Sem vacinação obrigatória, lei impede exigência de certificado pelas empresas
Os advogados contactados pela Advocatus defendem que empresas não podem exigir vacinação dos trabalhadores, enquanto não houver imposição legal nesse sentido.
Um pouco por todo o mundo, as empresas estão a aumentar a pressão sobre os trabalhadores para que apresentem comprovativos de vacinação contra a Covid-19. Desde bancos, como o Goldman Sachs, a companhias áreas, como a Delta Airlines, várias medidas deste tipo estão a ser impostas aos funcionários. E a falta de colaboração pode até implicar a perda de benefícios.
Em Portugal, não é obrigatória a apresentação de certificado junto da entidade empregadora. Mas o presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), Luís Miguel Ribeiro, admitiu esta semana que as empresas poderão ter a vacinação como requisito de contratação de novos trabalhadores, de forma a reduzir o risco no trabalho.
A Advocatus falou com advogados para aferir se é ou não uma hipótese possível. Apesar de considerarem que o quadro legal vigente não o prevê, admitem que os empregadores possam solicitar informações aos trabalhadores.
“O quadro legal vigente não prevê a obrigatoriedade da vacinação pelo que inexiste, quanto a nós, cobertura legal expressa para que seja imposta a vacinação como requisito de contratação. Não obstante, parece-nos que o regime vigente não afasta em absoluto a possibilidade de os empregadores solicitarem informações aos candidatos a emprego a esse respeito”, explicou Ana Manuela Barbosa, advogada principal da Abreu Advogados.
Segundo o Código do Trabalho, “para além das situações previstas em legislação relativa a segurança e saúde no trabalho, o empregador não pode, para efeitos de admissão […] no emprego, exigir a candidato a emprego […] a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das condições físicas ou psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes à atividade o justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao candidato a emprego ou trabalhador a respetiva fundamentação”.
A sócia da Morais Leitão, Helena Tapp Barroso, explicou que, apesar de a lei aludir apenas a testes e exames, e não concretamente a certificados de vacinação, deve ser interpretada como respeitando todos os tipos de comprovativos.
“Esta norma, considerada isoladamente, não proíbe de modo absoluto que aquela informação fosse solicitada pela empresa ao candidato a emprego mas, atendendo a que isso não está suportado na legislação relativa à segurança e saúde no trabalho, a empresa sempre teria de fornecer, por escrito, ao candidato a emprego, fundamentação concreta sobre o porquê daquela exigência para o posto, funções ou particular exigência de proteção no trabalho que fosse capaz de justificar essa exigência para aquela contratação concreta não sendo suficiente, a nosso ver, justificar isso em preocupações gerais de segurança e saúde no local de trabalho e muito menos de conveniência empresarial”, disse a advogada.
Helena Tapp Barroso sublinhou ainda que a lei vai mais longe e veda a possibilidade das empresas de integrarem no respetivo processo de seleção de candidatos a pergunta sobre se têm vacinação completa contra a Covid-19. “Existem ainda riscos de discriminação, porventura injustificada, inerentes à exigência de vacinação — num quadro legal de uma vacinação que não é obrigatória — para a contratação de trabalhadores”, acrescentou.
Também Luís Branco Lopes, of counsel da Antas da Cunha Ecija, considera “altamente questionável” considerar-se que a efetivação das condições de saúde passa pela exigência de vacinação, uma vez que existem outras medidas destinadas a evitar o contágio.
“Entendemos que a exigência da vacinação não se assume como determinante para a proteção e segurança do trabalhador ou de terceiros nem decorre de obrigação legal, o que nos leva a considerar que o requisito de vacinação aquando da admissão não seja lícito, sob pena de ser verdadeiramente discriminatório, nos termos dos artigos 24.º e 25.º do Código do Trabalho”, acrescentou o advogado.
“Empregador não se pode sobrepor ao Estado”
Em Portugal, a vacinação contra a Covid-19 é apenas recomendada e não obrigatória. Desta forma, por se tratar de uma questão do domínio dos direitos fundamentais, só a Assembleia da República ou o Governo, com autorização da AR, podem impor a obrigatoriedade da vacinação.
“Até à publicação de legislação sobre tal matéria, não pode o empregador substituir-se ao Estado, estando-lhe vedado impor a vacinação, seja no momento da contratação, seja na manutenção dos contratos de trabalho, sob pena de assumir um comportamento ilícito e altamente discriminatório”, assegurou Eduarda Almeida Costa, advogada da RSN Advogados.
Ou seja, apenas no caso de a vacina se tornar obrigatória é que se poderá alargar essa imposição ao contexto laboral e, dessa forma, permitir legalmente que os empregadores exijam comprovativo aos colaboradores.
Esta quinta-feira, a Confederação do Comércio e Serviços de Portugal considerou que a vacinação contra a Covid-19 não deve ser obrigatória para os trabalhadores, pelo menos para já, mas defendeu um reforço da campanha de informação e sensibilização.
O advogado Luís Branco Lopes entende assim que sem a obrigatoriedade, as empresas não poderão exigir aos seus trabalhadores que comprovem estar vacinados, sob pena de estarem a “violar norma imperativa de proteção de dados pessoais e de estarem a descurar as garantias legais dos trabalhadores”, indicou.
“Não nos parecendo existir suporte — no quadro da legislação atual — para as empresas exigirem aos trabalhadores nem que comprovem que estão vacinados, nem que se vacinem, caso o fizessem e este se recuse a informar ou comprovar que está vacinado ou não queira ser vacinado, essa recusa, à partida, não constituirá desobediência ilegítima a uma ordem do empregador e não constitui infração disciplinar ou motivo de despedimento com justa causa, não podendo também, tanto quanto nos parece resultar da lei atual, constituir motivo para impedir o acesso do trabalhador ao local de trabalho”, explicou a advogada Helena Tapp Barroso.
Ainda assim, Eduarda Almeida Costa considera que esta discussão envolve argumentos válidos de ambas as partes. Se de um lado pesa a “liberdade”, o “livre arbítrio” e a “integridade física”, de outro lado pesa a proteção da saúde pública.
A advogada acredita que, face à exceções da lei, abrir-se-á facilmente caminho a legislar no sentido de a vacinação passar a ser obrigatória e ser possível exigir tal vacinação na contratação. “Tanto que, em Portugal, embora na generalidade, o Plano Nacional de Vacinação não seja obrigatório, há vacinas que o são. Ainda que assim não fosse, na prática, a relação laboral tem por base um acordo de vontades, a de contratar e a de ser contratado”, acrescentou.
Outra questão levantada com o pedido de certificação de vacinação a trabalhadores é relativa à proteção de dados pessoais. O Código do Trabalho refere que o “empregador não pode exigir a candidato a emprego ou a trabalhador que preste informações relativas à sua saúde ou estado de gravidez, salvo quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respetiva fundamentação”.
“Apenas em situações particulares, como por exemplo, em lares ou hospitais, me parece poder ser exigido a comunicação de dados de saúde do trabalhador, designadamente se o mesmo se encontra ou não vacinado. Mesmo neste caso, no entanto, as informações de saúde são prestadas a médicos e o médico só pode comunicar ao empregador se o trabalhador está ou não apto a desempenhar a atividade“, notou Luís Menezes Leitão, bastonário da Ordem dos Advogados.
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