Viver em duodécimos deixa 2.700 milhões de estímulo orçamental em suspenso
Se o OE ficar em duodécimos em 2021, há pelo menos 2.700 milhões de estímulo orçamental que não chegarão à economia. Tanto o Governo como a esquerda não querem esse cenário, mas é uma hipótese.
O Governo não quer e a esquerda também não, mas a hipótese de haver um Orçamento em duodécimos em 2021 está em cima da mesa, caso não haja acordo ou se as negociações se prolongarem. Nesse cenário, haverá pelo menos 2.700 milhões de euros de estímulo orçamental previsto na proposta do Executivo que não se deverá concretizar no próximo ano, pelo menos até haver um novo Orçamento em vigor.
Em causa ficarão medidas novas como o Apoio Extraordinário ao Rendimento dos Trabalhadores (450 milhões de euros), a redução do IVA da eletricidade para os consumos baixos (150 milhões), medidas de apoio ao emprego e à retoma da atividade (950 milhões), o aumento extraordinário das pensões (99 milhões), o subsídio de risco para profissionais de saúde (60 milhões), as contratações de funcionários públicos (210 milhões), aumento do mínimo do subsídio de desemprego (75 milhões), o IVAucher (200 milhões) e o adiantamento do investimento previsto no Plano de Recuperação e Resiliência (500 milhões) através dos fundos da União Europeia.
No total, são pelo menos 2.700 milhões de euros de acréscimo de despesa ou de redução da receita do Estado que ficarão por concretizar, tendo em conta a proposta inicial do Governo para o OE 2021 entregue no Parlamento a 12 de outubro. É o equivalente a 1,4% do PIB de 2020, partindo das previsões do Ministério das Finanças para este ano. Contudo, esta deverá ser uma estimativa conservadora uma vez que há mais medidas, até do passado, cuja execução pode ficar comprometida.
Na prática, o que acontece se não houver um Orçamento aprovado, promulgado e pronto para entrar em vigor a 1 de janeiro? Nesse caso, o Governo terá de aprovar um decreto-lei com o regime transitório de execução orçamental, como ocorreu em 2020, previsto na Lei de Enquadramento Orçamental (LEO). Em concreto, o Ministério das Finanças terá de prorrogar o Orçamento do Estado para 2020, com as alterações introduzidas pelo Suplementar, para 2021, incluindo os mapas orçamentais e os decretos da lei de execução orçamental.
Contudo, tal “não abrange as autorizações legislativas que caducam no final de dezembro de 2020, a cobrança de receitas ligadas a regimes específicos que estão destinados a vigorar apenas em 2020, bem como a realização de despesa relativa a programas cuja caducidade seja o final de 2020”, explica Francisca Guedes de Oliveira, professora da Católica Porto Business School. Ou seja, tudo o que no OE 2020 ou Suplementar diga que caduca no final deste ano não passa para o ano seguinte, o que compromete logo aí algumas medidas.
Além disso, o Estado terá de se governar com uma regra limitadora: a despesa pública de cada mês “não pode exceder 1/12 da despesa total prevista (atualizada pelos valores do orçamento suplementar), com exceção das prestações sociais de Segurança Social e as despesas com aplicações financeiras”, detalha a economista. Isto significa que, com a exceção dos compromissos de dívida ou da Segurança Social, não haverá um aumento da despesa em 2021 face a 2020. Em concreto, o Governo fica limitado aos 98.889 milhões de euros (8.240 milhões por mês) de despesa que prevê executar em 2020, face aos 100.755 milhões de euros (8.396 milhões por mês) que planeava executar em 2021, uma diferença de 1.866 milhões de euros.
Assim, com o Estado a viver em duodécimos, não só podem cair medidas do passado como as previstas no OE 2021 como também se criam problemas de gestão orçamental porque a despesa pública não é linear. Isto é, há picos de despesa, como é o caso mais evidente dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos, que podem ficar em causa com esta regra de gastar apenas 1/12 da despesa total por mês.
BE diz que seria uma “irresponsabilidade”. Costa não quer governar aos “bochechos”
Um Orçamento em duodécimos não é uma novidade em Portugal, acontecendo nos anos seguintes às eleições como foi o caso deste ano em que até 1 de abril o país esteve em duodécimos, tendo só aí entrado em vigor o OE 2020. Contudo, normalmente, o período tende a ser reduzido, circunscrito aos primeiros meses de cada ano, como ocorreu em 2020 e em 2016. Mas, se for mais prolongado, com o país a viver uma crise pandémica de dimensões incertas, que consequências haverá?
“O perigo é enorme“, considera Francisca Guedes de Oliveira, argumentando que “seria muito mau” se o país não pudesse “contar com um OE pensado de base para fazer face de forma concreta e dirigida à situação que temos em mãos”. Se fosse só o OE para 2020 “era mesmo catastrófico”, classifica. Porque, “embora não fosse um OE de austeridade era bem contido, uma vez que estávamos num ciclo positivo na nossa economia e era preciso continuar a rota da consolidação de contas”, justifica.
Ser o Suplementar melhora, mas não muito a avaliação, arriscando atrasar a recuperação da economia prevista para 2021. Na eventualidade deste cenário se concretizar, “a recuperação seria muito mais lenta com riscos de o país continuar com taxas de crescimento negativas ou próximas de zero em 2021″, antecipa a economista da Católica Porto Business School, ressalvando, contudo que Portugal seria “sempre ajudado pela recuperação dos parceiros externos”.
O Governo tem afastado essa possibilidade, para já, argumentando que há condições para se chegar a acordo, mas dramatiza as consequências: o país “não morre” com os duodécimos, mas atravessará a crise “em muito piores condições”, disse Pedro Siza Vieira, ministro da Economia, ao Expresso este sábado. Esta segunda-feira, em entrevista à TVI, o primeiro-ministro afirmou que era “essencial não governar aos bochechos, em duodécimos. “O país não ficar a depender de governações a solavanco e duodécimos“, tinha dito em declarações anteriores.
Já o Bloco de Esquerda mudou de abordagem ao longo do tempo. A 25 de setembro, José Manuel Pureza disse em entrevista ao Observador que “sem Orçamento não há crise política”, uma vez que “o país pode continuar com duodécimos”. Contudo, esta terça-feira, também em entrevista ao Observador, Catarina Martins disse que seria uma “irresponsabilidade” ter o Estado a duodécimos em 2021. “Espero que o primeiro-ministro não queira um país em duodécimos”, disse.
O PCP tem sido mais discreto nas declarações sobre o OE 2021, mas questionado sobre esta possibilidade Jerónimo de Sousa disse que não seria “uma boa solução”.
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