Guerra na Ucrânia vai mexer com o Orçamento do Estado

Os preços da energia deverão ser o principal fator a mexer no novo Orçamento, mas não se exclui um reforço da despesa com a defesa. Para António Costa, ainda é "cedo" para fazer essa avaliação.

O primeiro-ministro disse ser “cedo para avaliar” o potencial impacto no Orçamento do Estado para 2022 (OE 2022) — o seu trunfo eleitoral que quer aprovar o mais rapidamente possível — do ataque da Rússia à Ucrânia, mas os economistas questionados pelo ECO admitem que haverá vários impactos orçamentais diretos e indiretos. Certo é que o maior conflito armado na Europa desde a Segunda Guerra Mundial já está a fazer estragos na economia, principalmente nos preços da energia.

Questionado pelos jornalistas, António Costa disse que “em primeiro lugar é preciso saber qual é a extensão e duração deste conflito” e, depois, é precisa saber quais serão as “contra medidas que serão aplicadas ou não pela Rússia” como retaliação ao pacote de sanções “massivo” prometido pela União Europeia para castigar o Kremlin. O Ocidente está a bloquear o acesso aos mercados financeiros, a congelar ativos de oligarcas, militares e políticos e a cortar os laços com os bancos russos.

Em função disso poderemos fazer uma avaliação integral da situação”, explicou o primeiro-ministro, sem adiantar mais pormenores sobre o que poderá mudar face à proposta original. E a verdade é que ainda tem algum tempo para fazer essa avaliação uma vez que a proposta do Orçamento do Estado para 2022 só será entregue no início de abril, após o Governo tomar posse no final de março, dado o adiamento provocado pela repetição do voto do círculo eleitoral da Europa.

A primeira questão em cima da mesa é a evolução do preço da energia, em particular do petróleo e do gás natural, nos quais a Rússia é um dos principais fornecedores dos países europeus. Os dois bens energéticos viram o seu preço disparar nos últimos meses por causa da maior procura pós-pandemia e do desajuste entre a oferta e a procura. O ataque à Ucrânia reforçou essa tendência, com o barril de petróleo a ultrapassar os 100 dólares esta quinta-feira.

Esta é a mudança mais óbvia que terá de constar na nova proposta do Orçamento do Estado. O Governo já tinha admitido que a cotação do barril teria de ser atualizada, mas agora é provável que essa atualização seja ainda maior. “De acordo com as expectativas implícitas nos mercados de futuros, o preço do petróleo deverá situar-se em torno de 68 USD[dólares]/bbl (57€/bbl) em 2022”, lia-se na proposta original que foi chumbada pelo Parlamento.

No relatório do OE2022, na análise de sensibilidade, o Governo antecipava que, mesmo que “o preço do petróleo se situe 20% acima do assumido no cenário base”, haveria um impacto “pouco significativo” no crescimento do PIB em 2022 e “residual” na taxa de desemprego. Porquê? “Em virtude da redução no crescimento das importações compensar o menor crescimento do consumo”, justificava. Porém, admitia um “impacto significativo” na capacidade de financiamento da economia face ao exterior, deteriorando as contas externas. A questão é que a variação pode ser superior a 20%.

Conflito terá impacto na economia portuguesa

Os impactos podem ser terríveis. Não em termos diretos dado que não temos relações muito fortes com a Ucrânia ou a Rússia, para além da imigração ucraniana em Portugal”, começa por dizer António Mendonça, bastonário da Ordem dos Economistas, ao ECO, especificando que “os efeitos indiretos que podem ocorrer é que podem ser extremamente perniciosos”, nomeadamente com as consequências nos preços da energia, de matérias-primas e na instabilidade dos mercados financeiros.

