Marcelo ganhou. Os 5 desafios do Presidente para os próximos 5 anos
Sem surpresas, Marcelo Rebelo de Sousa venceu as eleições presidenciais de 2021 à primeira volta com 60,7% dos votos. Que Presidente da República vai ter o país nos próximos cinco anos?
Os próximos tempos vão trazer “imprevisibilidade” à política portuguesa, mas os politólogos que falaram ao ECO consideram que a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa significa “continuidade”. O próprio tem dito isso, argumentando que é o “garante da estabilidade” política no país. Ao vencer as eleições com 60,7% dos votos — ainda que com uma abstenção recorde de 60,5% –, o atual Presidente da República segue para um segundo mandato (com início oficial a 9 de março) que arranca no pior momento da pandemia e que terá de lidar com os efeitos da crise económica que esta provocou. “Confiança renovada é tudo menos um cheque em branco”, reconheceu no seu discurso de vitória muito focado na pandemia, assegurando que representará todos os portugueses.
Em 2015, foi em Celorico de Basto (Braga) que apresentou a sua candidatura a Presidente da República como o candidato social-democrata, de centro-direita e de formação social-cristã. Cinco anos depois, no meio de uma pandemia, o anúncio foi o mais tarde possível e numa pastelaria ao lado de Belém, sem aparato. Fez questão de debater com todos os candidatos, mas abdicou do tempo de antena reservado à sua campanha e não apresentou um site ou um manifesto, argumentando que os portugueses conhecem o seu passado. Para não ser acusado de “arrogância” realizou uma ação de campanha por dia, mas limitada pela gravidade da pandemia.
A mesma pandemia que usou como o motivo principal da sua recandidatura: “Não vou fugir às minhas responsabilidades e trocar o que todos sabemos que serão as adversidades e as impopularidades de amanhã pelo comodismo pessoal ou familiar de hoje”, disse na apresentação da sua recandidatura, destacando o “dever de consciência”. Desde então, a expressão que mais repetiu foi “fator de estabilidade”, colocando-se no centro da estabilidade política em Portugal. Na ida às urnas, os portugueses entregaram-lhe novamente as responsabilidades, reelegendo-o aos 72 anos para Belém onde ficará até aos 77. E com a responsabilidade chegam vários desafios para os próximos cinco anos.
No discurso de vitória, o próprio reconheceu a “confiança renovada” dos portugueses “não é um cheque em branco”, assumindo que irá retirar as “devidas ilações” quanto ao “mais urgente”, ou seja, “a gestão da pandemia”. Marcelo Rebelo de Sousa prometeu ser “um Presidente próximo, que estabilize, que una, que não seja de uns, os bons, contra os outros, os maus, que não seja um Presidente de fação, um Presidente que respeite o pluralismo e a diferença, que não desista da justiça social“. Para o Presidente da República o voto dos portugueses mostrou que “querem sistema político estável com governação forte, sustentada e credível e alternativa também forte para que a sensação de vazio não convide a desesperos e a aventuras”, disse, concluindo que não querem uma “democracia iliberal, ou seja, não democrática”.
1. Próximo mandato e relação com Governo “vai assentar na imprevisibilidade”
Sempre que se fala num segundo mandato de um Presidente da República a questão que se coloca é se este será mais duro com o Governo por não ter de manter a popularidade para uma reeleição. O próprio presidente do PSD, Rui Rio, apelou a Marcelo na noite eleitoral a que fosse “um bocadinho mais exigente” com o Governo no segundo mandato, principalmente depois do que ocorreu nas últimas semanas. Os politólogos contactados pelo ECO consideram que essa será uma questão secundária e a dureza dependerá das circunstâncias, notando a “grande instabilidade” e “imprevisibilidade” do momento que o país vive.
“Independentemente do Presidente que for, vamos ter um contexto de grande instabilidade, não apenas económica como política”, antevê Paula Espírito Santo, referindo o “grande desafio” de Marcelo Rebelo de Sousa é continuar a ser eficaz como “garante da estabilidade política” e na “minimização dos danos da instabilidade política no plano económico”. A politóloga considera que “não se espera que o Presidente seja uma força de bloqueio”, mas admite que “pode haver uma acentuação de aspetos pontuais que obriguem a uma maior intervenção”.
Espírito Santo prevê que isso leve a mais “críticas” ao Governo, mas lembra que tal é “imprevisível”. Pela mesma linha segue José Adelino Maltez: “O próximo mandato vai assentar na imprevisibilidade”, antecipa, afirmando que o “Presidente da República vai ser muito necessário para o equilíbrio do sistema”, impedindo que esta “impluda” perante os tempos atribulados que o país vive. O politólogo considera que “não estamos em tempo de entrar em guerras políticas” e que a permanência de Marcelo “é conveniente” dada a sua “experiência”.
2. Pandemia poderá expor Presidente a “situações mais dramáticas”
A pandemia será sem dúvida o principal tema do início da presidência de Marcelo Rebelo de Sousa — o próprio repetiu essa prioridade várias vezes, vincando a “urgência” do momento que o país vive –, depois de ter dominado os debates e a campanha presidencial. O próprio Presidente colocou-se no patamar de assumir a responsabilidade por tudo o que aconteceu, ainda que o poder executivo caiba ao Governo, dado que o estado de emergência foi iniciativa do próprio e esteve sempre a par das intenções do Executivo, aparecendo em público a dar cobertura às decisões tomadas.
