Slots, os diamantes que a TAP não quer perder
Chegam a ser vendidos por 75 milhões de dólares nos maiores aeroportos e são um ponto fulcral na negociação do Governo com Bruxelas. Vai a TAP conseguir segurar as suas jóias da coroa?
A Air France recebeu, em abril, autorização da Comissão Europeia para um plano de recapitalização de 4.000 milhões do Estado francês. Uma das condições impostas, e a que provocou maior fricção entre Paris e Bruxelas, foi a cedência de slots. A companhia aérea francesa teve de libertar 18 posições no concorrido aeroporto de Orly, o segundo maior do país, onde tem um peso dominante.
A companhia de bandeira francesa não foi a única a ter de sacrificar este bem precioso. Também a alemã Lufthansa teve de prescindir de 24 slots em dois aeroportos alemães para poder receber, ainda 2020, um pacote de ajuda de 9.000 milhões de euros. Os slots são também um dos pontos-chave na negociação entre o Estado português e Direção-Geral da Concorrência (DG Comp) da União Europeia no âmbito do plano de reestruturação da TAP. Mas porque são eles tão valiosos?
Os slots são as faixas horárias que as companhias aéreas podem usar para descolar e aterrar nos aeroportos. Um recurso limitado pela disponibilidade de pistas e as 24 horas do dia e, habitualmente, muito escasso para a procura existente. Sem slots num aeroporto não é possível usá-lo, daí o enorme valor que tem para as companhias aéreas. Perdê-los significa perder negócio, mesmo que apenas potencial.
O seu valor é tal que a IAG, dona da British Airways, usou em março as faixas horárias da companhia aérea nos aeroportos de Londres como colateral de um empréstimo de 1,8 mil milhões. “Pôr uma aeronave [como colateral] é normal, mas os slots são as jóias da coroa e não costumam entrar no financiamento”, comentou na altura um analista do setor da aviação, em declarações ao Financial Times.
Um slot vendido por 75 milhões de dólares
Os valores das transações de faixas horárias não são habitualmente conhecidos, mas a Forbes noticiava em Março de 2020 que a Air New Zeland tinha vendido um slot no aeroporto de Heathrow, na capital britânica, por 27 milhões de dólares. Em 2016, a Oman Air pagou 75 milhões de dólares à Kenya Airways. Um dos motivos porque o montante foi muito superior prende-se com o horário, logo às primeiras horas da manhã, que tem um valor de mercado maior.
A luta pelos slots é renhida e um tema antigo de concorrência na Europa, com os novos operadores a acusarem as autoridades de privilegiarem os incumbentes e as companhias mais antigas. As regras obrigam a que as faixas horárias sejam usadas a 80%, mas a Comissão Europeia permitiu que as empresas segurassem as suas posições mesmo com uma utilização de 40% durante este verão. O que significa que vão continuar a sobrar poucas para os players mais recentes.
Ryanair quer TAP com menos faixas horárias em Lisboa
Agora que o tráfego aéreo de passageiros está a recuperar, a disputa intensifica-se. É por isso que companhias como a Ryanair têm insistido com Bruxelas no sentido de os auxílios de Estado dependerem da libertação de slots, como fez em relação à TAP. O tema foi abordado pelo diretor comercial da Ryanair, Jason McGuiness, durante o anúncio do investimento de 300 milhões no aeroporto de Lisboa. O responsável apelou ao Governo português e à Comissão Europeia para “impedirem a TAP de acumular faixas horárias de descolagem e aterragem no Aeroporto de Lisboa, sem qualquer benefício para os contribuintes portugueses”.
O assunto tem grande importância para a companhia aérea de bandeira portuguesa. Era, de resto, um dos riscos apontados pela TAP na emissão de obrigações de 2019. “Devido à saturação nos principais aeroportos europeus, todas as transportadoras aéreas que voem para aeroportos da União Europeia devem obter atribuição de faixas horárias. Qualquer perda de faixas horárias ou falta de acesso a faixas horárias em determinado aeroporto poderá ter um impacto em termos de participação no mercado, resultados e desenvolvimento da TAP”, alertava a companhia aérea no prospeto da operação.
O que era um risco é agora uma certeza, sobretudo depois da Comissão Europeia ter endurecido a sua posição sobre o plano de reestruturação, enviando a ajuda do Estado português para investigação aprofundada. Uma decisão que foi precedida por uma decisão do Tribunal Geral da União Europeia que anulou a injeção de 1,2 milhões na TAP em 2020, após uma queixa da… Ryanair. Bruxelas teve de readotar a decisão para evitar que o dinheiro fosse devolvido.
Governo defende hub
O plano de reestruturação obriga à saída de um quarto dos trabalhadores, à redução da frota de 108 para 88 aviões e ao abandono de várias rotas, mas no que toca às faixas horárias o Governo quer que o corte seja o mínimo possível e este tem sido um ponto-chave nas negociações.
Na carta ao Governo português onde expõe os argumentos para a abertura da investigação aprofundada, a Comissão Europeia aponta “a falta de um compromisso quanto à alienação de faixas horárias em Lisboa, dado o elevado nível de congestionamento desse aeroporto e à elevada percentagem de faixas horárias detidas pela TAP (50-60%)”.
A missiva dá conta também da defesa do Governo português, que considera “qualquer compromisso para alienar slots no aeroporto de Lisboa prematuro, muito provavelmente desnecessário para garantir uma concorrência efetiva, envolvendo o risco de comprometer a conectividade e o modelo de hub da empresa e ameaçando o seu regresso à viabilidade“. O Executivo alega que a avaliação deve ter em conta a perspetiva do lado da procura, sublinhando que nas suas sete principais rotas na Europa os concorrentes têm posições fortes, exercendo uma concorrência efetiva.
Outro argumento usado é que as faixas horárias onde tem maior peso (60% a 70%) não estão nos períodos de maior congestionamento. Aduz ainda que rivais como a Ryanair e a Easyjet têm entre 5% a 10% dos slots em Lisboa, o que compara com 4% e 2% para os concorrentes da Lufthansa nos aeroportos de Frankfurt e Munique. E acrescenta que a posição da companhia portuguesa é inferior à dos seus rivais nos respetivos hubs europeus.
O Executivo diz mesmo que “uma potencial libertação de slots pela TAP Air Portugal em Lisboa a um nível comparável ao exigido à Lufthansa e à Air France no âmbito do auxílio de recapitalização que lhes foi concedido teria um impacto significativo” na empresa e no hub da capital. Mas esse será o cenário mínimo esperado pelo Ministério das Infraestruturas, segundo foi noticiado após a decisão sobre a investigação aprofundada. Se for imposto um corte proporcional ao daquelas companhias aéreas, a transportadora portuguesa terá de ceder seis faixas horárias.
A proposta do Governo terá se seguir para Bruxelas até ao dia 19, quinta-feira.
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