Especificamente sobre a energia, haverá um “impacto brutal”, reconhece, assinalando que tal poderá ter um “efeito detonador da crise”. Perante este cenário, o economista espera que não haja, para já, uma subida de juros por parte do Banco Central Europeu (BCE), argumentando que tal seria “catastrófico” uma vez que seria “deitar gasolina no fogo”, mesmo que a taxa de inflação continue a acelerar por causa da subida dos preços da energia.

Ao ECO, Nuno Valério, professor do ISEG e especialista em história económica, recorda que, além dos efeitos de curto prazo que já se sentem nos mercados financeiros, as sanções “vão afetar significativamente a economia russa, mas também terão algumas consequências menos positivas para as economias que as vão aplicar“, o que poderá tornar-se num “problema” caso a “opinião reaja de forma negativa”. Sobre a evolução do PIB, admite “uma pressão no sentido de travar o crescimento económico, mas a recuperação naturalmente continuará a verificar-se”.

Em contrapartida, o Governo — que tem uma folga orçamental neste momento — deve aumentar os apoios para os cidadãos e empresas — como o Autovoucher ou outras medidas que estão em vigor — para colmatar a subida do custo da energia, como já pediu a Apetro? António Mendonça admite que é preciso mais apoios, mas tal depende das possibilidades do Estado. “Os apoios estão limitados à nossa capacidade financeira”, diz, lembrando que a crise pandémica já deixou marcas na dívida pública portuguesa, a terceira maior da União Europeia. Caso o conflito se agrave, é provável que os juros das obrigações soberanas, vistas como ativos de refúgio, desçam, o que implica menos custos de financiamento.

Já Nuno Valério argumenta que “reduzir os preços não resolve” o problema uma vez que vai haver uma “escassez de combustíveis e de fontes de energia”. “As medidas eficientes são de contenção do consumo” ou aumento de produção, considera. Pode ser “importante” colmatar a subida do custo para cidadãos e empresas, mas tal “não afasta totalmente as consequências”, assinala.

Ressalvando que a incerteza ainda é grande e que é preciso esperar pelos desenvolvimentos dos próximos dias, António Mendonça admite a possibilidade de estarmos “em vésperas de uma crise económica de incalculáveis proporções quando os efeitos das anteriores crises ainda não se dissiparam totalmente”. Tudo dependerá da evolução do conflito, mas António Mendonça considera que, “tendo em conta as reações de um lado e de outro”, são “fortes as probabilidades do conflito aumentar” em vez de atenuar.

Se o conflito continuar, o PIB deverá “crescer menos ou vai diminuir mesmo”, diz, falando na possibilidade de haver “novamente uma recessão”, até porque a tendência para 2023 já era de desaceleração económica, o que terá consequências nos impostos cobrados pelo Estado e noutras fontes de receitas. As exportações podem vir a ser particularmente afetadas, mesmo que não haja grandes trocas comerciais entre Portugal e a Rússia e a Ucrânia, “se houver instabilidade a nível internacional”, avisa.

A Oxford Economics calcula, neste momento, um corte nas previsões de crescimento do PIB mundial de 0,2 pontos percentuais em 2022 e 0,1 pontos percentuais em 2023, fruto do maior preço do gás na Europa, a subida no médio prazo do petróleo e dos preços dos alimentos — a Ucrânia e a Rússia fornecem vários cereais –, a disrupção nos mercados financeiros e o efeito das sanções da União Europeia e dos Estados Unidos na Rússia. No caso da Zona Euro, o corte é maior, como mostra o gráfico, o que terá repercussões em Portugal.

Já tendo em conta a tensão entre a Rússia e a Ucrânia, o banco norte-americano JPMorgan Chase reviu em baixa o crescimento da Zona Euro de 1,5% para 1%. Uma análise recente do Rabobank referia como o setor automóvel (também presente em Portugal) pode ser afetado através da disrupção das exportações russas de paládio, alumínio ou ferro.

