicos do Parlamento.
Queixando-se também de não serem públicas as orientações que a Comissão Europeia deu para a elaboração do Programa de Estabilidade “simplificado”, a UTAO pede mais transparência ao Ministério das Finanças para que seja possível avaliar as políticas públicas numa altura em que estas estão a ser utilizadas de forma mais intensa.
“Mandam a transparência e a boa gestão das finanças públicas que não se corra o risco de diluir nos mesmos agregados, sem segregar, a execução do que é política Covid-19 com o que é a execução de todas as demais operações económicas em que as administrações públicas intervêm”, argumenta.
“A UTAO deixa um pedido ao Ministério das Finanças em nome da transparência e da boa gestão das finanças públicas”, lê-se no relatório, onde apela “a uma inovação no registo contabilístico que promova a segregação do relato financeiro das medidas Covid-19 no seio das contas de cada subsector e da conta consolidada das Administrações Públicas”.
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