BIC justifica saída de Cabo Verde com novo quadro regulatório
Revogação da licença do banco BIC-CV não resulta de qualquer ato ou processo sancionatório derivado de comportamentos que pudessem ter como consequência tal sanção, garante o Banco BIC.
O conselho de administração do banco BIC Cabo Verde (BIC-CV), detido maioritariamente pela empresária angolana Isabel dos Santos, explicou esta terça-feira que o novo quadro regulatório no arquipélago, que acabou com os bancos offshore, levou à decisão de saída.
“A revogação da licença do banco BIC-CV não resulta de qualquer ato ou processo sancionatório derivado de comportamentos que pudessem ter como consequência tal sanção mas, tão só, da decisão do BIC-CV de não pretender continuar a exercer a sua atividade no mercado cabo-verdiano como instituição de crédito de autorização genérica”, lê-se num comunicado divulgado hoje pelo conselho de administração.
O comunicado recorda que o regime que permitia ao BIC-CV – desde 2014 — funcionar como instituição de crédito de autorização restrita, apenas para clientes estrangeiros, enquadrava aquela atividade “num quadro regulatório com incentivos fiscais”, tal como “acontecia e acontece ainda em certos países, como forma de atraírem investimento estrangeiro”.
“As alterações do quadro regulatório então vigente e subjacentes à decisão do universo BIC de se instalar em Cabo Verde, por forma a retirar do mesmo as sinergias inerentes às instituições do tipo, enquanto negócio potenciador de vantagens, as circunstâncias ditadas pela conjuntura internacional e os custos associados resultantes das estruturas organizativas complexas que geram encargos cada vez maiores, em contraposição aos proveitos e, bem assim, a atual dimensão do negócio bancário em Cabo Verde, determinaram que o universo BIC se reposicionasse quanto à sua decisão de se manter no mercado cabo-verdiano”, refere o comunicado.
O conselho de administração do BIC-CV garante que “tendo de forma livre optado por não proceder ao pedido de reconversão da sua licença para banco de autorização genérica”, que o podia ter feito até ao final de 2021, “como disposto na lei, teve como consequência a revogação da licença e não qualquer tipo de sanção derivada de medida contraordenacional ou outra”.
A Lusa noticiou em 11 de fevereiro que o banco central cabo-verdiano revogou a autorização do BIC-CV, que vai ser liquidado.
Questionada pela Lusa, fonte oficial do Banco de Cabo Verde (BCV) confirmou que o BIC-CV “desistiu do processo de conversão em banco de autorização genérica”, o qual tinha iniciado em 2021, conforme anunciado pela própria administração.
“A autorização do Banco BIC Cabo Verde foi revogada por força do número 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 82/2020, de 18 de novembro”, acrescentou a mesma fonte, referindo-se à legislação aprovada pelo Governo cabo-verdiano para acabar com os bancos ‘offshore’, que operavam apenas com clientes estrangeiros. “Estando revogada a autorização, o Banco BIC Cabo Verde já não tem licença para operar em Cabo Verde”, explicou o BCV. “Seguir-se-á o processo de liquidação da instituição financeira, nos termos da lei”, disse ainda.
O BIC-CV apresentou lucros de seis milhões de euros em 2019, um aumento de 14,8% face ao ano anterior, com apenas 11 trabalhadores, noticiou anteriormente a Lusa.
Em 2021, a administração do BIC-CV revelou que tinha solicitado ao BCV a transformação da offshore num banco para clientes residentes no arquipélago. A informação constava do relatório e contas de 2020 do banco, que refere que o BIC-CV registou prejuízos de quase 2,9 milhões de euros naquele ano.
“Não obstante as dificuldades, é de relevar a decisão tomada pelos acionistas do banco BIC de solicitar junto do Banco de Cabo Verde a transformação de banco com atividade de ‘autorização restrita’, para um banco de ‘autorização genérica’ e, desta forma, possibilitar a realização de operações financeiras igualmente com clientes residentes”, lê-se na mensagem do presidente do conselho de administração do BIC-CV, Fernando Teles, no relatório e contas.
O BIC-CV era um dos quatro bancos que operavam em Cabo Verde com autorização restrita, apenas para clientes não residentes e considerados por isso ‘offshore’, regime que, por força da alteração legal aprovado pelo parlamento cabo-verdiano terminaria no final de 2020, mas que foi estendido pelo Governo por um ano devido à pandemia de covid-19.
Segundo informação anterior do BCV, Isabel dos Santos detém, indiretamente, através da Santoro Financial Holdings, SGPS, SA e da Finisantoro Holding Limited, 42,5% do capital social do Banco BIC Cabo Verde, embora “não exercendo qualquer função nos órgãos sociais da instituição”.
O BCV confirmou em dezembro de 2020 que recebeu a deliberação da administração do Banco Privado Internacional, um desses quatro bancos ‘offshore’, para a sua liquidação e que foi uma decisão voluntária dos acionistas. O mesmo aconteceu depois com o português Montepio Geral Cabo Verde, enquanto o Banco de Fomento Internacional (BFI) concluiu entretanto a transformação para banco de autorização genérica.
Além dos quatro bancos que funcionaram com autorização restrita até 31 de dezembro de 2021, Cabo Verde conta com mais sete bancos comerciais de licença genérica (a que acresce agora o BFI).
O Governo cabo-verdiano prorrogou por um ano o prazo para encerrar os bancos com autorização restrita, obrigando à adequação às novas regras até 31 de dezembro de 2021, como aprovado anteriormente.
O BCV podia encerrar compulsivamente, com esta lei, os bancos com autorização restrita que funcionam no país, apenas para clientes não residentes, considerados ‘offshore’, que não se adequassem aos novos requisitos, ou seja a transformação de Instituições de Crédito de Autorização Restrita (ICAR) para licença de Instituições de Crédito de Autorização Genérica (ICAG), passando a trabalhar com clientes locais.
No texto do diploma aprovado pelo parlamento refere-se que a alteração legislativa introduzida no sistema financeiro em 2014 “não foi o suficiente para que Cabo Verde deixasse de ser considerado um ordenamento jurídico offshore e uma jurisdição não cooperante” pela União Europeia, algo que só aconteceu em fevereiro de 2020.
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