Instrumentos como cativações “atuam como segunda camada de racionamento”, diz UTAO
"Suspensão de pagamentos por conta de IRC, estimada em -1.150 milhões de euros, constitui a medida de maior impacto na receita, incidindo sobre a componente fiscal", pode ler-se no relatório da UTAO.
A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) alertou, na apreciação final à proposta de Orçamento do Estado para 2021 (OE2021), que os instrumentos discricionários de controlo da despesa do Estado “atuam como uma segunda camada de racionamento da tesouraria”.
“Os instrumentos não convencionais de controlo da despesa atuam como uma segunda camada de racionamento da tesouraria, reforçando a intervenção do poder político em atos de gestão corrente demasiadas vezes triviais”, pode ler-se no documento a que a Lusa teve acesso.
A UTAO considera ainda que tal forma de controlo orçamental “prejudica a qualidade dos serviços prestados às empresas e aos cidadãos sem aparente ganho de causa no cumprimento das metas da política orçamental”.
Assim, os técnicos que dão apoio à Comissão de Orçamento e Finanças (COF) da Assembleia da República (AR) sugerem ao Parlamento “uma reflexão sobre a manutenção na proposta de lei de disposições extremamente intrusivas na gestão corrente das unidades orgânicas da Administração Central e da Segurança Social”.
Concretamente, a UTAO aponta ao artigo 53.º da proposta de lei do Governo para o OE2021, relativo a encargos com contratos de aquisição de serviços, que dá “ao ministro das Finanças o poder discricionário de impedir a aquisição de serviços nos casos em que a AR tenha previamente aprovado o financiamento necessário para tal execução”.
“A verba para renovar ou celebrar um novo contrato com o mesmo objeto está congelada nominalmente há inúmeros anos. Sem aquela autorização, não será possível a um gestor público usar a dotação disponível para praticar tais atos, por muito meritórios economicamente que sejam”, apontam os técnicos do parlamento.
Também os artigos 44.º e 45.º (relativos a estudos, pareceres, projetos e consultoria, e a contratos de prestação de serviços na modalidade de tarefa e avença) “estabelecem restrições adicionais à utilização de dotações aprovadas”. “Pode entender-se, até certo ponto, a preferência dada à execução dos serviços pelos trabalhadores das próprias entidades públicas contratantes ou de outras entidades públicas, mas este princípio colide com as medidas de restrição ao recrutamento de trabalhadores diferenciados e com experiência que permanecem em vigor há tantos anos seguidos”, denota a UTAO.
Já o artigo 44.º, relativo à contratação de trabalhadores por pessoas coletivas de direito público e empresas do setor público empresarial, “atribui ao ministro das Finanças o poder discricionário de, a pedido do colega com a tutela setorial, autorizar a utilização da dotação para pessoal devidamente inscrita no orçamento da entidade pública aprovado pela Assembleia da República”, e impedindo também “a substituição de trabalhadores experientes por profissionais com experiência, ao limitar a autonomia dos serviços ao recrutamento para o primeiro escalão das carreiras”.
“Os procedimentos para obtenção das autorizações políticas são administrativamente pesados e lentos, conduzindo muitas vezes a situações de indeferimento por falta de decisão em tempo útil. É uma situação semelhante à que se passa para conseguir aceder às dotações dos instrumentos convencionais de racionamento”, advertem os técnicos parlamentares.
Segundo a unidade, “não se descortina facilmente a vantagem de manter estas normas em vigor quando a sua retirada não aumentaria a despesa agregada face às dotações aprovadas pelo parlamento”. “Recorda-se que a rubrica Aquisição de Serviços tem sido sempre um alvo privilegiado das cativações formais. É uma rubrica, portanto, sujeita a cativações convencionais e a cativações não convencionais, o que obstaculiza duplamente a gestão das entidades públicas”, denuncia a UTAO.
A unidade aponta que “os instrumentos não convencionais são um travão a mudanças na tecnologia de provisão dos serviços prestados aos cidadãos e às empresas pelas AP”, sendo “inegável a existência de uma ineficiência económica na produção pública”.
De acordo com o OE2021, encontram-se orçamentados 500 milhões de euros na dotação provisional, 515 milhões na reserva orçamental e 1.440 milhões em dotações centralizadas destinadas a fins específicos.
Segundo a UTAO, “estas últimas destinam-se a: despesas imprevistas com a pandemia (500 ME), financiamento da medida IVAucher (200 ME), regularização de passivos não financeiros e aplicação em ativos (690 ME) e a assegurar a contrapartida nacional em projetos financiados por fundos comunitários (50 ME)”.
“A dotação para fazer face a despesas imprevistas da pandemia encontra-se repartida pelas rubricas de pessoal (250 ME), aquisição de bens e serviços (150 ME), transferências correntes para as famílias (50 ME) e investimento em bens de capital (50 ME)”, detalha a unidade técnica liderada por Rui Nuno Baleiras.
Combate à pandemia com impacto de 1.666 milhões na receita em 2020
As medidas de combate à Covid-19 vão ter um impacto de 1.666 milhões de euros na receita do Estado em 2020, segundo a apreciação final da proposta de Orçamento do Estado para 2021 feito pela UTAO.
“No ano de 2020 as medidas de política Covid-19 têm um efeito direto estimado de –1.666 milhões de euros na cobrança de receita, repartido entre a receita contributiva (–549 milhões de euros) e a receita fiscal (–1.117 milhões de euros)“, pode ler-se no documento da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) relativo à proposta de lei do Governo para Orçamento do Estado de 2021 (OE2021) a que a Lusa teve acesso.
Segundo os técnicos que dão apoio aos deputados da Comissão de Orçamento e Finanças (COF) do Parlamento, em 2020 “as principais medidas de política com incidência na receita consistiram no adiamento de obrigações fiscais e contributivas e na suspensão temporária da obrigação de pagamento de contribuições sociais para empresas e trabalhadores independentes”.
“A suspensão de pagamentos por conta de IRC, estimada em -1.150 milhões de euros, constitui a medida de maior impacto na receita, incidindo sobre a componente fiscal”, pode ler-se no relatório, que refere ainda que a quebra no lado contributivo é refletida pela “isenção temporária de pagamento da Taxa Social Única”.
Já em 2021, “prevê-se um impacto de +1.742 milhões de euros, do qual +1.112 milhões respeitam aos efeitos das medidas legisladas em 2020 e +630 milhões às novas medidas previstas” na proposta de OE2021.
A recuperação da receita adiada em 2020, no valor de 1.150 milhões de euros, “constitui o principal determinante do efeito positivo proveniente de medidas aplicadas em 2020; em 2021, como novas medidas, “destaca-se a previsão de recebimento de receita comunitário no âmbito da iniciativa europeia REACT para financiamento das medidas de despesa Covid-19”.
Segundo a unidade liderada por Rui Nuno Baleiras, em 2021 “a recuperação da receita fiscal adiada em 2020 deverá beneficiar a cobrança, superando os impactos negativos das restantes medidas”.
Já o impacto das novas medidas de 2021, de 630 milhões de euros, “resulta dos efeitos de sinal contrário do aumento previsional das transferências comunitárias no âmbito da iniciativa REACT (+1.018 milhões) e das medidas de redução da receita fiscal (–387 milhões de euros)”.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Instrumentos como cativações “atuam como segunda camada de racionamento”, diz UTAO
{{ noCommentsLabel }}