Sócrates: “Saí do PS porque já não aguentava o silêncio do partido”
Antigo primeiro-ministro - que estava acusado de 31 crimes e foi pronunciado por três crimes de falsificação e três de branqueamento de capitais - deu a primeira entrevista após a decisão instrutória.
José Sócrates acusou o PS de “canalhice” por ter estado em silêncio nos últimos sete anos, desde a sua detenção, e sublinhou que essa foi a razão da sua saída do partido. José Sócrates, em entrevista à TVI, a primeira desde que foi conhecida a decisão de Ivo Rosa relativa à Operação Marquês, justificou-se durante 40 minutos, exaltando-se por várias vezes.
Questionado acerca das declarações de Fernando Medina, “o essencial não é esse personagem, essa afirmação é repugnante, essas declarações de Fernando Medina explica o que é a posição da liderança do partido. Não interessa tanto o que Medina disse mas quem mandou dizer. São declarações de uma profunda canalhice!. O PS devia ter vergonha de desconsiderar o que são direitos fundamentais”. Não se referindo diretamente a António Costa, Sócrates afirmou que “saiu do PS porque já não aguentava o silêncio do partido”, falando na altura em que foi detido e nestes sete anos. Esta quarta-feira, Fernando Medina quebrou o silêncio socialista e disse que do ponto de vista “ético e moral” há um “facto da maior gravidade e singularidade” que é o de “pela primeira vez na nossa história conhecida, termos em julgamento, por um crime no exercício de funções, um ex-primeiro-ministro”, disse no seu espaço de comentário na TVI24.
“Alguém que exerce funções de primeiro-ministro, como outro eleito, tem uma suprema responsabilidade, a responsabilidade dos milhões das pessoas que votaram e dos milhares que o apoiaram diretamente”, defendeu.
“O juiz não me declarou corrupto, estamos na fase de instrução, em que não se declara isto ou aquilo, o que se faz é perceber se há ou não indícios para levar a julgamento ou não”. Sublinhando ainda que “é injusto e falso o que foi dito, nunca pratiquei nenhum acordo com o Carlos Santos Silva que fosse desonesto. Esse crime de corrupção sem ato deixou de existir”. Como síntese da decisão, o que o juiz diz nunca houve um comportamento concreto que se enquadrasse ao longo do meu mandato de seis anos”.
O ex-PM falava no crime que Ivo Rosa lhe imputou de corrupção por ato não concreto, que ao longo dos sete anos de investigação não foi acusado pelo MP. “Eu não faço nenhuma apreciação ao juiz, eu não tenho nenhuma simpatia nem nenhuma antipatia pelo juiz Ivo Rosa. Mas as decisões que ele tomou em relação às mentiras que disseram sobre mim, ele fez o seu dever”, realçando, mais uma vez, que fez prova das acusações que “eram falsas”. E sublinha que este juiz foi o escolhido “segundo as regras”.
E concretizou: “o juiz decidiu deitar abaixo tudo aquilo porque provamos que tudo aquilo eram mentira, que as acusações eram estapafúrdias”.
No caso da OPA da Sonae, “o Governo emitiu um despacho dando uma orientação naquele ponto quanto à golden share”, mostrando um despacho do tempo de ex-PM, que assumiu que foi “rejeitado pela acusação”. Documento que terá sido entregue pelo advogado de defesa ao juiz de instrução. “Nunca foi discutida a golden share, disse o professor de direito Rui Medeiros, que chegou a ser ministro de Passos Coelho”. E disse: “A defesa carreou todo os contra-indícios”.
Na Operação Marquês estavam acusados 28 arguidos entre os quais 19 pessoas singulares e nove pessoas coletivas. Contudo, na decisão instrutória conhecida dia 9 de abril, o juiz Ivo Rosa considerou que não há conexão entre todos os crimes, pelo que decidiu a não pronúncia na totalidade dos crimes de 14 arguidos: Zeinal Bava, Henrique Granadeiro, Rui Mão de Ferro, Bárbara Vara, Joaquim Barroca Rodrigues, Luís Ferreira Marques, José Luís Ribeiro dos Santos, Rui Horta e Costa, José Diogo Gaspar Ferreira, José Paulo, Pinto de Sousa, Hélder Bataglia, Gonçalo Ferreira, Inês Rosário e Sofia Fava.
Quanto ao antigo primeiro-ministro José Sócrates, que estava acusado de 31 crimes, foi pronunciado por três crimes de falsificação e três de branqueamento de capitais, à semelhança do que ficou decidido também para Carlos Santos Silva, que estava acusado de 33 crimes. Os arguidos vão aguardar com a medida de coação de termo de identidade e residência.
Na entrevista à TVI, o ex-socialista explicou ainda que Carlos Santos Silva não estava acusado de corruptor ativo e agora está“, atacou o arguido. “Um juiz, com base num crime que está prescrito, passou muito tempo a caracterizar o crime”. E sublinhou: “eu e Carlos Santos Silva demos a mesma explicação, fui viver para Paris, para estar com os meus filhos, não foi uma vida de luxo, foi o investimento na educação minha e dos meus filhos. E o Carlos Santos Silva decidiu ajudar-me.
Uma coisa está clara: “Quando estava a exercer o cargo de primeiro-ministro, nunca houve atos contrários ao seu exercício”. Frase que aliás repetiu por duas vezes.
Questionado sobre os elevados e recorrentes levantamentos feitos por Carlos Santos Silva, dia sim dia não, o ex-PM justificou que o “dinheiro era para o Carlos Santos Silva. Nem todos os levantamentos eram para me entregar a mim!”.
“Não chega já? Isto começa a ser insultuoso demais, acha que eu sei das contas do meu amigo? Já é altura de fazer o mínimo de justiça para mim, durante sete anos vi-me forçado a provar que o dinheiro não era meu!”, disse o ex-socialista, num tom claramente exaltado. “É muito humilhante falar nisto, eu disponho-me a vir aqui e ainda falam de coisas da minha família”.
À saída do Tribunal, o antigo primeiro-ministro recusou as acusações de branqueamento de capitais. Falou de uma “obscena campanha mediática” para condicionar a decisão judicial de sexta-feira e diz não ter dúvidas que houve uma viciação do processo Operação Marquês.
Ao mesmo tempo, Ricardo Salgado, ex-presidente do Grupo Espírito Santo, foi pronunciado por três crimes de abuso de confiança (estava acusado de 31 crimes), ao passo que Armando Vara, acusado de cinco crimes, foi pronunciado por crime de branqueamento.
Foi no ano de 2013 que a investigação começou com a abertura de inquérito. O processo Operação Marquês teve origem numa outra investigação iniciada em 2011 e que visava o amigo de José Sócrates, Carlos Santos Silva. Foi também enviada ao Departamento Central de Investigação e Ação Penal e à Unidade de Informação Financeira da PJ uma informação da Caixa Geral de Depósitos relativa a avultadas transferências bancárias.
O Ministério Público (MP) fez logo saber que pretende recorrer da decisão instrutória de Ivo Rosa para o Tribunal da Relação de Lisboa e pediu 120 dias para apresentar o recurso, o dobro do tempo que é normalmente admitido por lei. De sublinhar que, uma vez que a apreciação do recurso não é obrigatória a produção de prova, é expectável que esta fase, caso vá para a frente, seja mais curta e dure entre um a dois anos.
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