Fim do desconto no IMI em Lisboa é “escandaloso” e vai fazer aumentar as rendas
A Câmara de Lisboa quer pôr os senhorios a pagar a totalidade do IMI a partir de 2021, a não ser que adiram ao Programa Renda Segura. Medida desagrada aos proprietários.
Há vários anos que os senhorios de Lisboa beneficiavam de uma redução de 20% no Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), uma opção que a lei prevê para as autarquias, e que a Câmara de Lisboa (CML) adotou. Mas, a partir de 2021, Fernando Medina quer acabar com esse “desconto”. O objetivo é levar os senhorios a entrarem nas rendas acessíveis, oferecendo, neste caso, total isenção do IMI. A medida não está a ser bem aceite pelos proprietários, que acusam a autarquia de os castigar, sobretudo numa altura de pandemia.
“Tínhamos consagrado há muitos anos um desconto de 20% para todos os arrendamentos da cidade. Estamos a propor que essa regra seja retirada e reconvertida numa outra: quem tiver rendas acessíveis, nomeadamente através dos programas municipais, poderá ter uma isenção de 100% do IMI, deixando aqueles que praticavam rendas especulativas de ter a possibilidade de usufruir de 20% de desconto“, explicou o vice-presidente da CML, João Paulo Saraiva, na semana passada, durante a apresentação do Orçamento municipal para 2021.
A notícia caiu como uma bomba entre os proprietários, que acusam a autarquia de não se preocupar com eles. “É escandaloso. Ainda para mais numa altura de pandemia. É inadmissível”, diz ao ECO a vice-presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP). “Numa altura em que os senhorios não têm qualquer ajuda, estão sem rendimentos durante meses, continuam a pagar IRS e AIMI, esta intenção denota um verdadeiro e total abandono aos senhorios“, acrescenta Iolanda Gávea, afirmando que “parece quase um castigo infligido aos senhorios”.
António Frias Marques, presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP), nota que, atualmente, “há uma percentagem muito grande de pessoas que não pagam as rendas” e que, por isso, “há uma data de senhorios a quem o dinheiro faz falta”. O representante dos proprietários antecipa que, “daqui para a frente, provavelmente [a situação] será pior”. “Está tudo preso por um fio“, diz.
Subir impostos nesta fase é muito mau… para inquilinos e para senhorios. Obviamente que esse aumento vai refletir-se no valor das rendas, que até pareciam ir no caminho de estabilizar.
Por sua vez, João Caiado Guerreiro vai ainda mais longe, afirmando mesmo que o fim deste “desconto” de 20% no IMI vai acabar por levar a um aumento das rendas. “Subir impostos nesta fase é muito mau… para inquilinos e para senhorios. Obviamente que esse aumento vai refletir-se no valor das rendas, que até pareciam ir no caminho de estabilizar“, diz ao ECO o presidente da Associação Portuguesa de Proprietários (APPROP).
O também advogado diz que a APPROP está contra esta intenção da CML, “porque os custos são sempre pagos pelos inquilinos”. “Aumentar impostos vai refletir-se no custo do produto [casa]. Se o produto [casa] é caro, o arrendamento vai ficar mais caro”, alerta.
Medida vai incentivar às rendas acessíveis? “Não se apanham moscas com vinagre”
Como explicou o vice-presidente da CML, João Paulo Saraiva, ao acabar com este desconto a autarquia pretende incentivar os proprietários a aderirem aos programas municipais, nomeadamente ao Programa Renda Segura. Este programa, que arrancou em maio, prevê que os privados arrendem os seus imóveis (sobretudo de alojamento local) à CML, que os vai depois subarrendar através do Programa de Renda Acessível à classe média.
A segunda fase do Renda Segura terminou a 9 de novembro, tendo a primeira fase recebido 177 candidaturas, ficando bastante abaixo das 300 pretendidas pela CML. Neste programa já estão previstos benefícios fiscais para os proprietários que celebrem com a autarquia contratos de arrendamento de cinco ou mais anos, tais como isenção de IMI e IRS/IRC e o fim da tributação de mais-valias no caso do alojamento local.
