Porque é que o leilão do 5G nunca mais acaba?
A pandemia atrasou o lançamento do 5G, mas não foi o único fator que explica o facto de Portugal ser um dos três países europeus sem rede móvel de quinta geração. Crispação no setor também não ajuda.
Diz-se que o que torto nasce, tarde ou nunca se endireita. Veja-se o leilão do 5G. A operação nasceu em polémica e dura há mais de três meses, sem sinal de acabar. Por que está a demorar tanto?
A venda das frequências é promovida pela Anacom, o regulador do setor, mas o procedimento diz pouco aos portugueses. Esses esperam pelo momento em que poderão beneficiar efetivamente da tecnologia, que deverá acelerar a velocidade da internet e desbloquear o potencial de uma série de tecnologias emergentes. E têm bons motivos para ansiar ter 5G.
No final de março, só Lituânia e Malta estavam na mesma situação do que Portugal, sem qualquer tipo de oferta comercial de quinta geração no mercado. Ou seja, nesta altura, há 24 outros Estados-membros onde já há algum tipo de cobertura comercial de 5G, embora em diferentes níveis de desenvolvimento.
Quanto a Portugal em concreto, a pandemia foi um fator relevante que fez atrasar todo o processo. Mas o clima de crispação no setor das telecomunicações, que levou a um autêntico choque institucional entre a Anacom e operadoras, também tem contribuído negativamente para o problema.
“Todos ralham e ninguém tem razão”
Recuemos até outubro de 2018. Nessa altura, o presidente executivo da Altice Portugal, Alexandre Fonseca, que tem sido um dos gestores mais vocais em todo este processo, não via “necessidade evidente” que justificasse a implementação do 5G em Portugal. “Os utilizadores ainda nem sequer tiram partido total da tecnologia [atualmente disponível]”, afirmou, referindo-se ao 4G.
Menos de um ano depois, a posição do gestor era bem diferente: “Estamos certamente seis meses atrasados” no lançamento do 5G, dizia Alexandre Fonseca aos jornalistas a 9 de agosto de 2019. Para o responsável da empresa líder de mercado, Portugal estava a perder “claramente o comboio” da nova vaga tecnológica.
O que terá feito Alexandre Fonseca mudar de ideias? Uma justificação será, certamente, as reticências das empresas com os pesados investimentos exigidos no lançamento do 5G, quando ainda há potencial na rede de quarta geração. Mas a Comissão Europeia exigia, já nessa altura, pelo menos uma cidade com cobertura de 5G em cada Estado-membro até ao final de 2020.
Neste contexto, nos primeiros meses de 2020, lá surgiu o plano nacional do Governo para o 5G e a Anacom colocou em consulta pública o projeto de regulamento do leilão para a atribuição das licenças. Acabaria por ser uma das consultas públicas mais participadas da história do regulador, tendo recebido centenas de contributos de entidades interessadas.
Mas entretanto apareceu a pandemia. Uma externalidade que acabou por mudar todo o calendário previsto para o desenvolvimento português do 5G.
A 19 de março de 2020, a Anacom anunciava a suspensão do processo por tempo indeterminado, o que acabaria por ser determinante para o atraso português, embora não seja o único motivo. A 9 de julho, o regulador retomá-lo-ia com o anúncio de um novo calendário, prevendo, nessa altura, a aprovação do regulamento em setembro, o início do leilão em outubro, e o encerramento do processo em dezembro de 2020.
O tiro foi totalmente ao lado. Não só a Anacom falhou em aprovar o regulamento em setembro, como o leilão só acabaria por começar no final de dezembro de 2020.
Certo é que o processo está a ser bem mais lento do que o esperado pela própria Anacom. O presidente, João Cadete de Matos, chegou a considerar haver condições para concluir o processo em janeiro. Estamos na segunda metade de abril de 2021 e a venda das frequências parece longe de estar concluída.
Pisar o pedal do acelerador
No setor das telecomunicações, ninguém assume responsabilidades por Portugal ser um dos três países sem ofertas comerciais de 5G. As operadoras acusam a Anacom de incompetência, a Anacom acusa as operadoras de licitarem baixinho e o Governo tem feito poucos comentários sobre o processo (e, quando os fez, acabou por expor claras divergências com a Anacom e até dentro do próprio Executivo).
Neste momento, a administração do regulador, que negou que houvesse qualquer atraso no 5G, já considera haver risco de o país ficar para trás em relação aos pares. Por isso, João Cadete de Matos disse “basta”. A 8 de abril de 2021, o regulador anunciou a intenção de mudar o regulamento do leilão para acelerar o fim do processo, acusando indiretamente as operadoras de estarem a fazer arrastar a venda com licitações de apenas 1%.
O anúncio surpreendeu o mercado, e talvez até o próprio Governo. Dias antes, o ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, afirmava não haver “nenhum problema” com a operação: “Que continuem a aumentar as licitações porque nós precisamos de dinheiro que, depois, vamos investir noutro objetivo”, disse.
Ao verem um pedido de alteração do regulamento ao 60.º dia de licitações, as empresas de telecomunicações recuperaram a mesma postura que tiveram no início do leilão: partiram para tribunal. Em concreto, a Nos interpôs uma nova providência cautelar contra a Anacom, depois de o ter feito, também, para tentar travar o arranque do leilão, ainda que sem sucesso.
Não se sabe qual vai ser o desfecho de mais esta providência cautelar. As primeiras forçaram a Anacom a ter de invocar “interesse público” para o leilão poder ir para a frente e não ser travado na justiça. E já em pleno processo, têm sido vários os pedidos de operadoras para o suspender: é o caso do pedido da Vodafone, motivado pelo novo confinamento, e do pedido da Altice Portugal, que quer que a Anacom investigue primeiro os rumores de que uma potencial fusão envolvendo a Másmóvil e a Vodafone em Espanha.
É neste contexto que continuam as licitações na fase principal do leilão de 5G. Nesta altura, a disputa gira à volta das frequências mais relevantes para a quinta geração. O processo prossegue a passo de caracol e, a 15 de abril, terminou o prazo para as operadoras responderem à intenção da Anacom de alterar o regulamento. É provável que surja agora uma consulta pública mais formal. Enquanto isso, 24 outros países da UE continuam a desenvolver as suas redes 5G, em benefício dos seus cidadãos e empresas.
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