José Adelino Maltez considera ser positivo que nesta área “não haja conflitos institucionais como já houve no passado”. “Os órgãos de soberania criaram um capital de confiança aos olhos dos portugueses”, diz, o qual deve ser mantido, até porque a “a função do Presidente não é estar sempre a demitir Governos e a marcar eleições”. Porém, é de notar que o próprio Marcelo admitiu que a pandemia teria impacto político neste Governo dada a dimensão da crise.
Já Paula Espírito Santo considera que quanto à gestão da pandemia o segundo mandato será “mais recatado” uma vez que Marcelo Rebelo de Sousa “estará menos desobrigado de apoio que possa permitir soluções com as quais não se identifique”. “É a mesma pessoa, mas as circunstâncias também moldam”, diz, referindo que o sistema político vai ser “muito mais exposto a situações mais dramáticas e críticas” que são “transversais por comprometerem a própria economia”. O Presidente da República disse o contrário durante a noite eleitoral, sinalizando que manterá a sua atitude: “As circunstâncias mudam, mas a pessoa é a mesma”.
3. Eutanásia vai colocar Marcelo “à prova”
Além da pandemia, o Presidente da República terá outros temas “quentes” a passar pelo seu campo de decisão: é o caso do diploma que despenaliza e regulamenta a morte assistida (eutanásia) e a eventual posse de um Governo de direita com algum tipo de apoio por parte do partido de extrema-direita Chega. “À parte da pandemia, são das questões que o vão colocar mais à prova“, admite Paula Espírito Santo.
A politóloga considera que Marcelo tem tentado “resguardar-se” destes temas. No caso da eutanásia, o seu “conservadorismo religioso” deverá ser colocado de parte, como o próprio disse, mas poderá levantar questões constitucionais. “A questão é muito complexa e que divide a sociedade portuguesa”, diz, argumentando que tal levou o Presidente a ficar à margem da discussão.
Afastado da órbita de Belém continuará o Tribunal Constitucional, com os politólogos a apostarem numa continuação da decisão de não chamar os juízes do Ratton a decidir dado que Marcelo foi professor de direito constitucional. Contudo, há um tema em que Espírito Santo vê uma possível brecha: o direito do trabalho onde os “tempos de excecionalidade que se vivem levem a medidas que possam extravasar o entendimento que tem da constitucionalidade”. Mas primeiro terão de passar o crivo do PS que se tem desentendido com os partidos à sua esquerda nesta matéria.
4. Crise política à vista com Governo de direita apoiado pelo Chega à porta?
Um dos desafios que Marcelo já assumiu que terá passa por reunificar o Bloco de Esquerda com o Partido Socialista, tendo durante a campanha lamentado o desentendimento no Orçamento do Estado para 2021 (OE 2021) entre os dois antigos parceiros da geringonça. Sem o BE, a estabilidade do Governo é possível, mas mais débil e mais dependente do PCP. O objetivo final de Marcelo Rebelo de Sousa é que a maioria de esquerda termine a legislatura atual.
Sem essa reaproximação entre bloquistas e socialista, o perigo de haver uma crise política é maior. Os politólogos consideram que a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia afasta no curto prazo uma crise política em Portugal, assim como a urgência da pandemia. Porém, perante uma crise económica, a negociação do Orçamento do Estado para 2022 será mais difícil e o risco de discórdia será maior, ameaçando a estabilidade política que Marcelo tem prioritizado.
Quanto ao Governo de direita com apoio do Chega — o qual poderá surgir caso haja legislativas antecipadas –, a decisão trará “mais polémica”, mas não dúvidas de constitucionalidade — “não tem como impedir”, diz a politóloga –, como já disse o próprio Presidente da República, admitindo apenas pedir um acordo escrito se sentir necessidade. Mesmo que essa hipótese só chegue no final desta legislatura, no final de 2023, ainda caberá a Marcelo decidir. Com um terceiro lugar e 11,9% dos votos nas presidenciais, André Ventura, líder do Chega, afirmou na noite eleitoral que esta votação mostra que “não haverá um Governo de direita em Portugal sem o Chega”, numa mensagem direta para Rio e o PSD.
5. Marcelo puxa a sardinha aos privados na economia e pede gestão “cuidadosa” dos fundos europeus
Em declarações ao ECO na passada sexta-feira, o atual Presidente da República pôs-se do lado do Governo, assinalando o “voluntarismo” do ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, na resposta inicial à crise pandémica, apesar de reconhecer que houve atrasos “mais longos do que desejaria”. Contudo, tem compreendido a necessidade de prudência orçamental, pedindo até uma “muito cuidadosa gestão dos fundos europeus” — uma preocupação que repetiu no seu discurso de vitória — por causa do nível de dívida pública.
Para Marcelo foco deve ser “o crescimento competitivo virado para o exterior e renovado enfoque no mercado interno, que toca tanta micro, pequena e média empresa”. E foi às empresas que teceu um elogio por terem contribuído para que as soluções governativas de apoio à economia fossem melhorando, “desencadeando iniciativas participativas para apontar para soluções mais diretas, mais céleres e mais eficazes”.
Reconhecendo que os privados na economia portuguesa são “muito dependentes do público”, Marcelo Rebelo de Sousa recomendou ao Governo que, além de investir o dinheiro da ‘bazuca’ europeia nas prioridades de “projetos estruturantes”, aposte também nos “incentivos transversais às empresas”. “Isso não pode ser esquecido, sobretudo com uma crise pandémica longe do fim e uma crise económica e social em começo“, argumentou o recandidato à Presidência da República.
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