João Caiado Guerreiro, presidente da APPROP, compreende que a autarquia queira incentivar os proprietários a aderirem, mas admite que esta não foi a melhor maneira de o fazer. “Incentivar a adesão ao Renda Segura faz sentido. Mas se não está a ser bem sucessivo é porque os incentivos são poucos”, diz ao ECO, afirmando que, “no meio desta crise violentíssima, com o desemprego a aumentar, não faz sentido aumentar os impostos”.
Uma opinião um pouco diferente tem António Frias Marques, da ANP, que classifica o Renda Segura como “política pura”. “São coisas que têm uma fraquíssima adesão por parte dos proprietários. São programas que nos passam ao lado”, nota, referindo que este tipo de programas são complexos e que, “quando as coisas são complexas, começam a complicar-se”.
Não é com este tipo de medidas. Não se apanham moscas com vinagres. Há senhorios que se viram desprovidos de qualquer tipo de ajuda.
Por sua vez, Iolanda Gávea, vice-presidente da ALP, acredita que não será assim que os proprietários irão ser atraídos para o Renda Segura. “Não é com este tipo de medidas. Não se apanham moscas com vinagre”, responde, quando questionada se o objetivo da CML será mais fácil de alcançar com o fim deste desconto.
A responsável da ALP diz que os proprietários não foram ajudados na medida em que precisavam. “Há senhorios que se viram desprovidos de qualquer tipo de ajuda”, nota, defendendo que as “moratórias fiscais seriam uma boa opção”. António Frias Marques tem outra maneira de ver as coisas, prefere deixar as decisões para quem as deve tomar. “Não podemos, de maneira nenhuma, dar palpites. É uma calamidade e vamos vendo como evoluiu. É uma coisa de tal maneira magna que temos de esperar que isto passe”.
Medida tem de passar pelos vereadores. CDS e PSD acusam CML de se aproximar à esquerda
A intenção da CML está lá, mas a medida tem ainda de ser discutida e votada entre os vereadores dos diferentes partidos. João Paulo Saraiva disse que essa discussão aconteceria ainda esta semana, mas por enquanto nada está marcado. Nesse momento, Fernando Medina tem de convencer a maioria dos vereadores para que a medida passe mas, por enquanto, PSD e CDS não se mostram muito abertos a tal.
“No atual contexto, o Estado local ou central deve reduzir os impostos e as taxas”, começa por dizer o vereador centrista João Gonçalves Pereira, afirmando que Fernando Medina está a atuar numa “lógica persecutória contra os proprietários”, sob uma “agenda de extrema-esquerda”. “Está a fazer um ataque aos proprietários num contexto que já é adverso. Retirar este benefício, neste contexto, não faz nenhum sentido“, afirma.
Para o vereador do CDS, “neste contexto, deveria tentar baixar-se [o IMI] para todos”. “No atual momento em que as famílias e empresas estão a passar dificuldades, tudo o que seja retirar custos é positivo. Não se compreende como é que Fernando Medina ainda quer perseguir os proprietários”. O centrista adianta, assim, o voto contra na reunião camarária.
O mesmo pensa João Pedro Costa, vereador do PSD na autarquia, que classifica esta intenção como “mais uma medida destrutiva do mercado livre do arrendamento habitacional, que tanto precisa de estímulo, estabilidade e confiança”. “Tudo isto porque o Programa Renda Segura não atrai os proprietários, como era previsível”, acrescenta.
Também o social-democrata acusa Fernando Medina de, “em plena pandemia, atacar os ‘malvados senhorios capitalistas’, para ir atrás de sonho venezuelano do Bloco de Esquerda: esmagar o setor privado e criar uma sociedade socialista, onde quem quer casa vai pedir à CML”.
Do lado do PS, a vereadora da Habitação da CML disse ao ECO que “a política fiscal que promova o arrendamento acessível, verdadeiramente acessível, é o caminho”. “Assim como é importante ter mecanismos para combater a especulação imobiliária, que tem tido os efeitos que tem na cidade e que afasta as pessoas”, disse Paula Marques.
O ECO tentou falar com os vereadores dos restantes partidos, mas até ao momento de publicação de artigo não foi possível obter uma resposta.
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