Para Joaquim Miranda Sarmento, especialistas em finanças públicas e futuro deputado do PSD, há “grandes riscos” para a economia portuguesa neste conflito, desde logo pelo agravar da inflação com o aumento dos preços das matérias-primas, assim como o impacto por via das exportações. Contudo, ressalva que é preciso ver qual o efeito das sanções, saber se haverá retaliação da Rússia e a duração e intensidade do conflito.

“É difícil fazer previsões”, assume, admitindo, porém, que “isto tem tudo para ser um evento com um impacto muito significativo” na economia. Em relação ao Orçamento e a apoios para colmatar a subida do preço da energia, Miranda Sarmento admite que o Governo “terá de ponderar se de facto deve manter essas medidas ou não”.

Orçamento da Defesa vai crescer?

A previsão para a despesa pública consolidada do programa da Defesa em 2021 era de 2.422,8 mil milhões de euros. Deste momento, quase metade (46,5%) é gasto em despesas com pessoal, segundo os dados do ministro da Defesa, João Gomes Cravinho. Para 2022, o Orçamento chumbado previa um ligeiro aumento para 2.451,5 milhões de euros.

A dúvida agora é saber o que acontecerá ao orçamento da Defesa fruto deste conflito, até porque Portugal faz parte da equipa de resposta rápida da NATO, a qual foi autorizada pelo Conselho de Defesa Nacional a participar nas missões “de dissuasão” em países da aliança atlântica que façam fronteira com a Ucrânia ou Rússia. São cerca de 1.500 militares que poderão ser destacados, o que poderá acarretar mais custos para o Estado português.

Para António Mendonça não há dúvidas de que terá de ser aumentado o orçamento nesta área. “É natural e provável que vá tender a aumentar”, diz, admitindo uma maior despesa com recursos humanos e materiais uma vez que “Portugal como membro da NATO tem de cumprir com as suas responsabilidades”. É um “esforço complementar” que tem de ser feito.

Uma opinião corroborada por Joaquim Miranda Sarmento: “Se de facto Portugal tiver que participar num esforço da NATO, terá impactos orçamentais até porque os militares que estão destacados têm uma remuneração superior“, além dos gastos com a ativação e manutenção de equipamentos militares durante dias ou semanas.

Também Nuno Valério admite que num cenário em que se volte a um panorama de “guerra fria”, caso a Ucrânia passe a estar na esfera de influência da Rússia, tal envolve “mais recursos para a defesa no sentido de fazer dissuasão”. “Tradicionalmente esse esforço recaía sobre os EUA, mas dificilmente os países europeus poderão deixar de poder contribuir bastante mais, até pela sua própria segurança”, nota.

Há ainda mais despesas que podem ter de ser enquadradas no novo Orçamento como a retirada de cidadãos na Ucrânia e o acolhimento de cidadãos em fuga. “Todos os ucranianos são bem-vindos a Portugal”, disse o primeiro-ministro.

Esta quinta-feira o jornal europeu Politico escrevia como a guerra na Ucrânia já estava a ter um efeito na política doméstica na União Europeia, colocando pressão nos líderes para repensar a sua estratégia de defesa, incluindo os orçamentos. Há vários anos que os Estados Unidos têm pressionado os países europeus que estão na NATO a aumentar a fatia do orçamento dedicada à defesa para os 2% do PIB — poucos países europeus o cumprem. Na Alemanha, tanto o SPD de Olaf Scholz como a CDU (partido de Angela Merkel) disseram esta semana que havia uma necessidade urgente de aumentar os gastos nesta área.

Do lado russo, há 53 mil milhões de dólares disponíveis no orçamento para lidar com os impactos das sanções económicas do Ocidente, de acordo com fonte oficial do Kremlin citado pela Reuters. “A Rússia tem os recursos financeiros suficientes para manter o sistema financeiro à luz das sanções e ameaças externas”, disse. Recorde-se que os principais mercados financeiros ocidentais fecharam a torneira à Rússia, impedindo que haja financiamento de nova dívida.

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