Merkel teve relação funcional com França, mas nunca criou casal
Uma relação "ioiô", com altos e baixos, marcada pela desconfiança de França face à líder alemã.
Nos 16 anos que esteve no poder, Angela Merkel conheceu quatro presidentes franceses, mas nunca criou uma relação profunda de cooperação já que sempre foi vista com fascínio, mas desconfiança por parte dos gauleses. “Com Angela Merkel, nunca houve um verdadeiro ‘casal’ franco-alemão, como François Mitterrand e Helmut Kohl ou Valéry Giscard d’Estaing e Helmut Schmidt”, considerou Paul Maurice, investigador do Comité de Estudos das Relações Franco-alemãs no Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI), em declarações à agência Lusa.
Angela Merkel “intrigou” Chirac, aproximou-se de Sarkozy apesar de uma grande diferença de personalidades (formando até o ‘casal’ Merkozy), divergiu politicamente de François Hollande e depositou esperanças no jovem Macron, mas a cooperação só começou em 2020 com a pandemia. Uma relação “ioiô”, com altos e baixos, marcada pela desconfiança de França face à líder alemã.
“Angela Merkel representa, do ponto de vista francês, algo novo. Ela é um fruto da Alemanha de Leste, algo diferente do que a França estava habituada. A França sempre viu a chanceler com fascinação, já que conseguiu ficar tanto tempo no poder, mas também desconfiança, porque a Alemanha tornou-se a grande potência da Europa, quando a França era no início dos anos 2000 um país muito importante“, descreve o investigador.
A desconfiança da França só aumentou com o alargamento de 2007, quando vários países da Europa Central e de Leste entraram na União Europeia. Nesse momento, a atenção de Merkel virou-se para os vizinhos recém-chegados, deixando de lado os gauleses. “Para a Alemanha foi uma grande oportunidade de ganhar força no continente e aumentar as exportações. O país voltou a encontrar o seu lugar na Europa Central, ou seja, apesar de a relação com França ter continuado a ser importante, tornou-se menos importante do que anteriormente”, declarou Paul Maurice.
Ao mesmo tempo, os países continuam a ser vizinhos e partilham uma fronteira de quase 500 quilómetros que, mais do que território, é um lugar de partilha económica, cultural e social. De forma a fazer o diagnóstico desta relação, especialmente entre os mais jovens, Sebastien Martin lançou a iniciativa “A voz franco-alemã da juventude”, que levou a cabo um inquérito online e agora vai apresentar as suas conclusões nos dois países.
“Os jovens consideram que o motor franco-alemão continua a ser muito importante e identificámos alguns desafios como a questão da inclusão, já que esta relação passava também pela Polónia, mas como o país enfrenta algumas questões sociais, os jovens pensam que se poderia incluir outros países nesta relação, como a Itália, a Espanha ou Portugal“, indicou Martin.
Milhares de jovens responderam a esta iniciativa, que conta o com o alto patrocínio da Assembleia Nacional e do Bundestag. Para os jovens esta é uma relação que também deve passar pelo nível local, nomeadamente geminações ativas entre as cidades, mas isto é um outro desafio já que há “uma crise a nível do voluntariado e nas associações”.
A nível económico, a Alemanha continua a ser o maior parceiro comercial de França e a relação comercial entre os dois países representa 172 mil milhões de euros. No entanto, também esta relação deve evoluir. “Historicamente é uma cooperação a nível de indústria pesada e o desafio é fazer com que esta relação também passe pelas novas tecnologias e a inovação”, descreveu Martin.
Nascido em Estrasburgo, junto da fronteira alemã, e tendo vivido e estudado na Alemanha, Sebastien Martin acompanhou na primeira pessoa a relação entre os dois países e teme a incerteza da saída de Merkel. “A transição vai ser um desafio para a relação franco-alemã, já que é preciso, desde logo, que a Alemanha se organize internamente, possivelmente com uma coligação que ainda não sabemos bem o que será. Ao mesmo tempo, a presidência francesa da União Europeia vai acontecer durante as eleições em França”, lembrou.
O calendário das relações entre os dois países não deixa lugar para grandes reflexões, já que, logo a seguir às eleições na Alemanha, em setembro, começa, em janeiro, a França a sua presidência do Conselho da União Europeia que vai ser encurtada politicamente pelas eleições presidenciais em abril. No entanto, o resultado das eleições na Alemanha não assusta Paul Maurice.
“Com os três principais candidatos teremos uma visão diferente desta dupla franco-alemã, mas todos afirmam que a relação com a França continua a ser importante”, declarou. Após a Segunda Guerra Mundial e com diferentes configurações, esta relação, mesmo com dificuldades, conseguiu encontrar sempre um consenso em prol dos valores europeus e do desenvolvimento destes dois países.
“A relação teve altos e baixos e é isso que faz a sua força. Temos divergências, mas conseguimos ultrapassá-las para chegar a um acordo. É uma relação que se mantém muito importante para a Europa, já que sem este casal, muitos projetos não poderiam acontecer, devido ao seu peso económico e ao seu peso no mundo“, concluiu Paul Maurice.
Digitalização continua a atrasar o país mais rico da Europa
A Alemanha, o país mais rico da Europa, continua atrasada no que diz respeito à digitalização, com o tema a preocupar o eleitorado mais jovem, mas a escapar ao debate dos candidatos a chanceler. No primeiro debate televisivo entre os três principais candidatos às eleições de 26 de setembro, para decidir quem será o sucessor de Angela Merkel à frente do Governo alemão, o tema não foi discutido. A falta deu lugar a várias críticas, principalmente depois das inúmeras falhas notadas durante a pandemia.
“Outros países reconheceram mais cedo que a digitalização não é apenas algo adicional, mas uma grande oportunidade”, sublinhou à Lusa Lena-Sophie Müller, diretora-geral da “Initiative D21”, a maior rede alemã sem fins lucrativos de promoção à digitalização da sociedade. A gestão da pandemia de covid-19 veio dar mais visibilidade a problemas já conhecidos: escolas com computadores ultrapassados, autoridades de saúde a trabalhar usando fax, ou serviços municipais não disponíveis online.
“Na Alemanha, as pessoas tendem a ponderar novos desenvolvimentos com muito cuidado, para não cometerem erros. Existem outros países mais disponíveis para experimentar. Além disso, a Alemanha está organizada em estados federais. Em áreas como educação e escolas, todas as 16 regiões são responsáveis por si próprias”, admitiu.
A pandemia de covid-19 veio mostrar que a Alemanha “tem mesmo de se atualizar em relação à digitalização”, revelou Lena-Sophie Müller. Também fez com que a consciencialização e a pressão pública aumentassem. “A digitalização da administração é um projeto enorme e leva muito tempo. Mesmo antes disso (da pandemia) muitas coisas já estavam a mudar, mas muitas delas ainda não visíveis”, sublinhou.
A diretora-geral da “Initiative D21” aponta a lei na Alemanha (“Onlinezugangsgesetz” ou “OZG”) que obriga as administrações a, até 2022, disponibilizarem os seus serviços digitalmente e afirma acreditar que o principal já aconteceu, uma “mudança de mentalidades”.
“As eleições para o novo Governo estão a chegar e todos os partidos estão a colocar um grande foco na digitalização (…) O grande desafio é encontrar uma linha comum, implementar bem os planos e pensar nos benefícios concretos para os cidadãos”, adiantou.
“O nosso principal objetivo é garantir que todas as pessoas na Alemanha possam beneficiar das vantagens da digitalização da melhor maneira possível. Queremos garantir que as diferenças digitais diminuem, e que todos os cidadãos – independentemente do seu nível de educação, idade ou local de residência – possam ganhar”, explicou.
Para Lena-Sophie Müller não é certo que a criação de um ministério exclusivo para os assuntos digitais consiga fazer diferença. “As opiniões divergem sobre isso. É questionável se um ministério pode resolver melhor todos estes desafios. Cada departamento deve interessar-se pela digitalização e pensar nela de forma centralizada”, realçou.
Se a melhor forma passa por criar ou não um novo ministério, isso deverá ser decidido por um novo Governo, e “ainda não está nada claro que Governo será”. As eleições gerais na Alemanha estão marcadas para o próximo dia 26 de setembro.
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